Nº 32 - ago.2017

GESTÃO

Reprovação não contribui para aprendizagem

>> Estudos apontam que reprovação tem efeito negativo sobre a aprendizagem e pode reforçar desigualdades

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>> Uma gestão comprometida com a equidade deve assegurar que nenhum aluno “fique para trás”

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PARA SABER MAIS

reprovação de estudantes nas escolas brasileiras tem diminuído nos últimos anos, mas ainda é preocupante. Em 2016, quase 3 milhões viveram a experiência do insucesso escolar. A reprovação não só impacta o índice de distorção idade-série (que mede o percentual de alunos com dois ou mais de atraso escolar) como também leva ao abandono.

Segundo dados do Inep, o número de reprovações no país diminui mais rapidamente no Ensino Fundamental do que no Ensino Médio, persistindo as diferenças históricas entre as taxas de aprovação dos anos iniciais do Fundamental em relação aos anos finais e também em relação ao Médio. Em 2007, a média geral de alunos reprovados entre o 1º e o 5º ano foi de 11% e entre o 6º e 9º ano, de 13,5%; em 2016, esses índices recuaram para 5,9% e 11,4%, respectivamente. No Ensino Médio, no mesmo período, a média geral caiu de 12,7% para 11,9%.

As disparidades regionais também são visíveis nesses indicadores. O Mato Grosso destaca-se negativamente entre as unidades da federação com a maior taxa de reprovação (20%) – índice mais de três vezes superior ao do Amazonas (de 5,9%).

“Pedagogia da repetência”

Mesmo com essa diminuição, o Brasil ainda é um dos países que mais se utiliza da “pedagogia da repetência”. A expressão foi cunhada pelo físico e educador Sergio Costa Ribeiro (1936-1995), que no começo dos anos de 1990 demonstrou que a repetência escolar, mais que a evasão, era um grave problema do Ensino Fundamental no Brasil.

O último Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, realizado em 2015, mostra que entre os mais de 70 países participantes, apenas a Colômbia reprova mais do que o Brasil. O Pisa aponta ainda uma tendência mundial de diminuição das taxas de reprovação: apenas cinco dos países pesquisados tiveram aumento de seus índices em 2015, comparativamente a 2009. Países como Costa Rica, França, Indonésia, Letônia, Malta, México e Tunísia, além da região de Macau, na China, tiveram queda acima de 10 pontos percentuais nos índices de reprovação. Já na Noruega e Japão, simplesmente não existe reprovação em nenhum ano.

Em 2009, o relatório do PISA já sugeria, de um modo geral, que os sistemas escolares que usavam da repetência ou transferência de alunos para outras escolas como meio de lidar com a baixa aprendizagem não conseguiam produzir resultados superiores e, em alguns casos, reforçavam as desigualdades socioeconômicas. O documento recomendava ainda que esses sistemas escolares considerassem a hipótese de criar incentivos apropriados para garantir que alunos não fossem “descartados”.

Em 2015, o relatório final do 3º Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Terce), elaborado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) a partir da coleta de informações e aplicação de provas em 15 países da América Latina, destaca que “a repetição, supostamente destinada a melhorar a aprendizagem dos alunos, aparece como um mecanismo ineficaz que se associa a uma menor aprendizagem” e indica o uso da reprovação apenas em “situações excepcionais”.

Crenças dos professores sobre reprovação

Em 2016, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) divulgou os resultados de uma pesquisa sobre as crenças de professores em relação à reprovação escolar. O estudo integrou um projeto internacional, coordenado pelo professor Marcel Crahay, da Universidade de Genebra. Mais de 5.500 professores brasileiros dos Ensinos Fundamental e Médio participaram, respondendo ao questionário da pesquisa.

A metodologia de análise utilizada no estudo permitiu apreender o grau de adesão à reprovação: 78% dos docentes adotam uma postura intermediária, concordando ou discordando parcialmente da medida. Manifestaram-se claramente contra 13% e a favor, 9,4%.

A pesquisa procurou também traçar um perfil dos professores favoráveis à reprovação. Dentre as características levantadas, estão, por exemplo, a crença na ideia de que todos os alunos devem receber a mesma atenção do professor, mesmo que eles tenham origens sociais e histórias de vida distintas, e ser reconhecidos pelo talento ou mérito que demonstrem ter. A pesquisa também mostra um dado relevante para elaboração dos programas de formação continuada: professores com menor experiência docente e com menos conhecimento de pesquisas sobre os efeitos da reprovação e que não possuem pós-graduação são mais favoráveis à reprovação. O relatório explica que “com o tempo, os docentes vão aprendendo e percebendo as práticas e condições realmente capazes de solucionar situações de sala de aula, sem precisar recorrer à reprovação – ou à ameaça – para lidar com problemas de ensino, aprendizagem e disciplina”.

Efeito negativo da reprovação sobre a aprendizagem

Ao contrário do imaginário existente sobre o caráter “pedagógico” da reprovação, diversas pesquisas apontam que a medida, na verdade, tem efeito negativo sobre a aprendizagem.

Essa é a conclusão, por exemplo, de revisão (2009) de estudos científicos produzidos em diversos países realizada por José A. S. Rebelo, da Universidade de Coimbra, sobre os efeitos que a retenção de alunos tem sobre a aprendizagem, a personalidade e o comportamento dos estudantes. Rebelo destaca que a maioria das pesquisas classificam a reprovação como medida “ineficaz, do ponto de vista pedagógico, e até mesmo prejudicial ao desenvolvimento global dos alunos”.

A pesquisa do Cenpec também reforça que os estudos internacionais indicam que a reprovação escolar “é considerada preditor importante do abandono escolar, conturba a trajetória escolar, é prática financeiramente dispendiosa e gera resultados contestáveis”.

Ações para evitar a reprovação

Assegurar que todos os alunos aprendam, de modo que nenhum “fique para trás”, deve ser o norte de uma gestão comprometida com a qualidade e equidade da educação. Nesse sentido, ações para reduzir os índices de reprovação da escola são fundamentais. A implementação de programas de reforço no contraturno e de monitoria são estratégias comuns em escolas que visam reduzir a reprovação e costumam apresentar bons resultados ao oferecer apoio extra e individualizado aos alunos com dificuldades. Outras ações simples podem ter efeitos positivos. Na Escola Estadual Victorio Bravim, no município de Marechal Floriano, no Espírito Santo, a diretora Liane Bravim Catelan se deparou com um índice muito alto de reprovação no 1º ano do Ensino Médio, o maior dessa etapa. Com os professores e equipe pedagógica buscou diagnosticar as causas e constataram que os alunos não tinham hábito de estudo. Diante disso, a escola desenvolveu uma ação com o objetivo de criar essa rotina de estudo. A partir de um cronograma dos temas a serem abordados em cada aula, os estudantes são estimulados a ler e produzir resumos dos assuntos que serão abordados em sala de aula, o que possibilita a eles “aprofundar [na escola] aquele conhecimento visto em casa”. Segundo Liane, o desempenho já começou a melhorar entre o primeiro e o segundo trimestre.

>> Taxas de reprovação apresentam queda, mas ainda é elevado o número de alunos retidos

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Assista ao depoimento da diretora Liane Bravim Catelan da Escola Estadual Victorio Bravim (Marechal Floriano - ES)

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