Nº 51 -mai.2019

GESTÃO

Emoção e aprendizagem caminham juntas

 

PARA SABER MAIS

o nascimento à vida adulta, passando pela infância e adolescência, o ser humano aprende melhor quando se sente seguro, acolhido, estimulado, e quando estabelece relações de confiança com seus colegas, familiares ou professores. As emoções, portanto, são parte indissociável do processo de aprendizagem, uma evidência que vem sendo reforçada por estudos recentes nas mais diferentes áreas do saber, da neurociência à psicopedagogia. No entanto, por vezes, ainda paira no campo educacional uma concepção atrasada e equivocada de que olhar para essas relações na escola é algo secundário, ou que essas dimensões devem ser trabalhadas apenas com o objetivo de facilitar o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

Num estudo publicado em setembro de 2018 por um dos mais influentes centros de pesquisas educacionais dos Estados Unidos (o Learning Policy Institute, Instituto de Política de Aprendizagem), as pesquisadoras Linda Darling-Hammond e Channa Cook-Harvey destacam que “o conhecimento mais recente sobre aprendizado e desenvolvimento humano demonstra que um clima escolar positivo não é um elemento acessório a ser acrescentado depois que as dimensões acadêmicas ou disciplinares já estiverem atendidas. Na verdade, trata-se do principal caminho para um aprendizado efetivo.”

As autoras lembram que justamente “porque as crianças aprendem quando se sentem seguras e apoiadas, e o aprendizado delas é prejudicado quando vivenciam situações de medo ou trauma, elas precisam de um ambiente de apoio e de ajuda para desenvolver habilidades para lidar com o estresse. Portanto, é importante que escolas ofereçam um ambiente positivo de aprendizagem que permita aos estudantes desenvolver tanto habilidades socioemocionais quanto aprender o conteúdo acadêmico”.

  • A importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Vitor da Fonseca. Revista Brasileira de Psicopedagogia (2016), bit.ly/EmocoesAprendizagem
  • Clima positivo contribui para a redução das desigualdades escolares, Boletim Aprendizagem em Foco n.23, Instituto Unibanco (jan/2017): bit.ly/AprendizagemFoco23
  • Educating the Whole Child: Improving School Climate to Support Student Success BRIEF (Educando a Criança por Inteiro: Melhorando o Clima Escolar para Apoiar o Sucesso dos Estudantes). Linda Darling-Hammond and Channa M. Cook-Harvey. (2018, em inglês), bit.ly/Education_Whole_Child
  • Escola precisa se preocupar com bem-estar dos alunos, Boletim Aprendizagem em Foco n.29, Instituto Unibanco (jun/2017), bit.ly/AprendizagemEmFoco29
  • Juventudes na Escola: Sentidos e Buscas, Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro e Júlio Jacobo Waiselfisz/MEC/Flacso (2015): http://goo.gl/R7y2e9
  • Longitudinal and Contextual Associations Between Teacher–Student Relationships and Student Engagement: A Systematic Review (Associações Longitudinais e Contextuais entre relações professor-aluno e engajamento do estudante: uma revisão sistemática), Review of Educational Research, Daniel Quin (2016, em inglês): bit.ly/ReviewDanielQuin
  • Teacher emotions in the classroom: Associations with students’ engagement, classroom discipline and the interpersonal teacher-student relationship. (Emoções de professores na sala de aula: associações com o engajamento, disciplina e relações inter-pessoais entre professores e estudantes). European Journal of Psychology of Education. Gerda Hagenauer. (2015, em inglês), bit.ly/TeacherEmotionsClassroom

Relações de professores e alunos

Numa escola, o profissional que mais interage com os estudantes é o professor. Por isso, estudos nacionais e internacionais têm demonstrado o quanto é importante convencê-los e, mais importante, apoiá-los no objetivo de construir esses laços de confiança. O pesquisador Daniel Quin, da Universidade Católica da Austrália, ao fazer uma revisão (2016) de 46 estudos publicados em revistas científicas sobre o tema, mostrou que quando professores e alunos conseguiam estabelecer essas relações positivas, o desempenho acadêmico era melhor, e as taxas de evasão, suspensões e faltas caíam.

Esta é uma via de mão dupla, pois não apenas os estudantes se beneficiam. Como em escolas onde a relação entre professores e alunos são melhores há também menos indisciplina e agressões, os níveis de estresse e insatisfação com o trabalho tendem a ser menores, como demonstra um estudo publicado em 2015 pela pesquisadora Gerda Hagenauer (Universidade de Sauzburg) na Revista Europeia de Psicologia da Educação.

Esta realidade é constatada também no contexto brasileiro, e aparece com muita ênfase nos depoimentos de jovens sobre suas expectativas em relação à escola.  No livro “Juventudes na Escola, sentidos e buscas: Por que frequentam?”, a partir de uma pesquisa com mais de 8 mil jovens no Brasil, a pesquisadora Miriam Abramovay identificou que as duas questões mais relevantes relatadas pelos jovens para explicar os motivos que os levam a continuar estudando são terem amigos e bons professores, o que indica que tanto a relação com os colegas quanto com os docentes é muito importante. Ao fazer entrevistas mais profundas com alguns dos jovens ouvidos pela pesquisa, a pesquisadora destaca que, para eles, o bom professor não é aquele que é amigo, divertido, ou que passa a mão na cabeça dos jovens. O que os alunos mais demandam são professores que saibam ensinar, mas que também os respeitem e escutem.

A necessidade de promover um bom clima escolar já foi abordada em algumas das edições do boletim Aprendizagem em Foco. O de número 23, por exemplo, citava estudos que comprovavam que um clima positivo contribuía para que as escolas aumentassem a igualdade de oportunidades e reduzissem o peso das desigualdades socioeconômicas na aprendizagem dos estudantes. Já no número 29, o boletim repercutiu um relatório do Pisa (exame internacional de aprendizagem da OCDE) que mostrava que o bem-estar dos jovens podia (e devia) estar perfeitamente combinado com bons resultados em teses. A ideia de que para ter boas notas o estudante precisa sacrificar sua felicidade, portanto, não encontra respaldo nas análises da OCDE.

O papel do gestor

É preciso porém cuidado na análise desses estudos para não cair em armadilhas que gerem imobilismo, como simplesmente culpar professores ou alunos pela falta de diálogo ou de relações positivas de confiança. Há diversos fatores que influenciam na capacidade de uma escola de conseguir melhorar seu clima. Muitos deles são externos à escola (caso da violência numa comunidade, por exemplo) ou não estão sob a alçada direta da equipe gestora (como a falta de recursos para garantir uma infraestrutura adequada). Há, no entanto, ações que podem ser realizadas pelo diretor ou sua equipe que podem contribuir para esse objetivo.

Uma das ações que com frequência aparecem entre as citadas por gestores que tentaram atacar o problema é a mediação de conflitos.  Em depoimento para o Banco de Práticas do Observatório de Educação, a diretora Francidelia de Moura, da escola estadual Senador Osires Pontes (em Fortaleza/CE) contou que agressões físicas e verbais eram comum na escola e atrapalhavam o aprendizado dos alunos. A escola buscou então uma parceria com a ONG Terre des Hommes para desenvolver metodologias mais eficazes de resolução de conflitos. Além de formar mediadores, foram estabelecidos círculos de diálogos, em que os envolvidos no conflito seguram um objeto que representa a fala. No momento em que uma pessoa está segurando o objeto, as outras sabem que é o momento de escuta. Segundo a diretora, os resultados no primeiro ano foram promissores, com melhoria do clima e diminuição de ocorrências que dificultavam a rotina escolar.

 

Resolver conflitos não é a única dimensão importante para desenvolver habilidades socioemocionais dos alunos. Também em Fortaleza, o diretor Elienae Barroso, da escola Jociê Caminha de Menezes, identificou que o principal problema dos alunos era a baixa autoestima. Eles não acreditavam que poderiam ter bom desempenho acadêmico, por isso, sequer cogitavam fazer o Enem e ir para uma universidade. O lado emocional dos estudantes foi trabalhado então com uma abordagem mais ampla, que envolveu não apenas os profissionais da escola, mas também as famílias e a comunidade local. “Percebemos que o que a gente construía na escola era descontruído fora dela, pela família ou pela comunidade. Passamos a chamar a família para conversar sobre isso, e também a trabalhar essa questão [da motivação] com os funcionários, alunos e com a comunidade em geral.”. Barroso conta que, com esse apoio mais amplo, alunos passaram a se inscrever mais em concursos e olimpíadas de conhecimento, e houve também melhoria nos indicadores de aprendizagem da escola.

 

O poder da empatia

Às vezes, uma atitude do próprio diretor ou de um professor que rompa com o imobilismo e busque empatia com os estudantes é capaz de promover uma transformação significativa. Essa é a história que o diretor André Luis Barroso, do Colégio Estadual José de Souza Marques, no Rio, conta no documentário “Nunca me Sonharam”, do Instituto Unibanco. Ele relata que primeiro identificou 17 alunos que davam mais trabalho para os professores.

“[Disse:] tenho que pegar aquela galera que é a pior da escola. De rendimento baixíssimo, disciplina zero, agressividade. Quero esses 17 moleques comigo. Levei um dia eles para a biblioteca e falei: tenho um amigo que tem um Centro de Treinamento de futebol, e me pediu para levar um time da escola. E vocês serão o meu time. Será sábado agora. Vamos lá.” Barroso conta que os alunos ficaram animados com a possibilidade, mas se sentiram frustrados depois de terem perdido o jogo. Um deles comentou: “falamos que íamos ganhar, mas decepcionamos o diretor”.

“Foi aí que eu entrei e disse para eles: ninguém perdeu. Vocês continuam sendo a equipe da escola. Agora a gente vai começar a treinar (...) Naquele dia, o Guilherme [um dos alunos] falou assim: caraca, ninguém nunca acreditou em mim como o André acreditou. E naquele ano 60% daqueles moleques passaram de ano, 20% ficaram em dependência e uns 20% foram reprovados (...). Mas eles perceberam que alguém acreditou neles, e foi a deixa para mudarem. Esses moleques hoje são os mesmos que não depredam a escola. Semana passada, eu pintando uma sala, um deles veio e perguntou se precisava de ajuda.”

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Veja o relato de André Barroso no documentário “Nunca me Sonharam”

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 Eder Chiodetto

Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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