ão cada vez mais comuns os casos de depressão, automutilação e até suicídio entre adolescentes. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 350 milhões de pessoas de todas as idades sofrem de depressão, mas menos da metade dos afetados pelo transtorno recebem o tratamento adequado. Nos casos mais graves, a depressão pode levar ao suicídio e entre jovens de 15 a 29 anos, já representa a segunda principal causa de morte no mundo.

No Brasil, são escassos os dados sobre a ocorrência de casos de depressão na população jovem. Um deles pertence ao Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), conduzido entre 2013 e 2014 por diversas universidades brasileiras e financiado pelo Ministério da Saúde. De acordo com a pesquisa, 38,4% das meninas entre 12 e 17 anos de idade e 21,6% dos meninos da mesma faixa etária apresentaram o que eles chamam de “transtornos mentais comuns” (TMC), que se caracterizam por indícios de sofrimento psíquico:  tristeza, dificuldade de concentração, insônia, falta de disposição, entre outros. Quando não tratados, podem evoluir para distúrbios mais graves, como depressão.

Já o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), realizado pela Unifesp e divulgado em 2014, investigou, entre outros aspectos, a ocorrência de depressão na população brasileira por estar muitas vezes relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas. Constatou que 21% dos jovens de 14 a 25 anos apresentavam sintomas indicativos de depressão. Entre as jovens mulheres, esse índice salta para 28%.

Uma outra estatística ainda mais alarmante é do Mapa da Violência. O estudo – realizado com base nos dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde – revela que a taxa de suicídios entre jovens de 15 a 29 anos teve um aumento de 10% em 12 anos, passando de 5,1 por 100 mil habitantes em 2002 para 5,6 em 2014. Em relação a 1980, o crescimento é de 27,2%.

Acolhimento

Temas relacionados às emoções e à saúde mental são pouco discutidos nas escolas. É fundamental abrir espaço para que os estudantes possam falar das questões que os afetam – dificuldades de aprendizagem, estresse, ansiedade, raiva, tristeza, problemas de relacionamento com professores, colegas e familiares, entre outros. Estimular a reflexão entre os alunos sobre seus sonhos e projetos de vida também contribui para construção e ampliação de perspectivas de futuro.

Para Adriana Fóz, psicopedagoga do Laboratório de Neurociência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a escola deve tratar de temas como violência, depressão e suicídio de forma constante, com o objetivo de diminuir o desconhecimento e o estigma relacionados à saúde mental. O importante, segundo ela, é ampliar a comunicação com os estudantes, de forma que eles se sintam seguros para tratar de suas emoções e desenvolver habilidades de relacionamento e autoconhecimento.

Além disso, a escola, por ser o ambiente em que os jovens passam boa parte do seu tempo, é o local onde os sinais da depressão – falta de interesse, irritabilidade, isolamento, piora no rendimento escolar e automutilação – podem ser identificados com mais facilidade.

A especialista considera a escola o ambiente ideal para isso, “porque o professor é o único profissional que consegue observar um grupo de adolescentes da mesma faixa etária por tanto tempo, e em diferentes situações”. Isso facilita a identificação de eventuais problemas comportamentais e mentais de forma precoce, contribuindo para a prevenção. Segundo ela:

“A informação e a prevenção nas escolas são extremamente importantes, porque podem mudar o curso dos transtornos mentais. Se, aos primeiros sinais, uma criança ou adolescente for encaminhado para atividades e tratamentos adequados, pode-se evitar o desenvolvimento de uma doença.”

Valorização da vida

Escolas e organizações têm construído estratégias para tratar da questão. É o caso do projeto Cuca Legal, desenvolvido pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp e coordenado por Adriana Fóz. Uma equipe composta por psiquiatras, psicólogos, pedagogos, terapeutas educacionais e educadores forma professores para promover a saúde mental e o bem-estar emocional na escola. O objetivo é fazer com que os estudantes aprendam a administrar suas emoções, o estresse e a ansiedade, lidar com suas dificuldades, reconhecer limites e buscar ajuda quando necessário. E também prepara os educadores para que sejam capazes de identificar e encaminhar os casos que necessitem de atendimento especializado. Em 2015, o Cuca Legal atuou em 17 escolas estaduais de São Paulo, em parceria com a Secretaria de Educação.

Em Caicó (RN), município localizado a cerca de 280 km da capital, o elevado número de suicídios, em diferente faixas etárias, levou a diretoria regional de ensino a definir como tema a ser trabalhado nesse 2º semestre do ano letivo a “valorização da vida”. Para dar o pontapé inicial na proposta, foi realizado um encontro com coordenadores pedagógicos das 32 escolas pertencentes à regional, ocasião em que foi exibido o filme “Nunca me sonharam” e uma psicóloga convidada falou sobre a questão da saúde mental dos estudantes. “Nossa proposta era que cada uma das escolas trabalhasse o filme e desenvolvesse a discussão a partir do sonho de cada um. E na sequência cada escola construiria um plano de ação para desenvolver outras atividades”, conta Maísa Maria Guilherme, coordenadora pedagógica da 10ª Direc.

As escolas já iniciaram o trabalho com essa temática, com a exibição de outros filmes, produção de textos, cartazes e pequenos vídeos com os alunos em sala de aula. A culminância das ações se dará no dia 22 de novembro. “Será o dia ‘d’ de valorização da vida, quando cada escola apresentará o que trabalhou a respeito da temática”, explica a coordenadora.

Maísa relata que, em consequência da campanha, escolas buscaram parcerias com órgãos das secretarias de Saúde e Ação Social (centros de referência), além de organizações não governamentais, para lidar com a questão.

“A escola não pode sozinha tratar dos problemas psicológicos dos alunos e dos outros atores da escola, mas ela pode discutir, detectar, abrir diálogo, chamar a família e encaminhar os casos que julgar necessário para as instituições responsáveis pelo tratamento”, afirma.

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PARA SABER MAIS

  • Depressão é tema de campanha da OMS para Dia Mundial da Saúde de 2017 (notícia), ONU BR (19/12/2016): bit.ly/CampanhaOMS2017
  • ERICA: prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros, Revista de Saúde Pública (2016): bit.ly/estudoErica
  • II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, Unifesp (2014): bit.ly/IILenad
  • Keeping young people in mind – findings from a survey of schools across England, National Children’s Bureau/Association for School and College Leaders (Fev/2016) (somente em inglês): bit.ly/estudoSaudeMentalInglaterra
  • Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfiz/Flasco: www.mapadaviolencia.org.br
  • National Trends in the Prevalence and Treatment of Depression in Adolescents and Young Adults, Ramin Mojtabai/Mark Olfson/Beth Han/Pediatrics (2016): bit.ly/artigoPediatrics
  • Projeto Cuca Legal (site), Unifesp:  cucalegal.org.br

Gestão

Depressão na adolescência: é preciso falar sobre o problema

>> Crescem os casos de depressão entre jovens

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>> Docentes podem contribuir com a identificação precoce de alunos com sinais de depressão

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>> É fundamental que a escola abra espaço para estudantes falarem sobre emoções e questões que os afetam

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GLOSSÁRIO

 

Segundo a OMS, “saúde mental é mais do que a ausência de transtornos mentais ou deficiências. Trata-se de um estado de bem-estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de fazer contribuições à sua comunidade. Saúde mental e bem-estar são fundamentais para nossa capacidade coletiva e individual, como seres humanos, para pensar, nos emocionar, interagir uns com os outros e ganhar e aproveitar a vida”.

Temas relacionados às emoções e à saúde mental são pouco discutidos nas escolas. É fundamental abrir espaço para que os estudantes possam falar das questões que os afetam – dificuldades de aprendizagem, estresse, ansiedade, raiva, tristeza, problemas de relacionamento com professores, colegas e familiares, entre outros.

Nº 36 - nov.2017

Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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