Nº 52 -jun.2019

GESTÃO

Reflexão sobre projeto de vida atribui sentido à escola

rientar os jovens na construção de seus projetos de vida, desenvolvendo o autoconhecimento e o estabelecimento de perspectivas de futuro. Esse tem sido um dos caminhos trilhados por algumas redes de ensino visando a oferta de uma formação integral, que prepare os estudantes para o exercício da cidadania e ao mesmo tempo contribua para redução dos elevados índices de evasão no Ensino Médio.

Vale destacar ainda que “projeto de vida” figura entre as 10 competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC):

“Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade”.

As chamadas “competências gerais” perpassam toda a Educação Básica, “articulando-se na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores, nos termos da LDB” – informa o documento do MEC.

Empreendendo seu projeto de vida

Pernambuco, por exemplo, foi um dos estados pioneiros na introdução dessa temática no Ensino Médio – inicialmente como conteúdo interdisciplinar e a partir de 2018 como componente curricular das escolas de tempo integral.

“A gente começa trabalhando com a temática da Identidade –  quem eu sou – que é justamente um movimento de autoconhecimento. Esse é o pontapé inicial. O segundo passo é o reconhecimento da comunidade em que o jovem está inserido: por que estou aqui? Por que optei por essa escola? E a partir daí a gente começa a convocá-lo a olhar para o futuro. O que projeta e planeja para o seu futuro pós-Ensino Médio?”, explica Maria Medeiros, Secretária Executiva de Educação Integral e Profissional da rede pernambucana.

Esses conteúdos são trabalhados nas aulas de Projeto de Vida e Empreendedorismo, duas vezes por semana, por meio de jogos e dinâmicas, caracterizando-se pelo seu caráter mais lúdico. Maria esclarece que a proposta não é que os jovens se tornem empreendedores de negócios, mas que “que empreendam seu projeto de vida”: “A gente precisa que o jovem acredite nos sonhos e que está fazendo um percurso formativo ao longo dos três anos do Ensino Médio que, sim, vai lhe dar condições de materializá-los”.

Maria ressalta ainda que a disciplina está alinhada à premissa do protagonismo juvenil, base do programa de educação integral do estado, e se destaca no currículo pelo seu impacto na aprendizagem. “Um estudante que é protagonista, que tem essa visão holística de mundo, que tem capacidade de sonhar e desejo de concretizar seus sonhos, muda a postura dele nas outras aulas. É focado, tem metas. Para mim, a estrela do currículo é Projeto de Vida e Empreendedorismo pelo potencial que essa disciplina tem de mudar o comportamento do jovem diante da vida”.

Pesquisa realizada pelo Laboratório de Pesquisa e Avaliação em Aprendizagem da Fundação Getúlio Vargas (LEARN/FGV), pela Oportunidades Pesquisa e Estudos Sociais e pelo Instituto Sonho Grande divulgada no último mês de maio concluiu que jovens formados nas escolas integrais de Pernambuco têm melhor desempenho no mercado de trabalho do que aqueles que estudaram em escolas de tempo parcial. Uma das hipóteses dos autores é que esses resultados podem ser atribuídos às habilidades socioemocionais desenvolvidas nessas escolas, por meio do estímulo ao protagonismo e projeto de vida.

A rápida ascensão do Ideb do estado, atribuída em boa parte à adoção e expansão do programa de Ensino Médio Integral, levou outras redes, como a do Espírito Santo, a implantar políticas similares. Nas escolas capixabas, “projeto de vida” é uma disciplina com duas aulas semanais e constitui o eixo principal das unidades de tempo integral. “O foco não é ajudar o menino a escolher uma profissão, e sim que ele aprenda a fazer boas escolhas num contexto geral”, ressalta Marcelo Lema, coordenador das escolas de tempo integral da rede.  É com base nessa construção sobre suas aspirações e sonhos, orientada por um tutor, que o jovem escolhe, por exemplo, as disciplinas eletivas.

Lema, que antes de assumir a coordenação atuava como diretor de uma escola de tempo integral, conta que observou de perto os benefícios desse trabalho com projeto de vida: “Traz para o estudante uma reflexão que normalmente não existe na rotina dele e abre um espaço de protagonismo, para ele se posicionar, se manifestar e desenvolver outras aptidões”.

Diante dos resultados alcançados nas escolas de tempo integral, a disciplina está sendo testada em seis escolas-piloto do novo Ensino Médio de tempo parcial e a ideia é que ela seja expandida para toda a rede. A decisão também visa contemplar as diretrizes nacionais.

Diretor de turma

No Ceará, orientar os jovens na construção de seus projetos de vida é uma das atribuições do professor diretor de turma – figura presente em 637 das 722 escolas da rede estadal. A atividade é desenvolvida durante as aulas semanais de “Formação para cidadania e desenvolvimento de competências socioemocionais”, ministradas por esse docente. Por meio de uma metodologia chamada “diálogos socioemocionais”, concebida pelo Instituto Ayrton Senna, é promovida uma reflexão sobre projeto de vida e são trabalhadas, ao longo dos três anos do Ensino Médio, cinco macrocompetências: autogestão, engajamento com os outros, resiliência emocional, abertura ao novo e amabilidade.

“O projeto tem uma base muito sólida nessa questão de formar o educando para a vida social, para a tomada de consciência, para que ele se humanize, entenda quem ele é e o prepare para a vida”,

explica Maria da Conceição Alexandre Souza, coordenadora estadual do Projeto Professor Diretor de Turma.

Também são atribuições do professor diretor de turma realizar atendimentos individuais dos alunos, momentos em que ele analisa junto com o jovem a sua produção e o seu desenvolvimento; receber os pais e elaborar dossiês sobre os estudantes (espécie de ficha biográfica sobre o desenvolvimento cognitivo e emocional de cada um).

Nesse contexto, o trabalho com projeto de vida se potencializa pela relação de confiança e proximidade que se estabelece entre o docente, os jovens e suas famílias. A presença do professor diretor de turma tem como proposta justamente promover uma cultura escolar de “humanização das relações” e “desmassificação do ensino”, considerando cada estudante na sua individualidade, sempre com foco na permanência, no sucesso escolar e na formação dele como cidadão, conforme explica Maria da Conceição.

Nas escolas

Quem está na ponta – o aluno – reitera o impacto positivo do trabalho com projeto de vida. Assim como em Pernambuco e no Espírito Santo, na rede estadual paulista, a temática integra o currículo do programa de educação integral do estado. Tainá Rodrigues, estudante do 3º ano do Ensino Médio da E.E. Alexandre Von Humboldt, localizada na zona oeste da capital paulista, conta que entrou na escola em 2018 já com a ideia de cursar Medicina Veterinária. Porém, com as atividades relacionadas a projeto de vida e a orientação de um professor tutor, teve a oportunidade de buscar mais informações sobre o curso e se aprofundar nessa reflexão sobre o seu futuro. “Amadureci muito. É uma formação que vou levar para o resto da vida”, afirma.

Além da abordagem do conteúdo em aulas semanais, nas quais o aluno recebe orientações sobre como estudar e é instigado a refletir e buscar informações sobre seu futuro acadêmico, os jovens contam com diversas outras ações que visam estimular a experimentação e o autoconhecimento. Dentre elas, a diretora da E.E. Alexandre Von Humboldt, Maria de Fátima Rizzo, destaca os clubes juvenis. Os clubes são grupos criados e encabeçados pelos próprios estudantes, nos quais são trabalhados temas específicos. Para instituí-los, os alunos precisam elaborar uma ementa (proposta) e submetê-la à aprovação da direção. Além de fomentar o protagonismo e a autonomia dos jovens, responsáveis pela criação e condução das atividades, os clubes são espaços nos quais eles podem vivenciar aprendizagens de acordo com seus interesses e perspectivas de futuro. Na Von Humboldt, atualmente existem clubes de dança, música, rugby, entre outros, totalizando 18 no total.

A diretora acredita que tanto os clubes como as outras ações desenvolvidas voltadas à orientação dos jovens têm impacto positivo tanto sobre o bem-estar e a aprendizagem dos estudantes como sobre o clima escolar. “Com esse trabalho, o jovem percebe que é capaz de construir o seu futuro. E começa a se respeitar e a respeitar o outro”, relata.

>> Redes vêm desenvolvendo ações para orientar jovens na construção de seus projetos de vida

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>> Iniciativas contribuem para formação integral dos estudantes, trabalhando competências socioemocionais

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>> Gestores reconhecem impacto positivo da inserção da temática no currículo sobre o clima escolar e a aprendizagem

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PARA SABER MAIS

  • Alunos de escolas integrais de PE têm mais chances de ir a faculdade e ganhar salário maior, diz pesquisa (notícia), G1 (23/05/2019): bit.ly/PesquisaEI_PE
  • A preparação para o futuro está contemplada nas competências gerais da BNCC? Canal Futura (19/03/2019): bit.ly/cursoFuturaBNCC
  • Base Nacional Comum Curricular | Ensino Médio: bit.ly/BNCC_EM
  • Inova Educação: ‘Projeto de Vida’ auxilia em habilidades emocionais: http://bit.ly/ProjetoVidaSP

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 Eder Chiodetto

Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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