egundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(Pnad) 2014, existe hoje no país 1,7 milhão de jovens de 15 a 17
anos fora da escola, o que equivale a 16% da população dessa
faixa etária. Embora em termos relativos o acesso ao Ensino
Médio tenha alcançado progressos consideráveis nas últimas duas
décadas, o contingente de jovens que abandona os estudos, o
baixo desempenho nas avaliações externas e a ainda elevada taxa
de repetência são alguns dos sinais da crise dessa etapa de
ensino. Os indicadores traçam um quadro de exclusão e
desigualdade que tem chamado a atenção de pesquisadores,
gestores públicos e militantes da área educacional. Para muitos,
o currículo do Ensino Médio é um dos principais nós a serem
desatados.
Relatório divulgado pelo Unicef em março deste ano que elenca os 10 principais desafios para essa etapa aponta a necessidade de “definir uma identidade para o Ensino Médio” como um deles. Esta questão relaciona-se diretamente ao currículo, pois envolve uma discussão sobre qual deve ser o foco do Ensino Médio: proporcionar uma formação geral versus qualificar para o mercado de trabalho versus preparar para a universidade.
Um levantamento nacional realizado pelo Instituto Unibanco neste ano procurou identificar os principais desafios curriculares do Ensino Médio regular. Foram utilizados como fontes de pesquisa artigos publicados na grande mídia, a bibliografia especializada (estudos e pesquisas) e as discussões realizadas nos principais congressos e seminários sobre Ensino Médio entre 1998 e 2015.
O estudo constatou que a crítica sobre o Ensino Médio se estrutura em torno de três eixos: a existência de uma trajetória única e inflexível, sem a possibilidade de formações alternativas; o currículo pouco adaptado à diversidade de juventudes e o inchaço e a fragmentação dos conteúdos curriculares.
Embora nos últimos anos o número de matrículas no Ensino Médio mantenha-se em patamar relativamente estável (na marca dos 8,3 milhões), entre a segunda metade da década de 1990 e o início dos anos 2000 registrou-se um salto de mais de 50% nas matrículas1. Isso mudou o perfil dos jovens que chegam a essa etapa, antes restrita a uma elite, impondo à escola o desafio de lidar com a heterogeneidade do corpo discente.
Pesquisa, de 2013, realizada pela Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), encomendada pela Fundação Victor Civita, revela a dissonância entre o currículo ofertado nas redes e as percepções e atitudes de jovens de baixa renda sobre o Ensino Médio. A pesquisa apontou que a demanda por entrar no mercado de trabalho se sobrepõe à de ingresso na universidade, pelo menos em um primeiro momento: 53,8% dos estudantes entrevistados acreditavam que, após concluírem o Ensino Médio, iriam primeiro trabalhar, para posteriormente cursarem o Ensino Superior.
Daí o questionamento à oferta de uma mesma trajetória para todos, que prevê como única saída o ingresso na universidade, desconsiderando as diferentes demandas, interesses, expectativas e projetos de vida dos estudantes.
Pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas a pedido da Fundação Victor Civita (2015) – apoiada pelo Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Itaú BBA e Instituto Península – analisou as políticas curriculares de Ensino Médio dos 27 estados brasileiros. O estudo constatou “forte ênfase no Ensino Médio como etapa preparatória para o ingresso no Ensino Superior”. Nesse contexto, o Enem, como instrumento de seleção utilizado pelas universidades federais e no Prouni, consequentemente, tem um peso relevante no currículo.
Nesse sentido, argumenta-se que a reformulação dessa etapa deve permitir que os jovens escolham, a partir de um leque de opções, o percurso que mais se adeque às suas características pessoais, vocações e projetos de vida.
Em rodas de conversa promovidas pelo Instituto Unibanco entre setembro e outubro desse ano com gestores, estudantes, representantes de ONGs e técnicos das secretarias de educação, foi possível perceber que em torno desses três pontos identificados como principais desafios curriculares também existem muitos dissensos.
Embora a grande maioria dos convidados concordasse em relação à necessidade de flexibilização do currículo, foi levantado como ponto de atenção por alguns dos participantes o risco da medida aprofundar desigualdades. Frente a isso, foi ressaltada a necessidade de se realizar um forte trabalho de mentoria e suporte aos jovens para que as escolhas sejam tomadas com consciência e com base em projetos de vida.
O conteudismo e a fragmentação curricular aparecem como terceiro ponto principal de crítica ao Ensino Médio. Na avaliação de muitos especialistas, há um volume excessivo de conteúdos e disciplinas (13 no total) a serem trabalhados nessa etapa.
Esse, porém, foi um ponto do qual diretores, gestores das secretarias e representantes de ONGs discordaram. Para muitos, o maior problema não é a quantidade de disciplinas, mas a forma como o conteúdo é trabalhado com os alunos. A dificuldade dos professores em abordar o currículo de forma interdisciplinar e contextualizada, estabelecendo diálogo com a realidade dos alunos, foi relacionada às fragilidades na formação inicial docente e às condições de trabalho em que atuam.
Na fala de parte dos estudantes convidados para uma das rodas, foi visível o peso do Enem e do vestibular sobre o currículo. Na visão de muitos, a possibilidade de exclusão de certos conteúdos ou disciplinas sequer era cogitada por “caírem” na prova.
As discussões para a construção de uma Base Nacional Comum Curricular (BNC), iniciadas com a abertura pelo MEC de uma consulta pública em setembro deste ano, representam uma janela de oportunidade para uma mudança de chave no Ensino Médio.
O documento preliminar informa que a base será composta por 60% de conteúdos comuns para toda a Educação Básica dos ensinos público e do privado e os 40% restantes ficarão a cargo de cada sistema educacional e abordarão conteúdos regionais.
Se uma das principais demandas para reforma do Ensino Médio é a flexibilização do currículo, de modo a atender aos anseios e projetos de vida dos jovens, é preciso que as discussões contemplem a possibilidade de escolha pelos estudantes.
Assim, um novo modelo para o Ensino Médio poderia considerar três dimensões: a primeira, relativa aos conhecimentos necessários e estruturantes para a formação geral do jovem e, portanto, obrigatórios a todos os estudantes; a segunda, referente ao contexto histórico, geopolítico e cultural da localidade onde o estudante vive. A terceira dimensão relaciona-se aos conhecimentos vinculados à trajetória escolhida pelo jovem, seja no ensino técnico ou dentro da área de conhecimento que pretende seguir na universidade (linguagens, matemática, ciências humanas ou da natureza). Desse modo, o estudante exerceria seu direito à escolha, permitindo o aprofundamento nos conteúdos com os quais têm mais afinidade e a partir de um conjunto finito de possibilidades.
A conjugação dessas três dimensões possibilitaria, assim, a oferta de um repertório de conhecimentos e competências cognitivas e socioemocionais necessárias à formação do indivíduo do século XXI. Nesse sentido, um dos principais desafios será adequar esse modelo a uma carga horária compatível. A ampliação do tempo de permanência do aluno na escola é desejável e deve ser considerada, dado que atualmente a maioria das escolas conta com um turno diário de quatro horas e meia e parte dele é perdido em sala de aula por conta de faltas, atrasos e indisciplina.
São muitas as questões que pairam sobre o currículo do Ensino Médio e o debate aberto pela consulta pública sobre a BNC torna o momento oportuno para discutirmos a identidade dessa etapa que pode ser considerada a mais desafiadora da Educação Básica. Dentre as diversas indagações, a pergunta que deve nos nortear é: que modelo de Ensino Médio a sociedade brasileira anseia?
1É importante lembrar que uma parte significativa dos matriculados no Ensino Médio regular (28% dos estudantes, de acordo com a Pnad 2014) é de brasileiros com 18 anos ou mais, ou seja, atrasados em relação à idade que se esperaria que tivessem nesse nível de ensino.
Conheça o Movimento pela Base Nacional Comum, que reúne organizações da sociedade civil, pesquisadores, gestores e professores:
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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
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