PARA SABER MAIS

o menos num ponto, alunos e professores brasileiros concordam: a indisciplina é um dos problemas que mais atrapalham o aprendizado. Ela foi o segundo fator mais citado como o desafio mais urgente de ser enfrentado segundo os docentes ouvidos pelo Ibope em 2014 na pesquisa Conselho de Classe, da Fundação Lemann. O problema também apareceu na Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem, realizada em 34 países pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os docentes brasileiros foram os que relataram ter mais alunos com problemas de comportamento. Não por coincidência, o Brasil também aparece no levantamento como a nação em que mais tempo de aula é perdido para manter a disciplina.

Do ponto de vista dos estudantes, a insatisfação com a indisciplina também aparece em outra pesquisa da OCDE: o Pisa, principal exame internacional que compara o desempenho de jovens de 15 anos em 66 nações. Com base na resposta dos alunos, foi calculado um índice de clima disciplinar. Apenas Argentina e Tunísia registraram indicadores piores que os brasileiros. Outra pesquisa a apontar o problema foi publicada no livro “Juventudes na Escola: Sentidos e Buscas”, baseado em entrevistas com 8.283 jovens em dez cidades brasileiras. Quando questionados sobre quais colegas não gostariam de ter em classe, a resposta mais comum (41% dos jovens entrevistados) foi “bagunceiros”.

 

GESTÃO COMPARTILHADA

A indisciplina impacta negativamente o aprendizado e prejudica as relações entre todos. Cada escola tem seu contexto particular, mas há evidências, a partir de estudos acadêmicos, de algumas ações que podem reduzir o problema. A OCDE identificou em sua Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem, por exemplo, que escolas que promovem maior participação de alunos, professores e pais em suas decisões, trabalhando numa cultura de responsabilidade compartilhada e de apoio mútuo, têm menor percentual de indisciplina.

Um exemplo prático de como promover esta cultura de participação nas decisões está na elaboração conjunta de um código disciplinar, com normas de convivência entre todos. Quando este código é elaborado e pactuado com alunos, professores, pais e funcionários, tende a ser muito mais eficaz do que quando simplesmente imposto de cima para baixo.

AÇÕES DENTRO DE SALA DE AULA

O que acontece dentro de sala de aula também impacta significativamente o comportamento dos alunos. As pesquisadoras Gabriela Moriconi e Julie Bélanger analisaram, a partir dos dados da OCDE, os casos de Brasil, Chile e México. O estudo, publicado pela Fundação Carlos Chagas em 2015, constatou que quanto maior a experiência do professor, menor o percentual relatado de alunos com problemas disciplinares. Para as duas pesquisadoras, isso pode tanto ser uma evidência de que professores mais experientes sabem fazer melhor uso do tempo em sala de aula quanto um indicativo de que, por terem mais tempo na carreira, eles escolhem turmas ou escolas com menor proporção de alunos com mau comportamento.

A qualidade da aula é outro fator relevante. Ao comparar os sistemas educacionais de Brasil, Chile e Cuba a partir da observação direta do trabalho de professores, o pesquisador Martin Carnoy, da Universidade Stanford, identificou que os estudantes brasileiros eram menos engajados que os chilenos e cubanos, demonstrando mais vezes tédio ou desinteresse. No livro, publicado em 2009, uma das razões citadas pelos autores para esse problema é a falta de planejamento das aulas. Carnoy e sua equipe relataram que os estudantes do Brasil passavam muito mais tempo copiando instruções do quadro do que alunos chilenos ou cubanos.

MOTIVAÇÕES PARA APRENDER

Um ponto relevante a ser considerado nessa discussão é que os estudantes tendem a se engajar mais nas aulas – e por consequência a indisciplina tende a ser menor – quando percebem que o que está sendo ensinado é relevante para suas vidas. Por isso, a discussão sobre a Base Nacional Curricular Comum é também tão fundamental para ajudar a diminuir o problema. Sobre currículo e trajetórias no Ensino Médio, leia a edição anterior do Boletim Aprendizagem em Foco.

Outro indicativo de que uma educação de qualidade e que faça sentido ao jovem tem grande potencial para diminuir a indisciplina aparece na pesquisa “Juventudes na Escola: Sentidos e Buscas”, já mencionada neste texto. Uma das razões mais citadas pelos jovens entrevistados como aspecto que mais favorece que continuem estudando é ter “aulas legais”. Um ensino mais relacionado com a vida dos alunos também aparece entre as cinco razões mais lembradas.

APOIAR AS ESCOLAS

Para que as ações identificadas como positivas sejam colocadas em prática de maneira mais eficaz, algumas características de infraestrutura das escolas e das condições de funcionamento do sistema de ensino também se mostram relevantes. Na pesquisa de Gabriela Moriconi e Julie Bélanger já citada aqui, as autoras fazem estudos de caso em colégios ingleses e da província canadense de Ontário com bons resultados na manutenção do clima escolar.

Elas identificaram que o fato de professores estarem fixos em uma mesma escola, com tempo para planejar bem as aulas, atender alunos, reunir-se com a equipe escolar e discutir soluções conjuntas são condições fundamentais para reduzir problemas de mau comportamento. O apoio de psicólogos e assistentes sociais é também apontado como essencial.

A diminuição da indisciplina e a melhoria do clima escolar são missões urgentes no sistema educacional brasileiro. Elas têm o potencial de facilitar a aprendizagem dos alunos e fazer de nossas escolas ambientes mais acolhedores. Exigem esforço coletivo, de governos, diretores, professores, pais e estudantes. Há ações estruturais, que demandam investimentos ou reorganização dos sistemas, e outras que já podem ser colocadas em práticas pelos gestores e professores, como o envolvimento de todos os atores nas decisões mais relevantes do cotidiano escolar e o melhor planejamento das aulas.

GESTÃO

COMO REDUZIR

A INDISCIPLINA

E MELHORAR O CLIMA ESCOLAR?

  • Ensino Médio: Caminhos para um currículo flexível, Boletim Aprendizagem em Foco nº 3, Instituto Unibanco (dez/2015): http://goo.gl/MyAEaZ
  •  Conselho de Classe, Fundação Lemann (2015): http://goo.gl/aJ42JO
  • Melhorando o clima escolar e as oportunidades dos estudantes para aprender. Boletim Teaching in Focus (OCDE), nº 9 (jan/2015) (em inglês): http://goo.gl/UvQCrp
  • Os estudantes alcançam melhores desempenhos nas escolas em que há disciplina em sala de aula?, Boletim Pisa em Foco (OCDE), nº 32 (set/2013): http://goo.gl/X8M6ZD
  •  A Vantagem Acadêmica de Cuba, Martin Carnoy (2009)

 

  • Vídeo sobre o trabalho desenvolvido pelo diretor Diego Mahfouz Faria Lima, da Escola Municipal Darcy Ribeiro, de São José do Rio Preto (SP), selecionado pelo Prêmio Educador Nota 10:  https://goo.gl/KtPm6I
  • Comportamento dos alunos e uso do tempo em sala de aula, Gabriela Moriconi e Julie Bélanger/Fundação Carlos Chagas (2015): http://goo.gl/Q9kLzj
  • Juventudes na escola: sentidos e buscas, Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro e Júlio Jacobo Waiselfisz/MEC/Flacso (2015): http://goo.gl/R7y2e9

Escolas que promovem maior participação de alunos, professores e pais em suas decisões, trabalhando numa cultura de responsabilidade compartilhada e de apoio mútuo, têm menor percentual de indisciplina

Aprendizagem em Foco - Gestão Escolar

Nº 4 - jan.2016

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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