“Trata-se de uma “escolha forçada”: de um ajuste entre as possibilidades que o jovem vê em si e no seu contexto social e as probabilidades que antevê de sucesso noutra escola”, conclui o relatório
do Cenpec

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PARA SABER MAIS

egundo dados do Censo Escolar de 2013, o Brasil contabiliza hoje
8,3 milhões de matrículas no Ensino Médio. Desses, cerca de
2,3 milhões de alunos cursam o ensino noturno na rede pública. Embora venha caindo ano após ano, o percentual de matrículas dessa
etapa no período noturno ainda é significativo e representa um terço
do total (33%).

O elevado percentual de matrículas no turno da noite chama a atenção e preocupa, porque os indicadores mostram que o desempenho desses estudantes tende a ser pior em comparação ao dos que frequentam o período diurno. Dados do questionário do aluno do Saeb 2013 tabulados pelo Instituto Unibanco indicam que o percentual de jovens do noturno que já abandonaram a escola pelo menos uma vez (16%) é três vezes maior do que no diurno (5%).

Em 2015, o Instituto Ayrton Senna divulgou levantamento com dados dos dois turnos, evidenciando essa disparidade. No Saeb 2013, de caráter amostral no Ensino Médio, os alunos do 3º ano do noturno apresentaram proficiência em Língua Portuguesa e Matemática inferior aos alunos do diurno. Para eliminar as diferenças de características das escolas, o levantamento do Instituto Ayrton Senna também restringiu a comparação às unidades que oferecem os dois turnos e a diferença se mantém: é de 24,1 pontos em Língua Portuguesa e 19,2 pontos em Matemática. Para se ter uma ideia da magnitude dessas disparidades, a média registrada pelos alunos do Ensino Médio noturno em português – 240 pontos – é inferior à obtida pelos estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental em 2013 (de 246 pontos).

Embora cumpra um papel fundamental de assegurar o direito à educação para os estudantes que trabalham ou que, por alguma outra razão, não podem frequentar as aulas no período diurno, o Ensino Médio noturno consolidou-se, de modo geral, como um ensino de baixa qualidade.

Em 2006, o MEC encomendou um dos mais amplos estudos sobre o tema, intitulado “Ensino Médio Noturno: Democratização e Diversidade”. Coordenada pelos professores Romualdo Portela de Oliveira e Sandra Zákia Sousa, ambos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, e Valéria Virgínia Lopes, a pesquisa consistiu na realização de cerca de 10 mil entrevistas com professores, alunos e diretores de escolas que ofereciam Ensino Médio noturno de oito estados. Constatou-se que a infraestrutura oferecida às turmas do noturno não é a mesma ofertada aos estudantes do diurno, já que muitos espaços (como bibliotecas e laboratórios) são fechados à noite; o mesmo se verifica em relação à prestação de determinados serviços (como limpeza) e ao apoio pedagógico (secretarias e direção). Além disso, observou-se uma alta rotatividade do corpo docente, além de um elevado índice de professores com formação inadequada para disciplina lecionada.

Perfil do aluno

Diante desse quadro, é importante entender quem é o aluno que frequenta o Ensino Médio noturno. Diferentemente do que se afirma no senso comum, um percentual relevante (40%) desses estudantes não trabalha. Os dados referentes ao perfil desse aluno indicam, no entanto, que há uma forte relação entre frequentar o período noturno e menor nível socioeconômico. São mais recorrentes nesse turno estudantes cujas mães nunca estudaram ou que sequer completaram os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Além disso, são alunos mais velhos: metade dos matriculados nesse período tem entre 18 e 21 anos, enquanto que no diurno a maioria (56,4%) tem menos de 17 anos. O alto índice de defasagem idade-série (53%) também explica em parte a elevada média de idade desses estudantes.

“Escolha forçada”

Nas décadas de 80 e 90, quando as matrículas nesse turno representavam mais da metade do total, o Ensino Médio noturno cumpriu papel fundamental na democratização do acesso à essa etapa de ensino, atendendo prioritariamente jovens trabalhadores. Com a progressiva redução da distorção idade-série no Ensino Fundamental, os estudantes passaram a ingressar no Ensino Médio mais jovens e, por ainda não estarem no mercado de trabalho em muitos casos, sem a necessidade de estudar à noite.

Hoje, a participação do turno da noite no volume total de matrículas é bastante inferior, mas ainda relevante e se deve, em parte, à falta de estrutura das redes para atender durante o período diurno à demanda de vagas no Ensino Médio.

O problema é que, se por um lado, o noturno ainda cumpre a função de garantir aos jovens das camadas mais vulneráveis o direito à educação, por outro, pelo seu caráter mais precário, acaba por contribuir para reprodução das desigualdades ao oferecer um ensino menos qualificado.

Resultados preliminares de pesquisa do Cenpec divulgados em 2016 apontam a correlação entre origem social dos alunos e tipo de matrícula (em período integral, no diurno ou noturno). O estudo analisou as políticas de Ensino Médio de quatro estados brasileiros (CE, GO, PE e SP). “Trata-se de uma “escolha forçada”: de um ajuste entre as possibilidades que o jovem vê em si e no seu contexto social e as probabilidades que antevê de sucesso noutra escola”, conclui o relatório.

A pesquisa revela, por exemplo, que no caso dos alunos do noturno a escolha da escola é motivada principalmente pela sua proximidade com o local de residência ou por ser a única do bairro enquanto que para os estudantes do diurno ou em período integral, a reputação da escola é a principal razão.

Caminhos para o Ensino Médio noturno

A busca de caminhos para o Ensino Médio noturno implica, evidentemente, enfrentar desafios que afetam essa etapa da educação básica como um todo. Um deles diz respeito à questão curricular e sobre como superar a dicotomia entre formação geral e profissionalizante. Entram aí também o debate sobre quais são os desenhos mais adequados para atender à diversidade de alunos do Ensino Médio. Como lidar com o problema da jornada reduzida do noturno? É possível pensar em alternativas como, por exemplo, disponibilizar parte da carga horária a distância? Ou permitir a obtenção de créditos por disciplina, como já ocorre no Ensino Superior?

Outros desafios são específicos do noturno e exigem a formulação de políticas focadas, dada a vulnerabilidade do público atendido nesse turno, visando à permanência e conclusão dos estudos. Frente ao significativo percentual de jovens que não trabalham e estudam no noturno, é fundamental que sejam direcionados esforços para que as redes sejam capazes de absorver no diurno parte desses jovens. Também é preciso regularizar as condições de oferta do turno da noite, no sentido de garantir a mesma infraestrutura presente no diurno: laboratórios, biblioteca, merenda, segurança.

Vale destacar ainda o desafio pedagógico, ainda maior no noturno, dado o elevado índice de defasagem idade-série dos estudantes e a dupla jornada (trabalho-estudos) enfrentada pela maioria dos alunos, além da alta rotatividade de professores. Nesse sentido, políticas de fixação de docentes nas escolas do noturno devem ser priorizadas, possibilitando a formação continuada das equipes, o estabelecimento de vínculos entre docentes e estudantes e a construção de projetos políticos pedagógicos que deem conta da complexidade dessa etapa.

 

GESTÃO

Um em cada

três alunos do

Ensino Médio estuda à noite

  • As dificuldades que os alunos do ensino médio noturno enfrentam no Brasil (reportagem), Jornal Futura (18/06/2015): https://www.youtube.com/watch?v=zt531aU-YvI
  • Ensino Médio noturno: democratização e diversidade, Sandra Zákia Sousa e Romualdo Portela de Oliveira, FE/USP (2008): bit.ly/relatorioMEC_EMnoturno
  • Ensino Médio noturno – Uma análise da disparidade entre o aprendizado dos alunos e a qualidade do ensino no período da noite em comparação com o turno matutino, Instituto Ayrton Senna (2015): bit.ly/pesquisaIAS_EMnoturno
  • Informe de Pesquisa – Ensino Médio, qualidade e equidade: Avanços e desafios em quatro estados: CE, GO, PE e SP, Cenpec (2016): bit.ly/informeCenpec_ensinomedio

Nº 10 - mai.2016

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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