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Edição 96 | Maio de 2024
Dados de diferentes avaliações mostram que estudantes brasileiros apresentam uma defasagem histórica na aprendizagem de Matemática, que tem se mantido constante nos últimos anos. Por exemplo, 73% dos alunos brasileiros apresentaram baixo desempenho em Matemática no Pisa (isto é, não atingiram sequer o nível 2 de proficiência). Em outras palavras, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), esses jovens não alcançaram o padrão mínimo para exercer plenamente sua cidadania. Além disso, somente 1% atingiu alto desempenho na disciplina (igual ou superior ao nível 5). As médias da OCDE nesses níveis são de 31% e 9%, respectivamente.
Os resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) apontam na mesma direção. Em 2021, a proporção de alunos com formação adequada em Matemática no 3º ano do Ensino Médio foi de apenas 5%.
Isso traz prejuízos que extrapolam a dimensão desta disciplina ou da sala de aula, pois a matemática é essencial para o desenvolvimento do raciocínio lógico e do pensamento crítico. Essas são habilidades necessárias para resolver problemas em diferentes situações do mundo real e formular opiniões e decisões bem fundamentadas, possibilitando o exercício pleno da cidadania, em especial em um contexto cada vez mais dominado pela tecnologia e pelo excesso de informações.
O impacto é também econômico, já que as competências matemáticas são essenciais para o desenvolvimento para diversas atividades de alta tecnologia e valor agregado. Comparando as realidades de Brasil e França, o estudo Contribuição dos trabalhos intensivos em Matemática para a economia brasileira – lançado pela Fundação Itaú e Itaú Social em 2024 – mostra que, enquanto os rendimentos dos trabalhadores em ocupações intensivas em Matemática representavam 18% do PIB da França, no Brasil, a proporção é de apenas 4,3% do PIB.
Além de o percentual de trabalhadores ligados à Matemática ser mais baixo no Brasil (7,4%) em comparação com países europeus (10%), aqui as ocupações nessa área estão concentradas nos setores de serviços administrativos e tecnologia da informação. Na Europa, a concentração ocorre em engenharia e pesquisa, segmentos mais relacionados à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Por exemplo, na França, os engenheiros correspondem a 39% dos empregos relacionados à Matemática; no Brasil, o percentual é de 12%.
ENSINO MAIS PRAZEROSO
Um dos principais desafios das escolas em relação à aprendizagem de Matemática é justamente combater a crença de que Matemática é algo muito difícil, ou para poucos. Em entrevista ao canal do YouTube MyNews, o diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Marcelo Viana, salientou a importância da disciplina para que todos os indivíduos possam se constituir como cidadãos: “A matemática é uma condição de realização de cidadania. Uma pessoa que compra um eletrodoméstico no crediário e não entende o conceito de taxa de juros não se realiza como cidadã”, afirma.
Uma das estratégias possíveis, utilizadas por redes e escolas, para melhorar a aprendizagem em matemática é aproveitar o interesse dos alunos em competições externas. Em 2023, por exemplo, o governo do estado do Piauí criou o projeto Seduc Olímpica para promover, organizar e apoiar olimpíadas, feiras de ciências e/ou torneios que contribuam para melhoria da proficiência em todos os componentes curriculares da Educação Básica. Além disso, implementou o programa Recomposição de Aprendizagens, que propõe práticas voltadas para melhorar os indicadores educacionais da rede pública estadual com foco em Língua Portuguesa e Matemática.
Uma das formas encontradas pelo Centro Estadual de Tempo Integral Augustinho Brandão, escola situada na cidade de Cocal do Alves (PI) foi, também, promover a participação dos estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio em competições de Matemática, com destaque para a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).
O CETI criou grupos de estudo para o desenvolvimento das competências cobradas na OBMEP e passou a oferecer aulas de reforço no contraturno escolar e aos sábados. “Com o tempo, os professores de Matemática foram integrando todas as competências cobradas na OBMEP à sala de aula”, explica o diretor da escola, Darkson Vieira. “Com isso, o ensino foi se tornando mais prazeroso. Hoje, os alunos gostam muito das aulas e estão muito envolvidos com a disciplina”, afirma. Isso, segundo Vieira, repercute na aprovação dos alunos e nas avaliações externas, extrapolando a questão das olimpíadas. Ela destaca ainda que todas as atividades relacionadas à Matemática na escola são muito voltadas para a resolução de problemas e para o cotidiano dos alunos.
O Centro Estadual de Educação Profissional (CEEP) Liceu Parnaibano, localizado no município de Parnaíba (PI), seguiu o mesmo caminho. Além de criar um Laboratório de Estudos de Matemática e Estatística (Leme), a escola passou a oferecer aulas de preparação para as competições e a realizar eventos para reconhecer e bonificar os alunos que obtêm bons resultados nas olimpíadas. “Nossa intenção é valorizar o compromisso e a dedicação dos alunos, para que tenham vontade de aprender”, explica o diretor Fernando Lima.
“A matemática é uma condição de realização de cidadania. Uma pessoa que compra um eletrodoméstico no crediário e não entende o conceito de taxa de juros não se realiza como cidadã”
Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA)
ENVOLVIMENTO COLETIVO
Competições externas podem servir de estímulo aos alunos, mas as ações das escolas obviamente não precisam se limitar a elas. De acordo com o professor de Matemática Rafael Araújo, o Liceu Parnaibano, por exemplo, mantém diferentes programas para melhorar a aprendizagem dos alunos no Ensino Médio, com aulas realizadas no contraturno. “Utilizamos metodologias ativas de aplicação de jogos e atividades diferenciadas para trabalhar de forma lúdica com os alunos e aumentar sua motivação”, explica. Ele cita como exemplo o uso do jogo de dominó para trabalhar a questão das potências em sala de aula e a construção de sólidos geométricos pelos próprios alunos, com materiais recicláveis, para o estudo de geometria espacial.
Já a Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Francisco Soares de Oliveira, localizada no município de Pires Ferreira (CE), se apoiou nas práticas do projeto Avança Mais Ensino Médio para melhorar a aprendizagem de Matemática entre seus estudantes. Entre essas práticas estão a realização de simulados diagnósticos e avaliativos; a oferta de aulas interventoras, com base na realidade das turmas, e de aulas no contraturno para os alunos em nível crítico e muito crítico; a promoção de gincanas interativas; e o reconhecimento dos alunos que apresentaram avanços nos simulados realizados.
“Um dos principais pilares para o alcance dos resultados foi a sensibilização dos estudantes, para reconhecerem suas dificuldades e buscarem a melhoria não apenas através de esforços individuais, mas do envolvimento coletivo da escola. Essa partilha se iniciou a partir do momento em que colocamos como uma das ações prioritárias a socialização periódica dos resultados. Juntos, alunos e professores estipulavam suas metas individuais e, consequentemente, as metas da turma”, relata a diretora da escola, Ismarya Pontes Neri de Sá Moreira.
Por fim, mas não menos importante, cabe mencionar que a importância do desenvolvimento dessas habilidades ligadas à Matemática não deve representar uma hierarquização ou priorização das disciplinas de Exatas em relação às de Humanas. A complexidade dos desafios contemporâneos e as aceleradas transformações sociais, climáticas e tecnológicas que as atuais e futuras gerações enfrentarão demandam uma abordagem interdisciplinar que contemple também a criatividade, a argumentação e o pensamento crítico na resolução de problemas. Por isso o conceito STEM (sigla em inglês para ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas) evoluiu para STEAM, com o “A”, de Artes, acrescido representando essa nova abordagem.
“Um dos principais pilares para o alcance dos resultados foi a sensibilização dos estudantes, para reconhecerem suas dificuldades e buscarem a melhoria não apenas através de esforços individuais, mas do envolvimento coletivo da escola"
Ismarya Pontes Neri de Sá Moreira, diretora da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Francisco Soares de Oliveira, localizada no município de Pires Ferreira (CE)
Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Para fazer algum comentário, envie um e-mail para: instituto.unibanco@institutounibanco.org.br
Produção editorial: Redação Carmen Nascimento; Edição Antônio Gois
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki
Colaboraram nesta edição: Clóvis Almeida Silva e Monalisa Basto
