Nº 6 - fev.2016

Diretores de escolas exitosas conseguem promover um clima escolar positivo de colaboração entre professores, promovem trocas entre os docentes e apoiam o desenvolvimento profissional em ações que tenham como objetivo principal atender melhor às necessidades dos estudantes

Relatório da OCDE sobre os estudantes de baixa performance

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PARA SABER MAIS

á mais de 40 anos que a relação entre as expectativas dos professores e o desempenho escolar dos alunos vem sendo investigada – e comprovada. Os estudos mostram que quanto mais positiva a perspectiva dos docentes frente a cada estudante, maior a probabilidade de ele obter êxito acadêmico (confira na última página referências de estudos clássicos sobre o tema). Concluiu-se, assim, que as expectativas de uma pessoa em relação ao comportamento de outra podem funcionar como “profecia autorrealizadora”. O efeito perverso disso é que alimenta a cultura da repetência e, consequentemente, a evasão escolar.

Divulgada em fevereiro deste ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),  a pesquisa intitulada “Estudantes de Baixa Performance – Por Que Ficam para Trás e como Ajudá-los a Progredir” aborda a questão. O estudo identificou, a partir de resultados do Pisa (exame internacional que compara a qualidade do ensino em mais de 65 nações), que o percentual de alunos de pior desempenho é significativamente maior em escolas onde professores esperam menos de seus alunos.

O relatório observa que “diretores e professores muitas vezes respondem à baixa performance dos estudantes diminuindo suas expectativas em relação a eles e até mesmo reduzindo o escopo do currículo que lhes é ensinado. No entanto, esse tipo de resposta transforma-se em uma profecia autorrealizadora, na qual baixas expectativas resultam em piores desempenhos”.

No Brasil, 74,5% dos estudantes de baixa performance estudam em escolas onde os diretores afirmam que a expectativa dos professores sobre o desempenho dos alunos afeta negativamente seu aprendizado

Um estudo feito pelo Instituto Ayrton Senna a partir de um recorte de dados da Prova Brasil de 2013 procurou identificar qual a percepção dos professores da rede pública do Brasil em relação a seus alunos. A partir da tabulação das respostas dos docentes ao questionário que acompanha a avaliação do MEC, foi possível observar que quanto mais baixo o nível socioeconômico dos alunos atendidos pela escola, menor a expectativa dos professores sobre a continuidade dos estudos pelos seus estudantes.

Práticas docentes e as altas expectativas

Diante das evidências que salientam a importância de uma perspectiva positiva dos professores frente ao desempenho dos estudantes, uma questão de ordem prática é: como criar uma cultura de altas expectativas nas nossas escolas?

Diretor de uma rede de escolas privadas nos Estados Unidos que atende crianças de baixa renda, Doug Lemov observou e filmou a atuação de professores durante cinco anos. No livro “Teach like a champion 2.0”, de 2015, ele elenca 62 técnicas direcionadas para o aprimoramento da prática docente. Cinco delas têm como objetivo específico “criar altas expectativas acadêmicas”. São recursos didáticos simples, mas que ajudam os alunos a estabelecer uma relação positiva com o conhecimento.

Lemov ensina o professor, por exemplo, a instigar o aluno a responder corretamente a uma questão por meio de uma sequência de questionamentos à turma ou a estimular a busca pelo conhecimento, fazendo novas perguntas após uma resposta correta, para que o aluno não tenha a sensação de que já domina todo o conteúdo.

A barreira da avaliação educacional

Um dos elementos que definem, dentro da sala de aula, as expectativas do professor sobre cada aluno é como ele interpreta os resultados mais baixos de uma avaliação. Uma maneira de fazê-lo é basear-se na premissa de que um resultado baixo indica um aluno “ruim”, ou seja, incapaz de conseguir bons resultados. Nessa lógica, esse estudante não deve conseguir ser aprovado no ano letivo, dificilmente terminará o ciclo atual e muito menos entrará na universidade. Quando adotada, essa premissa se torna uma barreira para que o professor tenha altas expectativas sobre seus alunos.

A própria concepção do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no Brasil busca combater esse efeito. Ao incluir no cálculo as taxas de aprovação ao lado das proficiências, o indicador procura desencorajar os modelos excludentes de fluxo de alunos, nos quais aprovam-se os “talentosos” e os “mais fracos” ficam para trás. Embora não seja suficiente, a premissa de que todos os alunos são capazes de aprender mais é uma condição necessária para o estabelecimento das altas expectativas dos professores em relação aos alunos.

Papel do gestor na valorização do aluno

O gestor escolar não atua diretamente em sala de aula, mas pode incidir sobre ela estimulando a construção dessa cultura de altas expectativas junto a todo corpo docente e direcionando a formação da equipe para essa atuação em classe.

Segundo o relatório da OCDE sobre os estudantes de baixa performance, diretores de escolas exitosas conseguem promover um clima escolar positivo de colaboração entre professores, promovem trocas entre os docentes e apoiam o desenvolvimento profissional em ações que tenham como objetivo principal atender melhor às necessidades dos estudantes.

“Esses líderes encorajam a participação de professores nas decisões da escola e criam meios de envolver também os pais. Por meio de todas essas práticas, estabelecem altas expectativas de aprendizado e agem para garantir o bem-estar dos estudantes, dando apoio específico para aqueles que apresentam mais dificuldades”, diz o documento da OCDE.

Altas expectativas como diretriz do sistema

A instalação de uma cultura de altas expectativas se concretiza nas escolas mas pode partir de uma diretriz da gestão do sistema educacional. É o caso de Ontario, no Canadá. Província mais populosa do país, suas escolas caracterizam-se pela diversidade no perfil dos alunos atendidos. Em 2003, menos de um terço das crianças da província atendiam aos padrões desejados de domínio de leitura e escrita e as deficiências eram particularmente acentuadas nas escolas situadas nas áreas mais vulneráveis.

Naquele ano, uma reforma educacional foi iniciada e três metas, estabelecidas: atingir a excelência (garantindo não só um alto nível de desempenho acadêmico para todos os estudantes como a aquisição de competências essenciais para participação no mundo contemporâneo), assegurar equidade e valorizar a confiança na educação pública. Hoje, mais de dois terços das crianças e jovens atendem aos padrões de leitura e escrita e o percentual de alunos com deficiência que cumpriam as expectativas de aprendizagem saltou de 12% para 46%.

O estabelecimento de altos padrões e expectativas foi apontado como uma das oito medidas que funcionaram como alavancas de melhoria do sistema durante apresentação da vice-ministra de Educação de Ontario, Mary Jean Gallagher, no seminário internacional realizado pelo Instituto Unibanco em setembro do ano passado.

“Um dos fatores principais para aprendizagem é a própria expectativa do aluno. E como ele forma suas expectativas? Ele aprende com seus pais, se tiver sorte, e seus professores (...) Os professores podem fazer milagres. Podem fazer com que todo e qualquer aluno aprenda para além das expectativas”

Mary Jean Gallagher, vice-ministra de Educação de Ontario (Canadá)

Para que os docentes sejam capazes de desenvolver um olhar atento às necessidades de cada aluno e lançar mão de diferentes estratégias e abordagens educacionais, o governo de Ontario investe fortemente na formação continuada dos educadores. Os diretores são encarados como peça-chave nesse processo e, por isso, é dada atenção especial à formação dessas lideranças.

Busca pela equidade

Assim como mostra a experiência de Ontario, a criação de uma cultura de altas expectativas nas escolas é uma estratégia poderosa para melhoria dos resultados de aprendizagem e caminha de mãos dadas com a busca incessante pela equidade. Acreditar que todos os alunos são capazes de aprender e atingir os níveis de aprendizagem previstos significa direcionar esforços para que todos sejam contemplados e incluídos – independentemente de cor, gênero, origem social, orientação sexual ou ter ou não deficiências.

Criar uma cultura de altas expectativas na escola é algo que mobiliza todos os atores do sistema educacional. Envolve desde o gestor da rede, que pode, a partir de um olhar macro, traçar diagnósticos e direcionar recursos e ações que deem conta da diversidade do sistema e atendam às especificidades de cada escola. Passa pelo diretor, responsável pelo desenvolvimento na equipe das competências necessárias para que ela seja capaz de identificar as demandas de cada estudante e atendê-las. E culmina na atuação do professor em sala de aula, no comprometimento com a garantia do direito à aprendizagem de cada aluno.

GESTÃO

COMO CRIAR UMA CULTURA DE ALTAS EXPECTATIVAS?

  • Aula Nota 10 – 49 Técnicas para Ser um Professor Campeão de Audiência, Doug Lemov/Fundação Lemann Editora Da Boa Prosa (2011): www.aulanota10.com.br/
  • Estudantes de Baixa Perfomance – Por Que Ficam para Trás e como Ajudá-los a Progredir, (2016) relatório (em inglês) da OCDE: bit.ly/20oErFF
  • Pobreza e Comportamento Influenciam Visão do Professor sobre Aprendizagem, (2015) Site Instituto Ayrton Senna (2015): bit.ly/pesquisaIASpercepcao
  •  Pygmalion in the Classroom, Robert Rosenthal e Lenore Jacobson/Universidade de Harvard (1968): bit.ly/artigoRosenthal
  • Seminário Internacional Caminhos para a qualidade da educação pública: Gestão Escolar, Mary Jean Gallagher (apresentação) (2015): bit.ly/apresentacaoMaryJeanGallagher
  •  Student Social Class and Teachers’Expectations: The Self-Fulfilling Prophecy of Ghetto Education, Ray C. Rist (1970): bit.ly/articleRistHarvard
  • Teach Like a Champion 2.0, Doug Lemov (2015)/Jossey-Bass, edição apenas em inglês: bit.ly/Lemov20

 

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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