Nº 30 - jul.2017

EQUIDADE

Desigualdade racial precisa ser enfrentada também dentro da escola

>> Estereótipos e baixas expectativas de professores podem prejudicar alunos negros

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>> Gestor deve estimular reflexão sobre práticas do cotidiano escolar para combater essas desigualdades

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PARA SABER MAIS

s desigualdades raciais presentes em nossa sociedade são também observadas nos indicadores educacionais. Embora o Brasil venha registrando avanços em relação ao acesso e diminuindo a diferença na proporção de matrículas entre negros e brancos, o mesmo não se verifica em termos de aprendizagem. Estudantes negros ainda apresentam desempenho inferior nas avaliações de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática em comparação aos alunos brancos.

Essa disparidade no aprendizado tem se mantido ao longo dos anos, com um agravante: apesar de representarem 54% da população, negros (aqui incluindo todos os que se autodeclararam pretos ou pardos ao IBGE) são 75% entre os 10% mais pobres do país, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015. Estando desproporcionalmente mais representados entre os mais pobres, é também maior a probabilidade de estarem fora da escola ou matriculados em estabelecimentos com piores condições de infraestrutura e de trabalho do corpo docente, conforme mostra recente pesquisa feita pela Fundação Lemann.

A boa notícia é que o índice de evasão escolar está em declínio, mas a distância entre os percentuais de jovens brancos e negros fora da escola pouco tem diminuído. (Leia mais sobre o assunto na edição 2 do boletim Aprendizagem em Foco, que abordou as desigualdades raciais na educação: bit.ly/AprendizagemFoco2).

  • As desigualdades na educação no Brasil: o que apontam os diretores das escolas (boletim), Fundação Lemann (junho/2017): bit.ly/boletim1FundLemann
  • Does Student Race Affect “Gifted” Assignment?, Universidade de Vanderbilt (2016) (somente em inglês): bit.ly/pesquisaVanderbiltRace
  • Gestão Escolar para a Equidade Racial: diálogos com Macaé Evaristo e Sueli Carneiro, Observatório de Educação/Instituto Unibanco (2017): bit.ly/DialogosEquidade
  • Projeto Educar para a Igualdade Racial, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT): www.ceert.org.br/premio-educar
  • Professor dá a aluno nota maior que Saresp (notícia), Folha de S.Paulo (28/12/2009): www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2812200901.htm
  • Race Biases Teachers’ Expectations of Students, Universidade John Hopkins (2016) (somente em inglês): bit.ly/estudoRacaJohnHopkins
  • Racial Discrimination in Grading: Evidence from Brazil, Fernando Botelho, Ricardo Madeira, Marcos A. Rangel/FEA-USP (2015): bit.ly/PesquisaUSPRacing
  • The Long-Run Impacts of Same-Race Teachers, IZA – Institute of Labor Economics (2017) (somente em inglês): bit.ly/pesquisaIZA

Questão racial e expectativa docente

O tema das desigualdades raciais é complexo, e há inúmeros fatores socioeconômicos e históricos externos que explicam a diferença observada em sala de aula. Mas há também estudos que ajudam a refletir sobre o quanto atitudes de professores e gestores podem estar, voluntariamente ou não, contribuindo para perpetuar essa desigualdade.

Em 2016, por exemplo, pesquisa da Universidade John Hopkins (EUA) analisou dados de 8.400 estudantes americanos que tinham aulas tanto com professores negros quanto com profissionais brancos. Para os professores, as expectativas de os alunos brancos concluírem a faculdade eram praticamente as mesmas. No entanto, quando perguntados sobre o sucesso dos estudantes negros no Ensino Médio e na universidade, identificaram-se disparidades: professores brancos eram muito mais céticos sobre o futuro acadêmico desses jovens.

Outro estudo que identificou como a percepção sobre o sucesso acadêmico pode variar a partir da origem do professor foi realizado pela Universidade Vanderbilt (EUA). O trabalho detectou que as chances de um aluno negro com idêntico desempenho acadêmico ao de um branco ser indicado para programas voltados a alunos com altas habilidades crescia significativamente quando o professor era também negro.

Vale frisar, entretanto, que se tratam de investigações desenvolvidas dentro das especificidades do contexto norteamericano e do histórico das relações etnicorraciais daquele país.

Avaliações

No Brasil, a academia também vem encontrando evidências nas avaliações de que a desigualdade racial é também construída a partir da sala de aula. Em estudo de 2009, os pesquisadores Ricardo Madeira, Marcos Rangel e Fernando Botelho, da Universidade de São Paulo, identificaram uma diferença significativa entre a nota dada aos alunos na escola e o desempenho alcançado no Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). Estudantes negros e pardos, com o mesmo desempenho dos brancos na avaliação estadual, receberam, em média, notas menores dos professores nas avaliações internas.

Como uma avaliação externa padronizada não capta outras características que só o professor em sala de aula pode observar, os autores alertaram no estudo de que eram necessários mais pesquisas para entender por que a discrepância acontecia. Outros estudos nacionais e internacionais sobre o tema indicam que parte do problema pode estar justamente na expectativa que professores têm a respeito do sucesso de seus alunos, reforçadas por estereótipos que causam prejuízos a determinados grupos. (sobre o tema, leia o Boletim Aprendizagem em Foco número 6 – bit.ly/AprendizagemFoco6)

O papel dos gestores

Gestores escolares têm papel fundamental nas mudanças que precisam acontecer para combater as desigualdades educacionais presentes no interior de cada escola. Trazer essa reflexão coletiva do quanto preconceitos ou mesmo atos por vezes involuntários podem estar limitando o potencial de determinados grupos pode ser um primeiro passo em busca de um compromisso por mais equidade. O desenvolvimento de ações relacionadas à valorização da diversidade racial é também essencial, combatendo o preconceito, a discriminação e o seu impacto negativo sobre o aprendizado e bem-estar dos alunos.

Desde a aprovação da Lei 10.639, em 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afrobrasileiras, a temática racial vem sendo incorporada ao currículo das escolas públicas do país, contribuindo para o enfrentamento do racismo e para o fortalecimento da identidade negra. A lei também abre espaço para que a questão racial seja debatida entre professores, coordenadores pedagógico e diretores.

A lei 10.639 também fomenta uma reflexão sobre igualdade racial e as relações interpessoais no espaço escolar, não só entre estudantes como também entre alunos e docentes.

Estimular esse debate não só em sala de aula mas também nas HTPCs (horas de trabalho pedagógico coletivo) é uma maneira de ampliar a discussão, identificar como o corpo pedagógico vem lidando com o tema, detectar impasses e construir estratégias e soluções conjuntas para possíveis problemas. Nesse sentido, o cumprimento da lei pode fomentar uma reflexão sobre igualdade racial e as relações interpessoais no espaço escolar não só entre estudantes mas também entre alunos e docentes. Possibilita ainda que a abordagem desses conteúdos relacionados à contribuição dos povos africanos na constituição da sociedade brasileira se dê de forma transversal e mais orgânica e não de forma estanque em uma ou outra disciplina.

Na EEB Ildefonso Linhares, em Florianópolis (SC), o diretor Sérgio Bertoldi decidiu, há três anos, desenvolver ações de combate ao preconceito racial que tornava o ambiente escolar repleto de conflitos. “O convívio entre os alunos brancos e negros não era saudável. Fizemos um primeiro trabalho com os professores, orientando-os a sair do material didático que trata o negro como escravo e entrar na pedagogia”, explica. O segundo passo foi criar um projeto anual, África em Nós, que abre a escola para a comunidade e, unindo alunos, professores e famílias, fomenta a importância da população negra na construção do País, em especial nas artes e cultura brasileiras. “Os casos de racismo praticamente não existem mais há três anos. Naquela época, os alunos negros não queriam frequentar a escola e quando o faziam, estavam revoltados. Hoje eles querem estudar aqui porque se sentem parte dela”, celebra Bertoldi.

Depoimento do gestor de Florianópolis (SC) sobre iniciativa de combate ao preconceito racial, favorecendo o aprendizado e a permanência dos alunos negros na escola

Edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra

Desenvolvido pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, pelo Instituto Unibanco e pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o Edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra visa contribuir para o desenvolvimento e a implementação de práticas inspiradoras de gestão escolar que busquem elevar os resultados educacionais dos jovens negros e negras na rede pública de Ensino Médio. É direcionado a escolas públicas e organizações sociais legalmente formalizadas com comprovada atuação na área da Educação e superação das desigualdades raciais. Os projetos selecionados na 2ª edição, lançada em 2016, estão sendo desenvolvidos ao longo deste ano. Para mais informações, acesse: www.institutounibanco.org.br/juventude-negra/

>> Distância entre brancos e negros diminuiu no acesso, mas se manteve na aprendizagem

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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Redação e edição Fabiana Hiromi e Antonio Gois; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki