Nº 39 - abr.2018

EQUIDADE

Estereótipos de gênero afetam desempenho de meninas nas Exatas

emas como feminicídio, violência contra a mulher, remuneração desigual no mercado de trabalho estiveram fortemente presentes na mídia em março. Assim como nos anos anteriores, por conta do Dia Internacional da Mulher, foi possível acompanhar um fortalecimento do debate sobre as desigualdades de gênero, que se refletem em diversas áreas, incluindo a educacional.

A diferença de desempenho entre meninos e meninas em Matemática, por exemplo, é tema recorrente na literatura acadêmica e segue como objeto frequente de investigação científica. Estudo do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares da Universidade Federal de Minas Gerais (Nupede/UFMG) divulgado em 2016 atestou que essa e outras disparidades vêm não só se mantendo como estão se aprofundando. A pesquisa - tema da reportagem de capa da Revista Pesquisa Fapesp de fevereiro de 2018 – analisou os resultados na Prova Brasil entre 2005 e 2013 com base no gênero, na raça e no nível socioeconômico (NSE) dos alunos.

PARA SABER MAIS

Elas nas Exatas 2016  | Instituto Unibanco

O cruzamento mostra que, na formulação de políticas voltadas à melhoria da qualidade educacional, é preciso ter um olhar atento a esses fatores. Se por um lado, por exemplo, o desempenho médio dos alunos do 9º ano da escola pública em Matemática apresentou um crescimento de cerca de quatro pontos entre 2005 e 2013, por outro, a diferença no rendimento das meninas em relação aos meninos oscilou entre -6,82 e - 5,07 pontos. Se incluirmos o fator raça e renda nessa análise, a disparidade nas notas de alunos brancos de elevado NSE e das alunas negras de baixo NSE chega a 41,76 pontos em 2013 – o que corresponde a cerca de dois anos de escolarização, segundo a reportagem. Os dados indicam, portanto, que não só não estamos conseguindo superar as desigualdades educacionais como elas vêm se aprofundando.

Um outro levantamento, dessa vez com dados do Enem, confirma essa desigualdade de gênero nos resultados de aprendizagem. A tabulação inédita, que integra reportagem do Estadão publicada em janeiro deste ano, mostra que os meninos respondem por 72% das mil melhores notas, embora as meninas sejam maioria entre os candidatos. Os estudantes (tanto os brancos como os negros) se sobressaem principalmente em Matemática, com desempenho médio 41,8 pontos superior em relação às meninas; em Ciências da Natureza (que inclui Física, Química e Biologia), a diferença é um menor, mas também relevante: 24,3 pontos.

Desafio presente em outros países

O desempenho das e dos estudantes no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostra que as diferenças de performance em Matemática e Ciências entre os gêneros masculino e feminino são uma realidade não só no Brasil, mas também em grande parte dos 70 países participantes da prova. Os dados de 2015 apontam uma diferença média de quatro pontos a mais nas notas dos meninos em Ciências e de oito pontos a mais em Matemática. O Brasil se sobressai negativamente como um dos 28 países em que essa disparidade em Matemática superou os 15 pontos.

Diversos estudos já se debruçaram sobre essa questão e as explicações recaem especialmente sobre fatores culturais. Conforme abordamos na edição nº 7 do boletim Aprendizagem em Foco, os estereótipos de gênero e as expectativas de pais e professores em relação às crianças são determinantes no processo de aprendizagem. Relatórios da OCDE (“O ABC da Igualdade de Gênero”) e da Unesco (“Gênero e Educação para Todos), ambos de 2015, destacaram a alta ansiedade e baixa confiança manifestada pelas meninas em relação à Matemática, impactando negativamente o desempenho feminino na disciplina.

Uma das consequências dos estereótipos de gênero na educação de meninos e meninas está nas escolhas de carreiras e trajetórias profissionais. No caso delas, as baixas expectativas docentes em relação ao seu desempenho em Matemática acabam por desestimulá-las a seguir carreiras nas áreas de Exatas e Tecnologias, que concentram as profissões de melhor remuneração. É o que mostra o Global Gender Gap Report 2017, que analisa a equidade de gênero em 144 países e aponta uma sub-representação feminina nas áreas de Engenharia, Indústria e Construção, Comunicação e Tecnologia. A desigualdade de gênero no mercado de trabalho também é visível no percentual de ocupação dos cargos mais altos em empresas e no poder público: apenas 39,6% são preenchidos por mulheres.

Pesquisa (2017) realizada pela Fundação Carlos Chagas com apoio do Instituto Unibanco captou a forte presença de estereótipos de gênero nas interações sociais e nas perspectivas profissionais de estudantes do Ensino Médio de São Paulo. Cerca de mil estudantes de 10 escolas da rede estadual de São Paulo responderam ao questionário do estudo, 45,7% deles concordaram com a afirmação de que há certos trabalhos que devem ser realizados só por homens e 35,6% que a mulher é mais capacitada para o trabalho doméstico do que os homens.

Como a gestão pode contribuir

Diante das evidências que apontam a influência exercida pelos educadores na performance das meninas nas disciplinas de Exatas e Tecnologias e em suas escolhas profissionais e acadêmicas, a gestão pode desempenhar papel importante no desenvolvimento de ações voltadas para promoção da equidade de gênero no ambiente escolar. É fundamental trazer o tema para discussão junto aos professores para que eles estejam atentos a suas atitudes em sala de aula e não reforcem estereótipos, comprometendo a potencialidade das meninas.

Para que esse compromisso seja assumido pela gestão e pelo corpo docente, a pesquisa da Fundação Carlos Chagas (2017) traz como uma de suas recomendações a inclusão de temáticas de diversidade no projeto político pedagógico da escola, documento que norteia o trabalho da instituição e pode embasar o desenvolvimento de ações estruturadas que efetivamente promovam uma mudança de cultura escolar e das práticas pedagógicas.

Em São Paulo (SP), o apoio da gestão foi um dos elementos que possibilitaram que o projeto Empoderadas, que buscou fomentar a reflexão sobre a importância da participação feminina nas ciências, alcançasse os seus objetivos. Desenvolvido ao longo de 2016 por 15 estudantes da Escola Prof. Quintaliano José Sitrangulo, a iniciativa envolveu a realização de oficinas de produção audiovisual e a produção de webséries sobre mulheres negras nas ciências, além de visitas a empresas de tecnologia e rodas de conversa sobre o tema. O projeto foi um dos contemplados no I Edital Gestão Escolar para Equidade: Elas nas Exatas, lançado em 2015 pelo Instituto Unibanco, o Fundo Social Elas e a Fundação Carlos Chagas (a ONU Mulheres uniu-se à iniciativa como parceira na segunda edição esse ano).

Em Nova Iguaçu, (RJ), as professoras Thereza Cristina de Lacerda Paiva, Elis Sinnecker e Tatiana Rappoport, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizam desde 2014 o projeto “Tem Menina no Circuito”. Desenvolvida no Ensino Médio da Escola Estadual Alfredo Neves, a iniciativa envolve a realização no contraturno escolar de aulas dinâmicas que trabalham princípios da Física, palestras, visitas ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e a laboratórios de pesquisa da UFRJ.  “A ideia é quebrar o aspecto sisudo de como a física é comumente apresentada hoje no Ensino Médio”, explicou Thereza, em entrevista ao Estadão.

>> Estudos apontam discriminações de gênero como um dos fatores que geram desigualdade na aprendizagem

1

>> Baixas expectativas em relação ao desempenho em Matemática geram insegurança e ansiedade nas meninas

2

>> Gestão deve fomentar ações que estimulem interesse das jovens pelas Exatas e ampliem horizontes profissionais

3

BAIXAR PDF DESTA EDIÇÃO

Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

Receba o boletim Aprendizagem em Foco

Clique aqui

 

Para fazer algum comentário

 instituto.unibanco@institutounibanco.org.br

 

Edições anteriores

bit.ly/AprendizagemFoco

 

Produção editoriaL

Redação e edição Fabiana Hiromi e Antonio Gois; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki