Nº 31 - jul.2017

EQUIDADE

Os alunos que
mais precisam
têm os melhores professores?

Apu Gomes/Folhapress

>> Só 3% dos alunos do Ensino Médio estão em escolas onde a regra é ter docentes experientes em turmas que mais precisam

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>> Busca por equidade deve ser um compromisso de todos, dos professores às autoridades educacionais

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“Nenhuma meta de educação deverá ser considerada cumprida a menos que tenha sido atingida por todos. Portanto, comprometemo-nos a fazer mudanças necessárias nas políticas de educação e a concentrar nossos esforços nos mais desfavorecidos, especialmente aqueles com deficiências, a fim de assegurar que ninguém seja deixado para trás.”

Trecho da Declaração de Incheon, divulgada por autoridades educacionais presentes no Fórum Mundial de Educação, organizado pela Unesco em 2015.

PARA SABER MAIS

conceito de equidade não é novo (está presente nas obras de filósofos gregos e juristas romanos), mas tem sido bastante enfatizado nos últimos anos em debates educacionais. O termo consta, por exemplo, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU na meta 4, que estabelece “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. A equidade às vezes é confundida com igualdade, mas um sistema equitativo faz mais do que apenas garantir a todos oportunidades iguais. Ele identifica os que mais precisam e dá a eles atenção especial, para que consigam estar no mesmo nível das demais.

Por ser uma agenda prioritária em grandes debates, a busca por mais equidade pode parecer um tema a ser cobrado apenas de autoridades de sistemas nacionais, estaduais ou municipais de ensino. Eles sem dúvida têm grande responsabilidade na construção de políticas públicas nesse sentido. No Brasil, estudantes de menor nível socioeconômico, justamente os que mais precisam, acabam estudando em instituições com infraestrutura mais precária. Sobre esses e outros fatores que vão contra a equidade, há pouco que a gestão no âmbito da escola pode fazer. Mas diretores e coordenadores pedagógicos podem, por exemplo, agir para que, dentro de sua unidade, alunos que mais precisam tenham aulas com os melhores professores.

  • Análise das desigualdades intraescolares no Brasil, Romualdo Portella (2012), Fundação Victor Civita, Fundação Itaú Social e Itaú BBA: bit.ly/2ufJzXp
  • As desigualdades na educação no Brasil: o que apontam os diretores das escolas (boletim), Fundação Lemann (junho/2017): bit.ly/boletim1FundLemann
  • As escolas do mundo estão produzindo desigualdade? (em inglês), OCDE e Banco Mundial (2015): bit.ly/2ubpocX
  • Classificação sistemática: características do professor e atribuições de classe (em inglês), Demetra Kalogrides, Susanna Loeb, Tara Geteille (2013): stanford.io/2ubp3qM
  • Declaração de Incheon. Educação 2030: Rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos, Unesco (2015): bit.ly/2tbkk4b
  • O que faz uma boa turma?, Idados (2017): bit.ly/2tFZkWQ
  • Novos professores se sentem preparados para dar aulas? (em inglês), OCDE (2017): bit.ly/2uFpXgi
  • Vencendo o desafio da aprendizagem nas séries iniciais. A experiência de Sobral (CE), Inep (2005): bit.ly/2tbziH6

Dentro da mesma escola

Uma análise feita pela pesquisadora Mariana Leite (Idados) identificou, nos questionários da Prova Brasil, 426 escolas de Ensino Fundamental em que haviam tanto turmas de alto desempenho (entre as 25% maiores médias do país) quanto de baixo (entre as 25% piores). Ela comparou características dessas turmas, e descobriu que as que apresentavam as menores médias nas avaliações do MEC tinham proporção maior de professores inexperientes e com regime de trabalho temporário. Outra característica das turmas com pior desempenho é que há maior proporção de mães sem Ensino Médio completo, o que indica que são alunos de menor nível socioeconômico. A simples comparação das médias não permite identificar a causa dessas discrepâncias, mas o questionário respondido pelos diretores de escolas públicas na Prova Brasil dá algumas pistas.

No caso do Ensino Fundamental, tabulações do site Qedu mostram que a forma mais comum (em 30% dos casos) de atribuição de turmas é deixar o professor mais experiente ou com maior pontuação em concurso escolher a turma em que dará aula. Com isso, é grande sempre a chance desses professores optarem pelas turmas menos desafiadoras, deixando os alunos que mais precisam com docentes menos experientes.

Tabulações feitas pelo Instituto Unibanco no questionário dos diretores no Sistema de Avaliação da Educação Básica mostram que essa tendência é também identificada em escolas de Ensino Médio. No caso desse nível de ensino, apenas 3% dos alunos estudam em escolas onde os diretores afirmaram explicitamente que o principal critério de escolha é designar professores experientes para darem aulas para estudantes com aprendizagem mais lenta, o que seria a situação ideal em termos de equidade. A resposta mais comum (abrangendo 23% dos alunos) foi que os próprios diretores faziam essa atribuição, sem especificar o critério. Mas em 18% dos casos (segunda resposta mais comum), alunos estudam em escolas em que os gestores dizem que cabe aos professores mais experientes escolherem suas turmas.

A qualidade de um professor não pode ser medida apenas pela sua experiência, mas análises feitas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com base na resposta de docentes de 34 países, incluindo o Brasil, no Estudo Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, mostram que professores novatos, em média, perdem mais tempo em tarefas administrativas e de controle da indisciplina do que os mais experientes. Os novatos também se mostram menos confiantes em relação ao seu domínio sobre os conteúdos a serem ensinados, práticas pedagógicas ou no gerenciamento da turma.

Recomendações aos gestores

A preocupação com a equidade é fundamental também porque sabemos que, em muitos contextos, é mais fácil melhorar o desempenho médio da escola estimulando os melhores alunos do que enfrentando o desafio de assegurar o aprendizado de todos. Essa conclusão consta de um estudo do pesquisador Romualdo Portela (Faculdade de Educação da USP) divulgado em 2012, encomendado pela Fundação Victor Civita, em parceria com o Itaú BBA e a Fundação Itaú Social. A pesquisa constatou, a partir de dados da Prova Brasil de 2009, que escolas de maiores médias tinham também maior desigualdade nas notas de seus alunos.

Assista à entrevista com o pesquisador Romualdo Portela
sobre o estudo

 

O estudo faz recomendações para gestores no âmbito das secretarias de educação e das escolas. Uma das mais importantes no âmbito da escola é justamente procurar colocar os professores mais experientes nas turmas que mais precisam. A pesquisa também recomenda, entre outras, ações de combate ao bullying e à discriminação, de melhoria do clima escolar e de maior envolvimento dos pais e a formação de turmas diversificadas (evitando concentrar os alunos de melhor ou pior desempenho numa sala). Alguns desses temas foram abordados nas edições 30, 23, 11, 9 e 4 do boletim Aprendizagem em Foco (veja todas as edições em bit.ly/2uY55h2).

O problema da desigualdade gerada dentro da escola não acontece só no Brasil. Um estudo de 2013 de pesquisadores da Universidade Stanford e do Banco Mundial identificou que, nos Estados Unidos, as chances de um aluno mais pobre ter aulas com um professor mais inexperiente eram maiores do que em relação aos colegas de maior renda da mesma escola.

Apoio ao gestor

Apesar de ter, em tese, autonomia para determinar o critério de atribuição das aulas dentro de sua escola, o gestor nem sempre encontra receptividade do corpo docente para aceitar alterações nesse sentido, ainda que beneficiem os alunos que mais precisam. Em algumas redes que enfrentaram essa questão, a mudança só ocorreu depois que a secretaria de educação estabeleceu mecanismos de incentivo aos docentes. Foi o que ocorreu no município de Sobral (CE), que hoje ostenta as melhores médias no Ideb no Ensino Fundamental. Lá, para que os professores mais experientes assumissem turmas de alfabetização, foi criada uma gratificação para direcionar esses profissionais aos alunos que mais precisam.

No âmbito da escola, o caminho ideal a seguir nesses casos é buscar o convencimento do corpo docente, trazendo o debate da equidade para dentro da escola. É preciso também estimular um ambiente de troca e suporte ao trabalho em sala de aula, de modo que aqueles que assumirem as turmas mais difíceis se sintam apoiados no que for possível pela gestão e em condições de fazer o melhor para os estudantes que mais precisam. A busca por mais equidade não pode ser apenas uma agenda de grandes debates educacionais. Trata-se de uma meta a ser perseguida por todos. Do chão da sala de aula aos gabinetes ministeriais, há sempre muito a fazer para garantir o direito de aprendizagem de cada criança ou jovem.

>> Critério mais comum de atribuição de aulas é dar prioridade aos docentes mais experientes na escolha de turmas

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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Redação e edição Fabiana Hiromi e Antonio Gois; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki