Nº 33 - ago.2017

PARA SABER MAIS

esta última semana de agosto de 2017, o Supremo Tribunal Federal julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2010, contra a oferta do ensino religioso nas escolas públicas do país na modalidade confessional (relacionada a uma religião específica).

A PGR solicita a suspensão da eficácia do dispositivo I do Artigo 33 da LDB, que autoriza a oferta do ensino religioso em escolas públicas neste modelo, tendo como professores representantes das confissões religiosas adotadas, assim como do Artigo 11 do Decreto nº 7.107/2010, que segue na mesma linha (veja detalhes no quadro O que dizem as leis). No caso das escolas particulares, a ADI não se aplica, já que essas não utilizam recursos públicos para a oferta de ensino religioso.

Para a PGR, o ensino religioso nas escolas públicas, para estar de acordo com o que determina a Constituição Federal, deve ser de natureza não confessional, ou seja, apresentar um conteúdo programático que inclua as doutrinas, as práticas, a história e os aspectos sociais das diversas religiões, sem qualquer caráter catequizador por parte dos professores. Além disso, deve abrir espaço para posições não religiosas. Essa é a forma de garantir o caráter laico do Estado brasileiro e sua neutralidade em relação às manifestações religiosas da população, além de estimular o respeito à liberdade de religião, que é um dos princípios constitucionais.

O tema já foi objeto de uma audiência pública, realizada em 2015 sob a coordenação do relator da ADI no STF, o ministro Luís Roberto Barroso, na qual foram ouvidas 31 entidades representativas da opinião pública e das crenças religiosas.

  • A Escola a Favor da Diversidade Religiosa: Importância dessa Abordagem em Sala de Aula (artigo), Noeli Zanatta Milani/SEED-PR (2013): bit.ly/artigoMilani
  • Informe Preliminar Missão Educação e Racismo no Brasil - Eixo: Intolerância Religiosa na Educação (relatório), Relatoria do Direito Humano à Educação (2010): bit.ly/InformeEducacaoRacismo
  • Laicidade e Ensino Religioso no Brasil (livro), Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, Editora Letras Livres/Editora UnB/Unesco (2010)
  • Laicidade e Ensino Religioso no Brasil (reportagem), GVexecutivo (jan-jun/2011): bit.ly/LaicidadeEnsino
  • Mapa da Intolerância Religiosa, Marcio Alexandre M. Gualberto (2011):  bit.ly/MapaIntolerancia
  • Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015, IBGE (2016): bit.ly/Pense2015
  • Programa de Prevenção à Violência nas Escolas, Miriam Abramovay/Flacso (2015): bit.ly/ViolenciaEscolaFlacso
  • Students Well-Being (Bem-Estar dos Estudantes), volume III do Pisa 2015, OCDE (2017): bit.ly/Pisa2015BemEstar

Intolerância nas escolas

A questão é de grande relevância, dado o contexto de intolerância religiosa presente nas escolas públicas, afetando o bem-estar e a aprendizagem dos estudantes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015, publicada em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 4,2% dos estudantes de 13 a 17 anos que disseram ter sido vítimas de humilhação na escola apontaram sua religião como motivo - é a quarta principal razão de provocações feitas pelos colegas, atrás apenas da aparência do corpo, da aparência do rosto e da cor/raça, e à frente de orientação sexual e região de origem.

A pesquisa do IBGE não aponta quais religiões são mais alvo de preconceito entre os estudantes.  É frequente, porém, a discriminação contra religiões afro-brasileiras, como aponta o Informe Preliminar Missão Educação e Racismo no Brasil (2010) - Eixo: Intolerância Religiosa na Educação, da Relatoria do Direito Humano à Educação – uma iniciativa da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), que articula 34 organizações e redes nacionais de direitos humanos.

Muitas vezes associada ao racismo, a discriminação se manifesta de diferentes formas. Inclui desde coação para fazer orações cristãs e retirar adereços relacionados às religiões afro-brasileiras até agressões verbais e físicas contra estudantes (com xingamentos, socos, pontapés e mesmo apedrejamento). Também há registros de demissão ou afastamento de professores adeptos de religiões afro-brasileiras ou que abordaram conteúdos dessas religiões em classe, proibição de uso de livros que tratam do tema e omissão diante de atos discriminatórios ou abusivos por parte de educadores e diretores, entre outras ações denunciadas à Relatoria e/ou divulgadas pela imprensa.

Também é recorrente a discriminação contra adeptos de religiões protestantes, em especial as pentecostais e neopentecostais, como aponta a socióloga Miriam Abramovay na publicação Programa de Prevenção à Violência nas Escolas, e, mais recentemente, contra adeptos da religião muçulmana, que tem sido associada a atos terroristas realizados por extremistas islâmicos em diversas partes do mundo.

Efeitos sobre a aprendizagem

O ensino religioso oferecido atualmente nas escolas brasileiras não tem sido eficiente no combate à intolerância no ambiente escolar. O estudo Laicidade e Ensino Religioso no Brasil, realizado em 2010 pelas pesquisadoras Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, da Universidade de Brasília, revelou que o foco do ensino está na religião cristã. Para chegar a essa conclusão, as pesquisadoras avaliaram as legislações estaduais sobre ensino religioso e uma amostra de 25 livros didáticos adotados no país. Com isso, o ensino religioso, de modo geral, “ignora a diversidade e o pluralismo cultural da sociedade brasileira, estimula a intolerância e transmite preconceitos”, segundo as pesquisadoras.

Especialistas alertam que as situações de discriminação, ao afetar a autoestima dos estudantes, acabam prejudicando seu desempenho escolar, levando à repetência, à evasão ou à transferência para outras escolas. O último relatório do Pisa 2015, sobre bem-estar dos estudantes, revela que a proporção de estudantes que relataram ter sido vítimas de bullying é maior em escolas com percentuais elevados de reprovação, com clima escolar negativo e onde os alunos consideram que os professores não os tratam de forma justa.

Papel do gestor

Informação e diálogo são ferramentas eficazes para combater a intolerância religiosa nas escolas. Ao entender que as religiões são manifestações culturais legítimas, os estudantes podem aprender a conviver com as diferenças, valorizar a diversidade e construir a própria identidade. Uma gestão comprometida com a equidade deve estar atenta à questão, desenvolvendo ações de combate ao preconceito e à discriminação no espaço escolar. Pode, por exemplo, estimular a realização de projetos e atividades culturais sobre o tema que promovam uma reflexão coletiva e envolvam toda a comunidade escolar. O ensino religioso na escola pode se dar de forma transversal a diversas disciplinas, como Literatura, História, Geografia, Filosofia e Sociologia, entre outras, bem como integrar o programa das aulas sobre História e Cultura Afro-brasileira e Africana, conteúdo obrigatório desde a aprovação da Lei 10.639, em 2003.

Diversidade

Por que estimular a tolerância religiosa no ambiente escolar

>> Religião é um dos principais motivos de bullying na escola

1

>> Livros didáticos privilegiam educação religiosa cristã, aponta estudo

2

>> Escola deve combater intolerância religiosa e promover a valorização da diversidade

3

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

Receba o boletim Aprendizagem em Foco

Clique aqui

 

Para fazer algum comentário

 instituto.unibanco@institutounibanco.org.br

 

Edições anteriores

bit.ly/AprendizagemFoco

 

Produção editoriaL

Redação e edição Fabiana Hiromi e Antonio Gois; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki