Nº 27 - mai.2017

Gestão

Um novo

futuro para o ensino técnico

>> Questão da integração do Ensino Médio regular com o técnico volta ao debate

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>> Escolha pela modalidade técnica não pode ser feita em detrimento do aprendizado de competências básicas

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>> Jovens cursam o Ensino Médio de olho na universidade, mas também valorizam a educação profissional

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PARA SABER MAIS

relação entre a educação profissional e o Ensino Médio de formação geral (o chamado “propedêutico”) sempre gerou intensos debates entre educadores brasileiros. Em fevereiro de 2017, com a aprovação da reforma do Ensino Médio, a discussão sobre como compatibilizar essas duas modalidades ressurgiu com força.

A principal mudança trazida pela nova legislação é a previsão de oferta de cinco diferentes itinerários a serem escolhidos pelos jovens, incluindo, entre eles, uma opção de formação técnica e profissional. Se a alteração, por um lado, abre a possibilidade de construir um novo modo de interação entre a formação geral e a profissional, por outro, há quem alerte para os riscos de este novo modelo reforçar desigualdades, com os jovens de menor renda sendo estimulados a seguir para a trajetória profissionalizante já no Ensino Médio, fenômeno que de fato ocorre em outros países (veja boletim Aprendizagem em Foco n. 20).

Hoje, porém, o quadro verificado no Brasil é diferente: os alunos matriculados em cursos de educação profissional têm renda média per capita próxima (de 4% a 8% maior apenas) em relação aos do Ensino Médio acadêmico, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. No caso brasileiro, é preciso considerar que as matrículas ainda são proporcionalmente baixas, tanto que o Plano Nacional de Educação estipula como meta chegar a 5,2 milhões de matrículas até 2024. Hoje, o total é de 1,9 milhão, segundo o Censo Escolar do MEC.

Como é hoje

Atualmente, o estudante que deseja uma formação técnica precisa cursar, além das 2,4 mil horas do Ensino Médio regular, de 800 a 1,2 mil horas do técnico (que pode ser concomitante, integrado ou subsequente ao regular). Segundo dados do Censo Escolar 2015 apresentados por Simon Schwartzman no livro “Educação média profissional no Brasil: situação e caminhos” (2016), quase metade das matrículas corresponde ao ensino subsequente (após o ensino regular), cursado majoritariamente na rede privada por estudantes mais velhos (a idade média é de 25 anos) em busca de qualificação de nível médio para o mercado de trabalho. Os alunos das redes técnicas federal e estadual, que oferecem o ensino integrado, representam uma minoria desse montante e têm um perfil oposto: são jovens com 16,8 anos em média, que veem o curso, caracterizado pela alta qualidade, como uma preparação para o vestibular.

Com a reforma, a carga horária deve ser ampliada para mil horas anuais (o que representa cinco horas de aula por dia) nos primeiros cinco anos da implementação e para 1,4 mil horas (sete horas de aula por dia) até 2022. 60% da carga horária será destinada aos conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e 40%, aos conteúdos optativos, que serão organizados de acordo com as opções de itinerários formativos. Assim, ao final dos três anos, o aluno pode ser certificado tanto no Ensino Médio regular como no curso técnico.

 

  • Educação média profissional no Brasil: situação e caminhos, Simon Schwartzman, Editora Moderna (2016): bit.ly/2qTWxJ2
  • Educação e qualificação profissional, IBGE, (2017): bit.ly/2qUhUK5
  • Quem são os jovens fora da escola, Boletim Aprendizagem em Foco n. 5, Instituto Unibanco (2016): bit.ly/2r2U2Bl
  • Em busca de um modelo para o Ensino Médio, Boletim Aprendizagem em Foco n. 20, Instituto Unibanco (2016): bit.ly/2q6Q7Do
  • Efeito do ensino técnico profissionalizante nos salários, Roberta Biondi (FGV) e Sérgio Firpo (Insper), (2106): bit.ly/2r1dsW9
  • Educação geral, ensino técnico, e resultados no mercado de trabalho ao longo do ciclo de vida (artigo em inglês), Eric Hanushek, Guido Schwerdt, Ludger Woessmann e Lei Zhang, Universidade Stanford (2017): stanford.io/2q4ltw2
  • Repensar o Ensino Médio, Todos Pela Educação (2017): bit.ly/2q3MIqO

Impacto na renda

Um dos argumentos utilizados pelos que defendem o ensino técnico é que um bom curso de educação profissional pode facilitar a inserção no mercado de trabalho. Um estudo dos pesquisadores Roberta Biondi (FGV) e Sérgio Firpo (Insper) mostra que há impactos positivos na renda dos jovens que conseguem concluir o ensino técnico no Brasil. Ao comparar jovens com desempenho semelhante no Enem, os autores identificaram que, de cinco a oito anos depois, os estudantes que haviam também feito um curso técnico registravam salários de 8% a 14% maiores.

O trabalho de Roberta Biondi e Sérgio Firpo, porém, analisa apenas o efeito de curto prazo. Um bom ensino técnico pode ajudar na inserção imediata no mercado de trabalho, mas é preciso estar atento também à trajetória no longo prazo, especialmente no que diz respeito à capacidade de adaptação deste trabalhador a um mercado cada vez mais dinâmico.

Um estudo do economista Eric Hanushek, da Universidade Stanford, ao analisar a trajetória de trabalhadores em 11 países (o Brasil não fez parte desta amostra), revelou que os ganhos iniciais em termos de empregabilidade em favor dos formados em cursos profissionalizantes eram perdidos ao longo do tempo, na comparação com os trabalhadores que haviam feito o Ensino Médio regular. Para o autor, o estudo é um alerta de que as vantagens da inserção mais facilitada no curto prazo no mercado de trabalho pode ser voltar contra o formado em cursos técnicos se ele não tiver conhecimentos básicos que o permitam se adaptar a mudanças constantes no mercado e continuar aprendendo ao longo da vida.

Nova abordagem para formação profissional

É essencial que esse alerta, ainda que vindo de um estudo relativo a outros países, seja considerado nas discussões sobre a implementação da reforma do Ensino Médio no Brasil e sobre a definição da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) referente à última etapa da educação básica. Se a integração entre o Ensino Médio e o técnico, especialmente no caso daqueles estudantes que optarem pela trajetória profissionalizante, resultar num empobrecimento do currículo de formação geral em favor de uma qualificação para o trabalho estanque ou engessada, estaremos condenando esses jovens a uma educação de menor qualidade.

Em roda de conversa sobre a reforma do Ensino Médio realizada no dia 12 de abril de 2017 no Instituto Unibanco, a professora Carolina da Costa, do Insper, destacou levantamentos nacionais e internacionais realizados junto a empresas que reforçam a superação do modelo de ensino técnico profissionalizante focado no treinamento de pessoas, preparando-as apenas para operacionalização de partes específicas dos processos, sem oferecer-lhes uma visão ou compreensão do todo. Entre as habilidades valorizadas pelos empregadores está a habilidade de resolução de problemas.

“Com base nos dados e pesquisas, é possível afirmar que a efetividade dos programas vocacionais depende da qualidade da base acadêmica e de qual vai ser o enfoque desta formação vocacional”, afirmou a professora Carolina da Costa, do Insper.

Como o currículo do ensino técnico, assim como os dos demais itinerários formativos, ficarão a cargo dos estados, ainda pairam muitas dúvidas sobre que abordagem será dada a essa formação profissional. O próprio conteúdo da base curricular referente ao Ensino Médio ainda está em discussão, com divulgação prevista para o segundo semestre de 2017.

E o que querem os jovens?

Como em qualquer debate educacional, ainda mais no que diz respeito ao Ensino Médio, será preciso de todos os gestores um exercício de diálogo constante com os jovens. A pesquisa Repensar o Ensino Médio, feita pelo Instituto Multifocus por iniciativa do movimento Todos Pela Educação, com apoio do Itaú BBA e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, traz alguns elementos importantes para esta discussão. Ao entrevistar 1.551 jovens de 15 a 19 anos entre setembro e outubro de 2016, o levantamento mostrou que a maioria (71%) dos estudantes diz que a principal motivação para cursar a etapa é a preparação para vestibular, bem à frente do preparo básico para o mundo do trabalho (17%) ou de formação para a vida (10%).

Esta constatação poderia sugerir que, para os jovens, a educação profissional é menos importante. No entanto, a mesma pesquisa revela que 78% dos estudantes atribuem grau de importância 9 ou 10 para matérias dirigidas à formação profissional, técnica e aconselhamento. Outro dado destacado no resumo da pesquisa feita pelo Todos Pela Educação é que 77% dos estudantes aceitariam a substituição de um terço das matérias do Ensino Médio por disciplinas técnicas eletivas, desde que a carga horária da etapa fosse de cinco horas, como prevê a nova legislação do Ensino Médio.

Também chama a atenção o dado de que 54% dos estudantes dizem desconhecer as modalidades do ensino técnico (percentual que chega a 72% entre os mais pobres). Além disso, muitos deles se sentem desmotivados a ingressar num curso técnico pelo fato de o processo seletivo dessas escolas ser muito concorrido (42% das respostas) ou por falta de acessibilidade geográfica, isto é, são longes ou pouco acessíveis (40%).

A aparente contradição entre a ênfase na preparação para o vestibular e a valorização do ensino técnico pode ser equacionada se, no processo de implementação da reforma do Ensino Médio, for efetivamente garantido o direito a um ensino de qualidade que permita ao jovem ter uma base sólida de conhecimentos e habilidades que facilitarão suas opções ao longo da vida, independente da trajetória escolhida pelo estudante.

 

A implementação da flexibilização dos itinerários será o tema central do Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio, que será realizado pelo Instituto Unibanco nos dias 21 e 22 de junho de 2017.

www.seminariocurriculo.org.br/

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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