notícia de dois alunos feridos por outro estudante armado dentro da sala de aula de uma escola estadual localizada no município de Caraí (MG) no último dia 7 de novembro reacendeu o debate sobre violência nas escolas. A caracterização da escola como espaço de violência crescente entre os estudantes e entre estudantes e professores ou funcionários vem sendo reiterada pela mídia e está presente em estudos nacionais e internacionais recentes.
Na edição de 2018 da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 28% dos diretores de escolas públicas brasileiras dos anos finais do Ensino Fundamental apontaram “a intimidação ou o bullying entre os alunos como situação que ocorre semanal ou diariamente”- índice bem acima da média da rede pública da América Latina e dos países participantes do estudo. Cerca de 12% dos diretores no Brasil declararam ainda que as agressões (intimidação ou ofensa verbal) a professores ou funcionários ocorrem na mesma frequência - a média internacional é de 3%. O levantamento envolveu 250 mil professores e diretores de escolas de 48 países ou regiões.
De acordo com as respostas ao questionário da Prova Brasil 2017, 51% dos diretores de escolas públicas declararam ter ocorrido casos de agressão verbal ou física de alunos a professores ou funcionários da escola no último ano. No caso de agressões entre alunos, o percentual sobe para 72%. Embora chame a atenção em uma primeira leitura, é preciso ponderar que o dado reúne agressões verbais e físicas e um período de tempo abrangente. Ocorrências mais graves, como roubo (com uso de violência) e atentado à vida foram assinaladas em intensidade bem menor (por 2% e 3% dos diretores, respectivamente).
A pesquisadora Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), ressalta que é preciso analisar os dados com cautela. Ela explica que as pesquisas em geral denominam como “violência” diferentes tipos de condutas presentes no cotidiano escolar, desde atos de indisciplina, como falar ao celular durante as aulas ou distrair os colegas, comprometendo o bom andamento das atividades, até agressões físicas contra professores e outros alunos.
“O que a literatura e os estudos mostram – e não é o que a escola faz – é que é preciso distinguir os problemas de convivência na escola. Eles têm características diferentes e requerem intervenções diferentes. E muitas vezes a escola lida com tudo como se fosse violência e usa ‘remédios’ errados”, afirma.
Ela salienta ainda que as manifestações mais comuns nas escolas são as que “perturbam” o ambiente, como transgressões, indisciplinas e incivilidades, e não as de caráter violento. No questionário do Saeb 2017, 61% dos diretores declararam que o problema da indisciplina por parte dos alunos afetou em algum grau (pouco, moderadamente ou muito) o funcionamento da escola. Na Talis 2018, 42% dos diretores de Ensino Médio e 40% dos diretores dos anos finais do Ensino Fundamental afirmaram que colaboraram frequentemente para resolver problemas de disciplina em sala de aula no último ano.
Diante desse cotidiano marcado pelos conflitos, os educadores – que não são formados para lidar com essas situações – enfrentam dificuldades em lidar com a questão e geralmente optam por medidas de caráter punitivo ou repressivo.
Em 2016, em um Diagnóstico Participativo das Violências nas Escolas realizado pela Flacso Brasil, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), os jovens apontaram que as providências mais comuns quando ocorriam agressões na escola eram: chamar os pais ou responsáveis (38,6%); aplicar punições, como advertências e suspensões (26,4%); transferir ou expulsar o aluno (10,8%) e chamar a polícia (8,5%). Participaram do estudo 6.709 estudantes, de 12 a 29 anos, em sete capitais brasileiras.
A ineficácia das medidas de caráter punitivo já foi evidenciada em diversos estudos que relacionam a suspensão de estudantes à reincidência e à evasão e tema da edição 43 do boletim Aprendizagem em Foco.
Um outro ponto a ser destacado é que o uso desses expedientes não permite que a escola cumpra seu papel educativo e socializador, promovendo o diálogo, a convivência democrática e a empatia. “Os conflitos devem ser vistos como oportunidades de aprendizagem de habilidades sociais e emocionais e de desenvolvimento de pessoas autônomas e de fortalecimento de valores democráticos. O objetivo nunca deve ser conter comportamentos, mas como eu aprendo em uma comunidade, que é a escola, a utilizar estratégias assertivas, a expressar sentimentos sem agredir o outro”, afirma a pesquisadora Telma Vinha.
O que dizem as leis
A promoção de “medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas” e o estabelecimento de “ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas” estão previstas no artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases, modificada pela Lei 13.663 (2018).
A Base Nacional Comum Curricular também define como uma das 10 competências gerais que devem ser desenvolvidas ao longo da educação básica “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, suas identidades, suas culturas e suas potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza”.
Uma alternativa comum entre escolas que buscaram caminhos para o enfrentamento dos problemas de convivência é a utilização de estratégias de mediação de conflitos. Foi o que foi feito na EEFM Sendador Osires Pontes, de Fortaleza (CE). A diretora Francidelia Conceição Chaves de Moura conta que os alunos recorriam às agressões quando havia desavenças, o que comprometia o clima escolar e a aprendizagem. Por meio de uma parceria com uma ONG, foi realizada uma capacitação para formação de mediadores e utilização de uma metodologia de círculos de diálogo, em que as partes são colocadas frente a frente para resolução do conflito.
“A escola tem crescido muito nessa questão. Antes de brigar, eles aprenderam que podem recorrer ao diálogo”.
As iniciativas de gestores são válidas, porque mostram uma disposição da escola em assumir sua responsabilidade enquanto instituição educativa. Os especialistas no tema, no entanto, reforçam a necessidade de se criarem políticas públicas com esse foco, assegurando às escolas orientação, formação e suporte para lidar com a questão de forma estruturada e com resultados perenes. “É preciso uma política clara de convivência escolar envolvendo alunos, professores, pais. Programas de mediação escolar ou que trabalhem a questão socioemocional isoladamente não são suficientes”, pontua a pesquisadora Miriam Abramovay, pesquisadora da Flacso e autora de estudos e artigos sobre violência nas escolas.
Programas exitosos nessa área envolvem a realização de ações coordenadas, como a formação dos profissionais da escola, a criação de espaços permanentes de participação e para resolução de conflitos, a construção coletiva de regras de convivência e de sanções em caso de descumprimento e a inserção do trabalho com valores no currículo, entre outras. Países como Espanha e Colômbia contam com legislações específicas que determinam a elaboração de planos de convivência nas escolas, com objetivos e ações definidos, reforçando o papel da escola na formação de cidadãos democráticos e na prevenção e combate à violência.
Assista ao depoimento de Francidelia Conceição Chaves de Moura, diretora da EEFM Sendador Osires Pontes, Fortaleza (CE)
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