Nº 60 - fev.2020

GESTÃO

Fundeb é agenda prioritária em 2020

PARA SABER MAIS

a história da gestão pública brasileira, são raras as iniciativas que conseguiram se consolidar como políticas de Estado, sobrevivendo à troca de governos. Em se tratando de ações que alteram profundamente a distribuição dos recursos estatais entre entes federativos, a conquista de um consenso – ou ao menos de algo próximo disso – é ainda mais rara. Na educação, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é uma das poucas políticas que se encaixam nessas duas características. O Fundo é hoje vital para o financiamento da educação básica. Sua continuidade, porém, está em risco: a emenda constitucional que o criou, em 2006, previa a vigência até o ano de 2020. Para que seja mantido, ampliado e aperfeiçoado, é preciso que o Congresso Nacional aprove neste ano sua nova formulação.

O Fundeb é responsável hoje por mais de 40% do gasto do país em educação básica. Na prática, ele é constituído de 27 fundos independentes, um em cada unidade da federação. Por lei, um percentual de receitas de impostos e fundos é retido no Fundeb. O montante arrecadado é então redistribuído entre a rede estadual e as municipais, de acordo principalmente com o número de alunos.

A União tem na distribuição desses recursos um papel fundamental. A lei do Fundeb estipula o cálculo de um valor mínimo por aluno a ser garantido em todos os Estados. Nas unidades da federação em que os recursos próprios não são suficientes para atingir esse patamar, o governo federal entra com recursos. Em 2015, por exemplo, essa complementação ocorreu em dez Estados. Hoje, a participação da União no Fundo é estipulada em 10% de seu total. É por isso que o Fundeb tem também função fundamental na garantia de mais equidade no sistema, por reduzir a distância entre os Estados e municípios mais pobres e mais ricos. Um estudo feito pela Câmara dos Deputados em 2017 estimou que, sem o atual Fundeb, a desigualdade no valor por aluno, que hoje é de 564% na comparação do maior para o menor entre municípios, seria superior a 10.000%.

>> Modelo que vigorou até este ano diminuiu desigualdades no financiamento

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>> Mecanismo precisa ser aperfeiçoado, em busca de mais equidade e qualidade

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>> Fundo é das raras políticas públicas que sobreviveram à troca de governos

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Ampliação

O Fundef foi fundamental para reduzir o percentual de alunos de 7 a 14 anos fora da escola de 10% em 1995 para 3% em 2002. No entanto, o aumento da demanda por educação em todos os níveis de ensino deixava evidente que ele não era suficiente, devido à necessidade de também ampliar vagas na educação infantil e no ensino médio, setores que ficaram de fora do Fundo original. Foi com esse objetivo que, na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o MEC propôs a criação do Fundeb. Também na mesma Web Série, Tarso Genro, que foi ministro da Educação em 2004 e 2005, relembra que uma das maiores resistências vinha da área econômica do governo, que era contra a vinculação de receitas no orçamento, por diminuir a margem do Executivo para administrar as contas públicas. “Esse conflito ocorre em todos os governos e vai ocorrer em todos os orçamentos. É uma disputa sobre os rumos de um modelo de desenvolvimento”, diz Genro.

A aprovação do Fundeb aconteceu em 2006, já na gestão do sucessor de Genro no MEC, o ministro Fernando Haddad, que ficou no cargo até 2010. Para Haddad, o Fundeb, por vincular uma parte dos recursos ao pagamento de pessoal, foi fundamental para viabilizar a lei 8.035, de 2010, que criou um piso salarial para professores da Educação Básica.

Vale lembrar que o Brasil ainda está distante da meta 17 do Plano Nacional de Educação, que prevê a equiparação do rendimento médio dos professores aos de outras ocupações com nível superior. No entanto, de acordo com o Inep, essa distância tem diminuído. Um professor da educação básica recebia, em média, 61% do verificado nas demais ocupações universitárias em 2012, percentual que aumentou para 72% em 2019. Outra decisão de política pública positivamente impactada pelo Fundeb foi a ampliação, em 2009, pela emenda Constitucional 59, da faixa etária de escolaridade obrigatória para o intervalo de 4 a 17 anos de idade, o que significou a inclusão da pré-escola e do ensino médio, justamente níveis que ficavam de fora no Fundef.

Novo Fundeb

Como qualquer política pública longeva, o Fundeb necessita de aprimoramentos. Um dos primeiros já identificados é a necessidade de aumentar a participação da União. Outro ponto de atenção é o ensino médio, de responsabilidade principal das redes estaduais. Desde a criação do Fundef, elas têm sido menos beneficiadas, por atenderem menos alunos em comparação com os municípios. No entanto, a expansão das matrículas, ampliação do horário integral, e adaptação à reforma deste nível de ensino exigirá dos Estados um esforço adicional para fazer avançar o nível em que o país menos registra melhorias.

O Fundeb é uma conquista da sociedade, e teve efeitos positivos na diminuição das desigualdades de financiamento no setor. Mas precisa ser aprimorado, de modo a aprofundar seu caráter equitativo e de indução de qualidade no sistema. Nos dois momentos mais importantes na história do fundo – a aprovação do Fundef em 1996, e sua ampliação para o Fundeb em 2006 – o Congresso Nacional soube exercer a boa política: aquela construída por meio do diálogo, da escuta a diferentes atores da sociedade, e tendo como objetivo central a melhoria das condições de vida da população. É urgente que, de novo, esses sejam os princípios que norteiem o debate sobre um tema tão fundamental para a educação pública.

Histórico

As origens do Fundeb remontam ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), aprovado pelo Congresso Nacional em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a gestão, entre 1995 e 2002, do ministro Paulo Renato Souza, falecido em 2011. Em seu depoimento para a Web Série com ex-ministros da Educação produzida pelo Instituto Unibanco, Maria Helena Guimarães de Castro, que foi presidente do Inep e secretária-executiva da pasta na gestão de Paulo Renato, explica a origem da proposta.

O Fundef nasceu restrito ao ensino fundamental. Era o nível que mais preocupava os formuladores de política pública pelo fato de ser o único de escolarização obrigatória à época. Mesmo assim, o percentual de crianças de 7 a 14 anos que não estavam matriculadas em escolas era de 10% em 1995. Em busca de soluções, a equipe do MEC fez um cálculo sobre o investimento por aluno em cada Estado e identificou que havia um grave problema de desigualdade na distribuição dos já escassos recursos públicos. Isso levava a distorções, como o fato de haver redes com relativamente poucos alunos e mais recursos disponíveis em comparação com outras que atendiam um número maior de estudantes, mas com menos financiamento. O Fundef, portanto, nasce com a proposta de redistribuir recursos dentro dos Estados, considerando o número de alunos atendidos.

“Passou-se a desenvolver toda a lógica que incentivou a municipalização, porque, na medida em que os recursos eram arrecadados, a cesta de impostos que seria redistribuída pelo Fundef dependia, fundamentalmente, do número de alunos matriculados em cada rede. Então o Estado que tivesse pouco aluno perderia”, relembra Maria Helena Castro em seu depoimento.

  • Websérie Ex-Ministros de Educação do Brasil, Observatório de Educação, Instituto Unibanco https://bit.ly/2SugrWE
  • Perguntas e Respostas: O Que é e Como Funciona o Fundeb, Movimento Todos Pela Educação https://bit.ly/31Hfj6c
  • Universalização, Qualidade e Equidade na Alocação de Recursos do FUNDEB: Proposta de Aprimoramento para a Implantação do Custo Aluno Qualidade (CAQ), Claudio Riyudi Tanno, Câmara dos Deputados https://bit.ly/39spjD9
  • Financiamento da Educação no Brasil, Infográfico produzido pelo Instituto Unibanco. https://bit.ly/38f1xKs
  • Nota Técnica Consed/Undime, Em Defesa do Fundeb. https://bit.ly/2SDljss

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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