Nº 42 - set.2018

s fake news (notícias falsas) estão no centro atual das discussões e muito presentes no debate sobre os usos e desusos das redes sociais. Recentemente, a divulgação de que russos foram responsáveis por disseminar notícias falsas para impactar o percurso das últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos abalou a credibilidade dos gigantes da internet.

Boatos com formato de notícia, espalhados principalmente por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens pelos celulares, já tiveram como resultado até o linchamento de pessoas inocentes tanto no Brasil como em outras partes do mundo – a Índia registrou dezenas de casos somente este ano. Devido à rapidez com que essas informações são divulgadas, quando se consegue provar o engano, o estrago já pode ter sido feito.

PARA SABER MAIS

Diferentes pesquisas realizadas sobre o potencial de alcance e impacto das notícias falsas mostram que o desafio de combatê-las é enorme. Um estudo produzido por especialistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, revelou que as fake news circulam de forma muito mais rápida e atingem um público muito maior do que as notícias verdadeiras: a probabilidade de elas serem retransmitidas é 70% maior. O que leva a isso, segundo a pesquisa, são a novidade, o senso de urgência imposto na maior parte das mensagens e o tom emocional, que atraem a atenção e incentivam o compartilhamento entre as redes de relacionamentos. E também, claro, o uso de robôs. De acordo com um artigo publicado na revista Science por pesquisadores da Northeastern University, dos EUA, estima-se que existam cerca de 49 milhões de contas controladas por eles no Twitter e 60 milhões de perfis no Facebook.

De acordo com o levantamento Digital News Report 2017, do Instituto Reuters, realizado com mais de 70 mil pessoas em 36 países, apenas 47% dos entrevistados(as) de uma amostra do Reino Unido, por exemplo, se lembraram do nome do veículo responsável pela publicação de uma notícia acessada por meio das redes sociais, e apenas 37% daquelas vindas por um mecanismo de busca. O estudo aponta ainda que, no caso do Brasil, 46% das pessoas consomem informações (que acabam sendo consideradas “notícias”) por meio do WhatsApp. Os serviços de mensagens são ainda menos sujeitos a qualquer tipo de controle de conteúdo, diferente de plataformas como Facebook e Twitter.

E se tem se tornado mais complexo para os adultos identificar o que é real ou falso nesse cenário, para crianças e jovens é ainda mais. No Brasil, onde cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes são usuários de internet, segundo a pesquisa TIC Kids Online 2016, publicada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, 31% dos usuários(as) com idade entre 11 e 17 anos disseram que não são capazes de verificar se uma informação encontrada ali está correta.

Educação é fundamental

A manipulação de informações veiculadas pelos meios de comunicação é um debate muito antigo. Porém, diante do poder e da rapidez de alcance das fake news, o fenômeno torna-se ainda mais difícil de ser combatido.

O surgimento de agências de verificação jornalística para atestar ou não a veracidade de informações é um dos tipos de iniciativas que tem surgido (ver quadro Checagem em destaque). Especialistas apontam que uma das medidas mais importantes é investir com mais urgência e intensidade no que se chama de “alfabetização midiática”, que, segundo a Unesco, significa capacitar as pessoas para “compreender as funções da mídia e outros provedores de informação, a avaliar criticamente seus conteúdos e, como usuários e produtores de informação e de conteúdos de mídia, a tomar decisões com base nas informações disponíveis”. De forma não tão explícita, o tema já estava presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 2000, que determinavam que, no Ensino Médio, entre as competências a serem desenvolvidas com os estudantes deveria estar a de “entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte e aos problemas que se propõem a solucionar”.

Para o professor da USP Ismar de Oliveira Soares, também presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Educomunicação (ABPEducom), o fenômeno das fake news colocou em evidência a importância da educação para a mídia e a necessidade de incluir esse tema nas escolas.

 

“O sistema educacional nunca se envolveu seriamente com isso, porém o assunto das fake news, relacionado especialmente com as redes sociais, fez com que muitas escolas começassem a se interessar pela educação midiática e informacional.”

Ismar de Oliveira Soares, professor da USP

 

Soares aponta que as escolas estão buscando apoio e experiências bem-sucedidas para implantar projetos de educação midiática, porém enfrentam um obstáculo central: “Pesquisas indicam que os currículos das faculdades de Pedagogia não dedicam mais que 12,5% por cento da carga horária ao tema das tecnologias. Apesar de estarmos no século 21, as tecnologias e a educação para a mídia ainda são assuntos desconsiderados na formação de professores.”

Atualmente, uma das competências gerais da Educação Básica, que faz parte do novo texto da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, diz que é preciso “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”.

A escola tem a oportunidade, assim, de assumir papel de destaque na formação de uma geração mais crítica e consciente em relação à informação, que não é mais produzida e transmitida apenas pelos veículos tradicionais, como o jornal, a TV ou o rádio, mas que é veiculada tanto pelas redes sociais como diretamente por mensagens instantâneas enviadas por celulares.

O que os gestores podem fazer?

Alguns países já estão tomando medidas para oferecer educação midiática aos seus estudantes. O governo italiano, por exemplo, lançou, no final de 2017, um projeto para oferecer cursos e manuais a estudantes de oito mil escolas secundárias do país sobre como identificar notícias falsas e evitar a disseminação de mensagens de ódio. Em Portugal, desde 2014, o governo fornece metodologias que abordam educação midiática para serem utilizadas em sala de aula.

Materiais desenvolvidos por diferentes organizações podem ajudar gestores a incluir o tema da alfabetização midiática nas escolas. A Unesco, por exemplo, disponibiliza on-line o manual Alfabetização midiática e informacional: Currículo para formação de professores (2013). Embora destinada a instituições que formam docentes, a publicação apresenta informações que podem contribuir para a criação de um projeto para estudantes da Educação Básica.

Nos EUA, o Instituto Poynter, uma organização dedicada ao ensino de jornalismo, elaborou e disponibilizou gratuitamente um plano de aula, de aproximadamente 75 minutos, para ensinar os princípios da checagem de informações em escolas. A versão em português do material foi produzida pela Agência Pública, que mantém o serviço de checagem de fatos Truco (ver mais no quadro Aprendendo a checar notícias).

Vale lembrar que não é preciso criar disciplinas específicas para tratar de educação midiática. Os projetos podem ser realizados dentro de disciplinas já presentes no currículo, como Língua Portuguesa, Informática e até Ciências. O importante é todos(as) aprendermos a separar o joio do trigo.

GESTÃO

fake news evidencia a importância da educação para a mídia

 

>> Crianças e adolescentes têm mais dificuldade de identificar se uma informação é verdadeira ou falsa

1

>> Escola pode assumir papel de destaque na formação de uma geração mais crítica e consciente em relação à informação

2

>> Leitura crítica da mídia e uso responsável das novas tecnologias devem fazer parte do currículo

3

Checagem em destaque nAS ELEIÇÕES 2018

Com o objetivo de combater a disseminação das fake news, foram criadas nos últimos anos diversas agências de verificação de fatos e notícias em todo o mundo

Facebook Brasil

Fez parceria com as agências de checagem Lupa e Aos Fatos  para verificar as denúncias de notícias falsas. Elas terão sua distribuição reduzida, e as páginas que compartilham fake news de forma sistemática terão seu alcance diminuído e serão impedidas de comprar anúncios

Organizações de mídia

O projeto Comprova, uma coalizão formada por 24 organizações de mídia brasileiras para identificar, checar e combater rumores, manipulações e notícias falsas. Jornalistas dessas empresas vão monitorar e identificar informações falsas. O resultado  será divulgado nos sites das organizações

Específico sobre educação

A Nova Escola desenvolveu a campanha Mentira na Educação, Não!, com apoio do Instituto Unibanco, Instituto Alana, do Canal Futura e do Facebook. Serão verificadas informações sobre educação e política educacional. As reportagens serão publicadas em seção especial do site da Nova Escola.

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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