Nº 56 - out.2019

GESTÃO

Evasão maior entre meninos requer atenção

PARA SABER MAIS

a  trajetória entre o segundo ciclo do ensino fundamental e o 3º ano do ensino médio, apenas 56% dos estudantes que começam o 6º ano na idade certa (aos 11 anos de idade) conseguem chegar, seis anos depois, ao final do médio, sem atraso ou evasão. Este dado preocupante foi calculado pelo Inep a partir dos registros de 2010 a 2016 do Censo Escolar e apresentado na X Reunião da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), em agosto de 2019. Do total de alunos acompanhados, 28% estavam atrasados em outras séries e 17% haviam abandonado a escola.

Considerando apenas os jovens do sexo masculino, menos da metade (49,3%) conseguiu seguir o percurso regular até o final do ensino médio; um em cada três apresentava defasagem idade-série, e 18% haviam já evadido. Entre as meninas, 61,3% cursavam o 3º ano e os índices de atraso (23,2%) e evasão (15,5%) eram inferiores em relação aos deles.

O levantamento também encontrou a mesma tendência entre o 2º e o 9º anos do Ensino Fundamental entre 2009 e 2016. Os dados revelam, portanto, que as meninas se sobressaem em termos de fluxo escolar desde os anos iniciais e seguem na dianteira até o fim da educação básica.

Os dados do Censo Escolar 2018 confirmam a taxa de distorção idade-série mais acentuada entre os meninos. A maior diferença no índice encontra-se no 6º ano do Ensino Fundamental, onde a taxa é de 31,6% para o sexo masculino e 19,2% para o sexo feminino.

A melhoria dessas taxas só será alcançada a partir de um esforço entre todas as instâncias do sistema educacional para identificar os jovens com maior risco de evasão ou repetência. E uma das características que requer atenção dos gestores é o fato de meninos terem probabilidade maior de insucesso escolar nesses indicadores.

Diferenças de comportamento

Esse quadro é uma realidade não só no Brasil, mas em diversos outros países, conforme aponta o boletim Pisa em Foco 49 (março/2015), produzido pela OCDE, que aborda a desigualdade de gênero captada nos dados da edição de 2012 do Pisa (avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura, Matemática e Ciências). O texto destaca que seis em cada dez alunos que não atingiram o nível básico de proficiência em nenhuma das três áreas eram meninos. Também aponta que “os meninos nos países da OCDE, por exemplo, são oito pontos percentuais mais propensos do que meninas a relatar que a escola é um desperdício de tempo”.

Na análise da OCDE, as diferenças de desempenho entre eles e elas são atribuídas às diferenças de comportamento entre os gêneros. Os meninos, por exemplo, gastam uma hora a menos por semana em deveres de casa do que as meninas, passam mais tempo jogando videogames do que as meninas e passam menos tempo lendo por prazer, em particular textos complexos, como ficção.

As práticas escolares e discriminações de gênero

A produção acadêmica voltada a compreender o fracasso escolar mais acentuado entre os meninos é mais abundante na literatura internacional. No Brasil, a professora Marília Pinto de Carvalho, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, é uma das pesquisadoras que vêm se dedicando a estudar o tema. No artigo “Quem são os meninos que fracassam na escola?”, ela reconhece a influência da família e do convívio social nas concepções de masculinidade e feminilidade trazidas pelas crianças para o âmbito escolar, mas ressalta que:

“é preciso também questionar as relações e práticas escolares, a cultura escolar, como fontes igualmente importantes na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, seja na construção de relações mais igualitárias.”

 

Nas pesquisas que desenvolveu junto a escolas de Ensino Fundamental da rede municipal de São Paulo, ela constatou que as professoras adotavam posturas ambíguas e critérios pouco claros na avaliação de meninos e meninas, variando conforme as expectativas e representações que tinham a respeito de cada um dos gêneros. Ela observou que os meninos encaminhados para o reforço escolar apresentavam comportamento considerado “indisciplinado” e fugiam, portanto, do perfil esperado de “bons alunos”. A raça e o nível socioeconômico dos alunos também tinham influência na avaliação feita pelas docentes, perceptível nos dados e presentes no discurso das professoras. A pesquisadora reforça “a impossibilidade de investigar as diferenças de desempenho escolar entre meninos e meninas sem considerar as desigualdades de classe e, especialmente, de raça ou cor”.

O recorte dos indicadores por raça mostra, de fato, que a cor da pele é uma variável importante também na definição da trajetória escolar, além do gênero. Conforme registrado em reportagem da Folha de S.Paulo (01/09/2019), “4 em cada 10 jovens negros não terminaram o Ensino Médio”. A notícia, produzida a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2018 tabulados pelo Instituto Unibanco, destaca que “ser negro no Brasil aumenta a chance de exclusão escolar ao longo da educação básica”. Aponta que as taxas de reprovação e abandono são mais acentuados entre a população negra (em especial entre os meninos) e que seis em cada dez alunos da Educação de Jovens e Adultos são pretos ou pardos.

Desigualdades de gênero

O tema das desigualdades de gênero no espaço escolar já foi abordado em edições anteriores do Aprendizagem em Foco, porém sob outra perspectiva: a do desempenho decrescente das meninas em Matemática ao longo do percurso escolar e a consequente menor inserção feminina nas carreiras da área de Exatas (edições 7 e 39). Na prática, significa que elas são minoria em alguns dos campos profissionais mais bem remunerados, como Engenharia e Tecnologia da Informação.

Também nesse caso, os estereótipos de gênero e as expectativas dos docentes e dos pais em relação aos estudantes são fatores preponderantes. Ambos os boletins chamam a atenção para o papel da gestão no enfrentamento da questão.

Variam ainda entre as meninas e os meninos os principais fatores de risco associados à evasão escolar, conforme abordamos na edição 5 do boletim Aprendizagem em Foco. No caso das meninas, a gravidez eleva em quase quatro vezes as chances de evasão, segundo estudo realizado pelo pesquisador Reynaldo Fernandes. Já entre eles, a participação no mercado de trabalho é o fator mais recorrente: dois terços dos jovens entre 15 e 17 anos fora da escola sem Ensino Médio completo estavam trabalhando ou procurando emprego.

Olhar para características que estão mais associadas ao risco de insucesso não significa que apenas um grupo deve ser objeto de atenção dos gestores ou políticas públicas. Pelo contrário, quando se trata do direito à educação, a única meta aceitável a ser perseguida é ter todos os alunos completando sua trajetória. A identificação de grupos mais vulneráveis, porém, permite refletir sobre as razões que podem estar afetando em especial aquele grupo e promover mudanças tanto nas práticas de sala de aula como nas políticas educacionais em curso.

 

>> Mesmo cenário também está presente em outros países

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>> Gestores e professores precisam estar atentos aos estereótipos e ter altas expectativas para todos

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>> Meninos reprovam e evadem mais do que as meninas

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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Redação e edição Fabiana Hiromi e Antonio Gois; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki