Menu
Edição 86 | Março de 2023
Mais do que uma data de celebração, o 8 de março (Dia Internacional da Mulher) é marcado, no Brasil e no mundo, pela luta em defesa da igualdade de gênero e de direitos de meninas e mulheres constantemente violados. Um deles é o acesso à higiene menstrual, considerado um direito e uma questão de saúde pública desde 2014 pela Organização das Nações Unidas (ONU). A chamada “pobreza menstrual” refere-se à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que meninas e mulheres tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.
O problema tem sido alvo de atenção de gestores e educadores, porque afeta o bem-estar, o desempenho escolar e o desenvolvimento pleno das estudantes. “A primeira menstruação normalmente acontece para noventa por cento dessas meninas nessa faixa de 11 a 15 anos, ou seja, elas passam de três a sete anos menstruando dentro do ambiente escolar. Então, muitas vezes, a gente precisa olhar para essa escola e entender como ela está apresentando o tema da menstruação”, afirmou Rayanne França, oficial do Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (Unicef) no Brasil, em entrevista ao episódio do podcast O Futuro se equilibra, do portal Porvir.
A escola também tem papel importante na garantia de condições básicas para que as adolescentes realizem sua higiene de forma adequada. Segundo o relatório Pobreza Menstrual no Brasil – desigualdades e violações de direitos, divulgado em 2021 pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Unicef, 321 mil alunas (3,0% do total de estudantes brasileiras) estão em escolas que não possuem banheiro em condições de uso; 1,24 milhão (11,6% do total) não têm à sua disposição papel higiênico e mais de 3,5 milhões estudam em escolas sem sabão nos banheiros.
A pobreza menstrual tem impacto na frequência escolar. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2013, do IBGE, das meninas entre 10 e 19 anos que deixaram de fazer alguma atividade (estudar, realizar afazeres domésticos, trabalhar ou até mesmo brincar) por problemas de saúde nos 14 dias anteriores à data da pesquisa, 2,9% citaram problemas menstruais como causa. É um índice superior, por exemplo, às faltas em decorrência de gravidez e parto, mencionadas por 2,6% das jovens.
Para fazer frente a essa situação, em março deste ano, o Congresso confirmou, na íntegra, o conteúdo da Lei nº 14.214, de 6 de outubro de 2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Foi retomado o trecho da lei que previa a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua que havia sido vetado em outubro de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro.
ACESSO À INFORMAÇÃO
A garantia do direito à dignidade menstrual também passa pelo acesso ao conhecimento sobre o tema. “A escola é um lugar onde a gente precisa também dialogar sobre esse assunto porque é um espaço de convivência, de interação e em que, muitas vezes, a menstruação ainda é tratada como um tabu. Então, a gente acaba tendo situações constrangedoras, bullying, muitas vezes ocasionados pela falta de informação”, destaca Rayanne, do Unicef.
O relatório do UNFPA e do Unicef defende que “a educação integral em sexualidade, incluindo a educação menstrual, deve ser mais amplamente difundida, não apenas com o enfoque para prevenção à gravidez não intencional, mas também como uma ferramenta para que as pessoas que menstruam conheçam seus próprios corpos, conheçam seu ciclo menstrual e haja promoção de bem-estar”.
Os dados sobre a presença do tema nas salas de aula são bastante escassos. O documento cita números da edição de 2015 da PeNSE, que constatou que 80% das alunas de 14 anos receberam na escola orientações o tema, uma taxa quase 17% maior que a registrada entre meninas de 18 anos – um possível indicativo de que a prática está se tornando mais comum nas escolas.
O levantamento também mostrou que a desinformação sobre prevenção à gravidez indesejada é 19% maior entre os meninos quando comparado com as meninas. O relatório salienta que “é fundamental que os meninos e homens também tenham acesso ao conhecimento sobre o ciclo menstrual, não apenas para que se responsabilizem pela prevenção à gravidez não intencional, como também para que tenham um comportamento mais respeitoso com as meninas e mulheres que menstruam”.
NAS ESCOLAS
No âmbito da gestão escolar, diversas ações podem ser desenvolvidas com o objetivo de contribuir para o enfrentamento da pobreza menstrual. Na Escola Estadual Professora Maria Teixeira da Fonseca, localizada em Tarumirim (MG), produtos de higiene pessoal, como absorventes, desodorantes e lenços umedecidos, passaram a ser disponibilizados gratuitamente no banheiro feminino a partir de uma ação proposta por duas alunas. “Montamos uma caixinha e colocamos a frase ‘Use quando for necessário, doe quando puder’”, relata a estudante Ana Clara Moreira do Vale, em depoimento ao Banco de Soluções do Observatório de Educação, do Instituto Unibanco.
A diretora da escola Silvania Beltrame destaca que o projeto não se limitou à distribuição dos produtos. “O que eu achei mais interessante é que elas [as idealizadoras da ação] dão dicas de higiene: quanto tempo que a mulher pode ficar com absorvente, de quanto em tempo deve trocá-lo… No ambiente elas colocaram plaquinhas orientando as meninas a ter esse cuidado com o corpo”, conta. “Foi uma bela iniciativa nessa retomada, porque os alunos lembraram que eles podem sim ter essa abertura com a direção da escola de propor ideias, serem ouvidos”, pensa Silvania.
Clique aqui acessar o Banco de Soluções.
Na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Lúcia Helena Viana Ribeiro, situada em Horizonte, município da Região Metropolitana de Fortaleza (CE), foi por iniciativa do grêmio estudantil que, desde fevereiro, absorventes íntimos passaram a ser distribuídos nos banheiros da escola. Também foram realizadas palestras sobre saúde da mulher na instituição.
“Foi um gesto de empatia e generosidade gigantescas. Muita gente não se atenta para esse ponto e acaba não percebendo que a pobreza menstrual, infelizmente, ainda é uma realidade na vida de muitas meninas”, observa Annielly Santiago, 19, ex-aluna da escola, formada em Enfermagem e uma das palestrantes, em reportagem da Agência Mural sobre o projeto.
Uma pesquisa interna foi realizada pelo Grêmio. Além das avaliações positivas sobre a iniciativa, o levantamento também confirmou a importância de disponibilização dos itens também no banheiro masculino para atender às pessoas trans, não-binárias e de gênero fluido. O texto destaca ainda a intenção do grupo de dar continuidade à disseminação de informações sobre questões de gênero e sexualidade, em diálogo com cidadania e autonomia em sociedade.
Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Para fazer algum comentário, envie um e-mail para: instituto.unibanco@institutounibanco.org.br
Produção editorial: Redação Fabiana Hiromi; Edição Antônio Gois
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki
