Desenvolver e estimular o hábito da leitura entre os jovens segue como um desafio nas escolas, especialmente em tempos de uso intenso e cada vez mais disseminado das redes sociais.
De acordo com os resultados de leitura da última edição do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), de 2018, realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cerca de 50% dos estudantes brasileiros atingiram o nível mínimo de proficiência que todos os jovens devem adquirir até o final do Ensino Médio (o que significa ter alcançado no mínimo o nível 2, numa escala de 1 a 6). Entre os países da OCDE, essa média foi de 77,4% (três em cada quatro alunos).
Essa falta de domínio das competências leitoras explica em boa medida o baixo percentual de brasileiros que têm o hábito de consumir livros. Segundo a 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2019 (portanto, pré-pandemia), realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), 52% dos brasileiros (100,1 milhões de pessoas) tinham lido pelo menos um livro, inteiro ou em partes, nos últimos três meses. Na edição anterior, de 2015, esse percentual era de 56%. Já a média de livros inteiros lidos em um ano se manteve estável: 4,2 livros por pessoa.
Os entrevistados no estudo apontaram uma série de dificuldades de leitura: 4% disseram não saber ler, outros 19% disseram ler muito devagar; 13%, não ter concentração suficiente para ler e 9%, não compreender a maior parte do que leem.
Vale destacar um terceiro dado da pesquisa do IPL, sobre a influência de outras pessoas no desenvolvimento do hábito da leitura. Os professores figuram em primeiro lugar, mencionados por 11% dos entrevistados – reforçando o papel da escola nesse aspecto. Em segundo lugar está a mãe ou responsável do sexo feminino (apontado por 8%) e, em seguida, o pai, responsável do sexo masculino ou algum outro parente (4%).
Para Marcia Licá, coordenadora de produção de conteúdo da Associação Vaga Lume, organização que há duas décadas promove a formação de mediadores de leitura e criação de bibliotecas na região da Amazônia, trazer a comunidade escolar para gestão da biblioteca pode ser uma estratégia importante para tornar o espaço vivo.
A gestão compartilhada é um dos cinco pilares da metodologia consolidada pela Vaga Lume ao longo das últimas duas décadas e contribui para criação de senso de pertencimento ao projeto. No caso das ações de leitura voltadas para jovens nas escolas, a coordenadora acredita que o trabalho em parceria com os estudantes é fundamental. “Como eles podem participar ativamente dos processos? Será que não são eles que têm que realizar as atividades de leitura com as crianças menores? [A biblioteca] Não pode ser o espaço para os jovens promoverem os saraus? Eles precisam construir junto. Quando é uma coisa muito dada, com muitas regras e que eles não têm espaço nem abertura para construir não funciona”, pensa.
Um outro pilar importante da metodologia e que pode contribuir para a adesão às ações de incentivo à leitura na escola é a valorização da cultura local. “Quais são os corpos que circulam nessa escola? Tem os meninos e as meninas do movimento hip hop, as meninas do feminismo negro… Como tudo isso compõe o corpo de uma escola que pode ser viva e agregadora, e como atrelar tudo isso a um trabalho de leitura e literatura, com uma biblioteca pulsante, para além do empréstimo dos livros físicos?”, reflete.
Marcia relata também que é importante trabalhar as concepções de leitura dos educadores. Ela diz que em ações de formação desenvolvidas junto a gestores escolares foi possível observar que ainda vigoram muitas vezes visões focadas apenas no conteúdo e conservadoras, como a de que “deixar as crianças lerem livremente no intervalo pode virar uma grande bagunça” ou de que “ler tem que ser em silêncio”. “São concepções decorrentes da formação muito tradicional que eles receberam. Mas eles também vão se descontruindo e reaprendendo a ser um outro tipo de leitor”, conta.
A rede estadual do Ceará conta com uma iniciativa que já soma 10 anos de existência e tem como foco o desenvolvimento de competências socioemocionais pelos estudantes por meio da leitura e discussão de obras literárias. O programa Círculos de Leitura, realizado em parceria com o Instituto Fernand Braudel, consiste na formação de estudantes que exercem o papel de líderes multiplicadores de leitura, responsáveis por conduzir os encontros, desenvolver um trabalho colaborativo e estimular a reflexão a partir de obras previamente selecionadas. Esses jovens contam com o apoio e acompanhamento de professores, que também passam por uma formação para desempenhar esse papel.
“Entendemos que a leitura e reflexão em grupo oferece esse espaço para que os jovens compartilhem experiências e ampliem seu universo de conhecimento para agirem no mundo. Os multiplicadores do programa falam de uma forma muito entusiasmada sobre sua vivência nos círculos de leitura e relatam os avanços que sentem estar alcançando tanto nas suas habilidades de leitura e escrita como no âmbito existencial. Relatam que a participação nos grupos ajuda a elevar a autoestima, a romper a insegurança ou timidez e a ganhar mais foco e autoconfiança”, afirma a Orientadora da Célula de |Projetos Educacionais, Articulação e Mobilização Estudantil (área responsável pelo programa na Seduc-CE), Iraciara Ribeiro.
Nas escolas, por iniciativa de gestores e professores, uma série de ações muitas vezes simples alcançam bons resultados na busca por estimular o gosto pela leitura. Na EEEFM Marinete de Souza Lira, situada no município de Serra (ES), a gestora Graziely Ameixa desenvolveu um projeto de incentivo à leitura durante o recreio, no qual os estudantes se reuniam uma vez por semana para conversar sobre temas pré-definidos. Além de aumentar o interesse pelos livros (cresceu o número de títulos retirados pelos alunos na biblioteca), o projeto oportunizou a criação de um espaço de debates sobre temas sensíveis e presentes no cotidiano dos estudantes, como abuso e respeito à diversidade sexual. “Hoje a biblioteca é até pequena para eles… Há uma corrida para a roda de leitura, muitos descem correndo e nem merendam para garantir o espaço na biblioteca”, comemora.
Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
PRODUÇÃO EDITORIAL
Redação: Fabiana Hiromi
Edição: Antônio Gois
Projeto gráfico e diagramação: Estúdio Kanno
Edição de arte: Fernanda Aoki