Nº 3 - dez.2015

CURRÍCULO

Ensino Médio: caminhos para um currículo flexível

egundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2014, existe hoje no país 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos fora da escola, o que equivale a 16% da população dessa faixa etária. Embora em termos relativos o acesso ao Ensino Médio tenha alcançado progressos consideráveis nas últimas duas décadas, o contingente de jovens que abandona os estudos, o baixo desempenho nas avaliações externas e a ainda elevada taxa de repetência são alguns dos sinais da crise dessa etapa de ensino. Os indicadores traçam um quadro de exclusão e desigualdade que tem chamado a atenção de pesquisadores, gestores públicos e militantes da área educacional. Para muitos, o currículo do Ensino Médio é um dos principais nós a serem desatados.

Relatório divulgado pelo Unicef em março deste ano que elenca os 10 principais desafios para essa etapa aponta a necessidade de “definir uma identidade para o Ensino Médio” como um deles. Esta questão relaciona-se diretamente ao currículo, pois envolve uma discussão sobre qual deve ser o foco do Ensino Médio: proporcionar uma formação geral versus qualificar para o mercado de trabalho versus preparar para a universidade.

A INADEQUAÇÃO DO CURRÍCULO À DIVERSIDADE DE JUVENTUDES

Um levantamento nacional realizado pelo Instituto Unibanco neste ano procurou identificar os principais desafios curriculares do Ensino Médio regular. Foram utilizados como fontes de pesquisa artigos publicados na grande mídia, a bibliografia especializada (estudos e pesquisas) e as discussões realizadas nos principais congressos e seminários sobre Ensino Médio entre 1998 e 2015.

O estudo constatou que a crítica sobre o Ensino Médio se estrutura em torno de três eixos: a existência de uma trajetória única e inflexível, sem a possibilidade de formações alternativas; o currículo pouco adaptado à diversidade de juventudes e o inchaço e a fragmentação dos conteúdos curriculares.

Embora nos últimos anos o número de matrículas no Ensino Médio mantenha-se em patamar relativamente estável (na marca dos 8,3 milhões), entre a segunda metade da década de 1990 e o início dos anos 2000 registrou-se um salto de mais de 50% nas matrículas1. Isso mudou o perfil dos jovens que chegam a essa etapa, antes restrita a uma elite, impondo à escola o desafio de lidar com a heterogeneidade do corpo discente.

Pesquisa, de 2013, realizada pela Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), encomendada pela Fundação Victor Civita, revela a dissonância entre o currículo ofertado nas redes e as percepções e atitudes de jovens de baixa renda sobre o Ensino Médio. A pesquisa apontou que a demanda por entrar no mercado de trabalho se sobrepõe à de ingresso na universidade, pelo menos em um primeiro momento: 53,8% dos estudantes entrevistados acreditavam que, após concluírem o Ensino Médio, iriam primeiro trabalhar, para posteriormente cursarem o Ensino Superior.

A CRÍTICA À TRAJETÓRIA ÚNICA

Daí o questionamento à oferta de uma mesma trajetória para todos, que prevê como única saída o ingresso na universidade, desconsiderando as diferentes demandas, interesses, expectativas e projetos de vida dos estudantes.

Pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas a pedido da Fundação Victor Civita (2015) – apoiada pelo Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Itaú BBA e Instituto Península – analisou as políticas curriculares de Ensino Médio dos 27 estados brasileiros. O estudo constatou “forte ênfase no Ensino Médio como etapa preparatória para o ingresso no Ensino Superior”. Nesse contexto, o Enem, como instrumento de seleção utilizado pelas universidades federais e no Prouni, consequentemente, tem um peso relevante no currículo.

Nesse sentido, argumenta-se que a reformulação dessa etapa deve permitir que os jovens escolham, a partir de um leque de opções, o percurso que mais se adeque às suas características pessoais, vocações e projetos de vida.

Em rodas de conversa promovidas pelo Instituto Unibanco entre setembro e outubro desse ano com gestores, estudantes, representantes de ONGs e técnicos das secretarias de educação, foi possível perceber que em torno desses três pontos identificados como principais desafios curriculares também existem muitos dissensos.

Embora a grande maioria dos convidados concordasse em relação à necessidade de flexibilização do currículo, foi levantado como ponto de atenção por alguns dos participantes o risco da medida aprofundar desigualdades. Frente a isso, foi ressaltada a necessidade de se realizar um forte trabalho de mentoria e suporte aos jovens para que as escolhas sejam tomadas com consciência e com base em projetos de vida.

A CRÍTICA AO CONTEUDISMO E INCHAÇO DO CURRÍCULO

O conteudismo e a fragmentação curricular aparecem como terceiro ponto principal de crítica ao Ensino Médio. Na avaliação de muitos especialistas, há um volume excessivo de conteúdos e disciplinas (13 no total) a serem trabalhados nessa etapa.

Esse, porém, foi um ponto do qual diretores, gestores das secretarias e representantes de ONGs discordaram. Para muitos, o maior problema não é a quantidade de disciplinas, mas a forma como o conteúdo é trabalhado com os alunos. A dificuldade dos professores em abordar o currículo de forma interdisciplinar e contextualizada, estabelecendo diálogo com a realidade dos alunos, foi relacionada às fragilidades na formação inicial docente e às condições de trabalho em que atuam.

Na fala de parte dos estudantes convidados para uma das rodas, foi visível o peso do Enem e do vestibular sobre o currículo. Na visão de muitos, a possibilidade de exclusão de certos conteúdos ou disciplinas sequer era cogitada por “caírem” na prova.

Confira  o vídeo no qual gestores de secretarias, representantes de ONGs e jovens falam sobre os desafios curriculares do Ensino Médio

PARA SABER MAIS

JANELA DE OPORTUNIDADE PARA MUDANÇA

As discussões para a construção de uma Base Nacional Comum Curricular (BNC), iniciadas com a abertura pelo MEC de uma consulta pública em setembro deste ano, representam uma janela de oportunidade para uma mudança de chave no Ensino Médio.

O documento preliminar informa que a base será composta por 60% de conteúdos comuns para toda a Educação Básica dos ensinos público e do privado e os 40% restantes ficarão a cargo de cada sistema educacional e abordarão conteúdos regionais.

Se uma das principais demandas para reforma do Ensino Médio é a flexibilização do currículo, de modo a atender aos anseios e projetos de vida dos jovens, é preciso que as discussões contemplem a possibilidade de escolha pelos estudantes.

Assim, um novo modelo para o Ensino Médio poderia considerar três dimensões: a primeira, relativa aos conhecimentos necessários e estruturantes para a formação geral do jovem e, portanto, obrigatórios a todos os estudantes; a segunda, referente ao contexto histórico, geopolítico e cultural da localidade onde o estudante vive. A terceira dimensão relaciona-se aos conhecimentos vinculados à trajetória escolhida pelo jovem, seja no ensino técnico ou dentro da área de conhecimento que pretende seguir na universidade (linguagens, matemática, ciências humanas ou da natureza). Desse modo, o estudante exerceria seu direito à escolha, permitindo o aprofundamento nos conteúdos com os quais têm mais afinidade e a partir de um conjunto finito de possibilidades.

A conjugação dessas três dimensões possibilitaria, assim, a oferta de um repertório de conhecimentos e competências cognitivas e socioemocionais necessárias à formação do indivíduo do século XXI. Nesse sentido, um dos principais desafios será adequar esse modelo a uma carga horária compatível. A ampliação do tempo de permanência do aluno na escola é desejável e deve ser considerada, dado que atualmente a maioria das escolas conta com um turno diário de quatro horas e meia e parte dele é perdido em sala de aula por conta de faltas, atrasos e indisciplina.

São muitas as questões que pairam sobre o currículo do Ensino Médio e o debate aberto pela consulta pública sobre a BNC torna o momento oportuno para discutirmos a identidade dessa etapa que pode ser considerada a mais desafiadora da Educação Básica. Dentre as diversas indagações, a pergunta que deve nos nortear é: que modelo de Ensino Médio a sociedade brasileira anseia?

 1É importante lembrar que uma parte significativa dos matriculados no Ensino Médio regular (28% dos estudantes, de acordo com a Pnad 2014) é de brasileiros com 18 anos ou mais, ou seja, atrasados em relação à idade que se esperaria que tivessem nesse nível de ensino.

Conheça o Movimento pela Base Nacional Comum, que reúne organizações da sociedade civil, pesquisadores, gestores e professores:

www.movimentopelabase.org.br

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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