Sons de crianças conversando 

Apresentadora: Frequentar a escola é essencial para crianças e jovens, como pudemos perceber melhor desde que a pandemia de Covid-19 chegou por aqui. Mas apenas o convívio com outros estudantes e professores não é suficiente para que o direito à educação se realize integralmente. Os alunos precisam se formar como pessoas plenas – e uma peça fundamental desse caminho é o aprendizado, um instrumento para que eles interpretem o mundo à sua volta. E como saber se esses processos estão acontecendo da maneira esperada em cada uma das redes escolares? É aí que entram as avaliações, o tema deste episódio do Artigo 205. 

Olá! Eu sou a Marta Avancini.

Apresentador: E eu sou o Rubem Barros. Seja muito bem-vinda e muito bem-vindo. 

Assegurar uma educação de qualidade aos mais de 47 milhões de estudantes matriculados na Educação Básica ainda é um dos principais desafios do Brasil. Nas últimas décadas, a gente avançou significativamente na matrícula das crianças e dos adolescentes, mas diversos indicadores apontam que ainda temos um longo percurso pela frente. É o que mostram os resultados do Saeb, o Sistema de Avaliação da Educação Básica, que monitora aprendizagem dos estudantes. 

Voz de repórter (TV Brasil): Apenas 1,6% dos alunos que concluíram o Ensino Médio tem aprendizagem adequada em Língua Portuguesa. 

Voz de repórter (TV MEC): Já quando o assunto é Matemática, a maioria está no nível quatro. Os dados são resultados de testes amostrais do Saeb 2019. 

E o desempenho do Ensino Médio brasileiro foi o que o subiu mais entre as etapas de ensino: a média passou de 3,8 para 4,2 pontos.

Apresentador: Antes de a gente começar a avançar aqui no programa, é importante esclarecer as diferenças entre os tipos de avaliação de que estamos falando e o que é o Ideb, que é um indicador que combina resultados do Saeb e índices de aprovação de cada escola e rede. Um dos tipos de avaliação é a formativa, normalmente realizada pelo professor ao longo do ano letivo para acompanhar o desempenho do aluno. Ela é que traz subsídios para o seu trabalho em sala de aula normalmente. As provas são a maneira mais comum de fazer esse acompanhamento, embora não sejam — e não devam ser — a única. Existem também as avaliações externas de larga escala, que são testes padronizados aplicados a uma amostra ou a todos os estudantes. O objetivo é levantar informações sobre aprendizagem que possam ser úteis para fazer diagnósticos e orientar políticas públicas. E, como vamos acompanhar ao longo deste programa, um dos desafios mais urgentes no momento atual é conciliar estas duas dimensões: a formativa e a de larga escala, tendo em vista a melhoria da qualidade da educação. 

Apresentadora: Em linhas gerais, o Saeb revela, por exemplo, que nas etapas finais da Educação Básica o ganho em termos de aprendizagem é menor. Assim, do total de adolescentes que concluem o Ensino Médio, apenas 5% atingem o nível considerado adequado em Matemática, segundo dados do Saeb de 2019. No 9º ano, são 21,5%. Em contrapartida, também mostra que as crianças vêm melhorando. No 5º ano do Fundamental, 49% dos estudantes têm aprendizagem adequada em Matemática, um salto de 25 pontos percentuais no intervalo de dez anos. O Ideb, por sua vez, revela as desigualdades regionais e também os avanços. No caso das redes do Amazonas e da Bahia, por exemplo, apenas 29% e 24%, respectivamente, dos alunos tiveram desempenho adequado nas competências de leitura e interpretação no 9º ano. Já no Rio Grande do Sul e em São Paulo, foram 43%. Os estudantes de Goiás nos anos iniciais tiveram a maior evolução das últimas edições do Saeb. Em 2015, 38% tinham desempenho adequado em Matemática no 5º ano. Em 2017, foram 47% (nove pontos percentuais a mais). 

As avaliações externas começaram a ser implementadas no Brasil na virada das décadas de 1980 e 1990, com a criação do Saeb. Na época, também surgiram o Exame Nacional de Cursos Superiores, o antigo provão, que em 2004 se transformou no Enade, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, e também o Enem, que inicialmente era uma prova para avaliar as competências e as habilidades desenvolvidas pelos estudantes ao longo da Educação Básica. A partir de 2009, o Enem foi reformulado e passou a ser o principal meio de ingresso nas universidades públicas. Antes disso, em 2007 foi lançado o Ideb, cujo ciclo de monitoramento da qualidade das redes de ensino e escolas termina este ano, em 2021. Todo esse aparato tem ajudado gestores, educadores e a sociedade a compreender e a melhorar a educação brasileira, cumprindo diferentes papéis ao longo do tempo.

Apresentador: Para Sandra Zákia, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a história das avaliações em larga escala no Brasil pode ser dividida em três gerações, como definiu em um artigo escrito em parceria com a Alicia Bonamino. A primeira geração, na década de 1990, diz respeito às avaliações diagnósticas, pensadas para subsidiar as políticas educacionais. Por isso, elas tinham um desenho amostral e seus resultados não diziam respeito diretamente à performance das escolas e, sim, das redes e dos sistemas de ensino. 

Sandra Zákia: As iniciativas começam em uma perspectiva diagnóstica e muito voltada para subsidiar as políticas educacionais. E, portanto, ela tinha um desenho de base amostral, sem possibilidade de que fossem geradas consequências diretas para a escola, para o currículo, para os professores ou para os alunos. 

Apresentador: A segunda e a terceira fases são marcadas por avaliações censitárias, que permitem conhecer a situação específica de cada escola. Isso acontece em um contexto de mudança da lógica da gestão das políticas educacionais, que passaram a ter um olhar focalizado, o que pode ser bom para o desenho de soluções mais efetivas para cada realidade, mas também pode gerar competição e desigualdade entre as escolas e as redes. 

Sandra Zákia: Nós chegamos a um desenho avaliativo que, em vez de  caminhar em uma direção capaz de promover democratização de ensino, acabou por induzir a práticas educacionais que acirram desigualdades. 

Apresentadora: Em muitas escolas, as avaliações externas mobilizam as equipes pedagógicas durante boa parte do ano. Esse é o caso da escola de referência em Ensino Médio Alberto Torres, em Recife (PE). 

Há 32 anos, Girselha da Silva Queiroz dirige a instituição, que atende 750 alunos em dois turnos diários de sete horas cada. Para ela, o bom desempenho de seus alunos no Saeb está relacionado à atenção que a equipe escolar dispensa à prova. 

Girselha da Silva Queiroz: Este ano nós vamos nos preparar para as provas externas. Nós começamos a avaliar os resultados anteriores junto com toda a equipe pedagógica, com quem a gente fazia o trabalho de análise estatística, análise dos descritores com as maiores dificuldades e um trabalho pedagógico com interdisciplinaridade, no qual os coordenadores, junto com os professores de Português e Matemática, contribuem com essa nova visão de trabalho interdisciplinar. E aí é um trabalho diário, semanalmente, no qual os professores das demais disciplinas com mesmas dificuldades que têm, conta com a contribuição dos professores de Português, com quem eles podem inovar nos descritores com maior dificuldade.

Apresentadora: A escola realiza diagnósticos rotineiramente e incentiva os alunos com bom desempenho a atuarem como monitores, por meio de um programa do governo do estado que concede bolsa a estudantes que atuam nessa função.

Girselha da Silva Queiroz: E eles trabalham nesse atendimento duas vezes por semana. Nesse acompanhamento, os alunos constroem o seu plano de aula e dão atendimento de uma hora, duas vezes por semana, a grupos de alunos onde apresentam maior dificuldade dentro dos descritores. Isso também está sendo uma inovação no estado de Pernambuco, está dando certo. Os alunos monitores estão muito empolgados porque eles já trabalhavam e agora estão trabalhando com uma ajudazinha de custo, que também vale a pena para eles!

Apresentadora: Apesar do bom desempenho da escola, um desafio que Girselha enfrenta é engajar os professores das disciplinas não avaliadas no Saeb na manutenção e na melhoria dos resultados já conquistados.

Girselha da Silva Queiroz: Primeiro a gente precisa conscientizar os professores das demais disciplinas da necessidade de se integrar, informando que não é de responsabilidade só do professor de Português e de Matemática o resultado de aprendizagem da escola. Ela é de todos que fazem a escola: do porteiro ao professor e à gestão. Todos nós somos responsáveis pelo resultado. Agora, partindo para um resultado de integração e de envolvimento, a gente primeiro faz a parte de conscientização. A gente, sabendo que existem algumas dificuldades de os professores identificarem, por exemplo, nas áreas de História, Geografia, que descritor poderia trabalhar para contribuir com a melhoria do resultado do aluno de um conhecimento em Português, cabe ao professor de Português, junto com a equipe pedagógica, orientar, dentro do assunto que o professor está trabalhando, como integrar esse descritor (que às vezes já integra, mas não identifica que é se já está trabalhando o descritor aqui). Esse texto que você está trabalhando aqui de Geografia, História, já está trabalhando descritor. O que a gente enfrenta maior dificuldade é o próprio professor de outras áreas identificar o descritor.

Apresentador: Quando pensamos na educação à luz do direito, é essencial olhar para as desigualdades — uma das marcas mais profundas do Brasil. Se a meta é oferecer uma escola de qualidade para todos, é preciso encontrar maneiras de fazer com que cada criança, independentemente da sua condição socioeconômica, raça, gênero, etc., aprenda e desenvolva todo o seu potencial. As avaliações de larga escala podem ser um aliado nesse sentido, desde que considerem esses aspectos nos seus resultados. 

Francisco Soares: O Brasil tomou uma decisão que há 20 anos foi importante, que foi dizer: “gente, vamos olhar resultados em vez de olhar simplesmente propostas, direções. Vale se a criança está na escola, vale se a criança aprendeu”. E aí vieram as avaliações. Mas, nesse processo, ele deixou de fora duas dimensões que são muito importantes: primeiro, há diferentes estudantes que estão aprendendo em diferentes ritmos, enxergando em diferentes pontos. Então há uma diferença muito grande no Brasil.

Apresentador: Esse é o Francisco Soares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-presidente do Inep. Ele também é um dos criadores do Idea, um indicador de desigualdades e aprendizagens em cada município brasileiro.

Francisco Soares: Quando eu olho resultado por nível socioeconômico dos estudantes, o resultado é muito diferente entre quem está no quintil superior de quem está no quintil inferior. E aqui eu estou falando apenas de escola pública. E foi isso que basicamente o Idea faz: ele coloca à disposição indicadores de desigualdade, mostrando que nos municípios brasileiros existe uma diferença muito grande, seja entre brancos e pretos, entre brancos e pardos e entre alunos de nível socioeconômico mais alto e de nível socioeconômico mais baixo. É claro que nos municípios maiores, como por exemplo São Paulo, você tem desigualdades muito grandes entre determinados grupos. Quando eu pego os estudantes que se autodeclararam pretos na cidade de São Paulo, é muito assustador o nível de exclusão no qual eles se incluem, percebe? Então ali são os meninos pretos e pobres. Isso é geral no país, mas, em São Paulo, é de forma dura esse tipo de realidade.

Apresentadora: Currículo e avaliação devem caminhar lado a lado, porém, essa não é uma realidade em boa parte das escolas brasileiras — não porque as equipes ignoram deliberadamente os resultados dos testes, mas porque, muitas vezes, os diretores e os coordenadores pedagógicos não sabem como utilizá-los em suas ações voltadas à melhoria da aprendizagem. Vamos ouvir a análise da professora Debora Jeffrey, da Faculdade de Educação da Unicamp e líder do grupo de estudos em pesquisa e avaliação sobre esse tema.

Debora Jeffrey: Eu acho que há um desconhecimento em muitas escolas em como analisar e fazer a leitura e a análise, por exemplo, das inferências estatísticas que, muitas vezes, são apresentadas. Possibilitar essa interpretação já favorece muito. Os relatórios precisam vir, talvez, em uma linguagem mais acessível para quem está na escola, para quem está no cotidiano. Muitas vezes o acesso vem já de um filtro ou uma interpretação de uma assessoria ou de uma equipe da própria secretária estadual ou municipal de educação, direcionando quais são grupos de escolas que são exitosos e os não exitosos. Isso muitas vezes acaba direcionando o tipo de questionamento ou de ação que vai ser tomada.

Apresentadora: A colaboração entre as secretarias e as escolas, aliada à interpretação dos resultados à luz da realidade local, é um caminho possível, segundo Debora.

Debora Jeffrey: Precisa ser feito um trabalho, mesmo, de acompanhamento técnico e de diagnóstico, entendimento, formação e uma construção que eu acredito que precisa ser coletiva, não pode ser centralizada em alguns sujeitos ou agentes da escola, aos quais a coisa chega e cai de paraquedas. (Deve haver) envolvimento da comunidade escolar nesse entendimento. E isso é um projeto também que se deve ser assumido não só por gestores e gestoras, mas pela própria comunidade escolar. Se ela não se sentir integrada e participante, a gente pode ter a melhor assessoria, a melhor formação e não vai reverberar no resultado esperado.

Apresentador: A cidade de Roque Gonzales, no Rio Grande do Sul, tem dez escolas e mil alunos. Localizada no Oeste do estado, melhorou os índices de aprendizagem e aprovação entre 2015 e 2019, quando 66% dos alunos do 5º ano do Fundamental atingiram níveis adequados de aprendizado em Matemática. No 3º ano do Ensino Médio, apenas 8% chegaram a esse nível. Como o ritmo do avanço não tem sido suficiente, o fórum municipal de educação decidiu acelerar o processo, como conta a secretária de educação de Roque Gonzales, Mirian de Oliveira Barcelos.  

Mirian de Oliveira Barcelos: Debatemos bastante esse índice no fórum e a gente começou a planejar e a fazer estratégias. Estamos fazendo um planejamento de projetos na grade curricular. Agora nós temos que aprovar a grade curricular do próximo ano e estamos tentando inserir algumas disciplinas que possam melhorar a disciplina de raciocínio lógico. Porque na Matemática o que a gente precisa é interpretar primeiro a questão e os nossos alunos como um todo estão um pouquinho com preguiça de ler, de fazer aquela interpretação. Eu acho que a internet traz as coisas muito prontas e a gente precisa ensinar eles a ler, a interpretar o texto para o bom desenvolvimento da Matemática. A interpretação de texto não traz só boas notas em Português, mas na Matemática também.

Apresentador: Para viabilizar a incorporação do conteúdo na grade curricular, a rede está revendo a organização das disciplinas e o modo como os professores trabalham com os alunos. 

Mirian de Oliveira Barcelos: A gente está tentando fazer uma organização na qual a gente consiga uma aula de raciocínio lógico. A gente vai desmembrar um pouquinho a Matemática em si do cálculo aplicado para que a gente possa, em 1 hora/aula (eu sei que pode ser pouco), mas que na grade curricular já esteja contemplada essa aula de raciocínio lógico das interpretações das questões matemáticas. Muitas vezes a prática pedagógica foca no cálculo aplicado, mesmo, mas nós estamos tentando sair um pouquinho desse planejamento para que se aplique, então, uma aula em que eles possam ensinar a prática de problemas que possam ser solucionados por meio da sua interpretação, não do cálculo lógico, com as contas, as regras e as fórmulas da Matemática. 

Apresentadora: A articulação das avaliações externas com o currículo é um tema considerado urgente e que está no centro do debate educacional, como sinaliza Mirela de Carvalho, gerente de gestão do conhecimento do Instituto Unibanco.

Mirela de Carvalho: O fato é: esse modelo de avaliação e as metas do Ideb vai chegando a um esgotamento. A gente tem agora, em 2021, o final da era Ideb. Tem agora a discussão toda de qual será o novo indicador de metas para o Brasil e temos também toda a discussão de que o sistema de avaliação precisa ser remodelado para acompanhar as mudanças no ensino: a BNCC e o Novo Ensino Médio.

Apresentadora: A mudança que Mirela menciona diz respeito à adequação das avaliações e dos indicadores à lógica dos novos currículos elaborados com base na BNCC, um documento com força de lei homologado em 2017 para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. E, em 2018, para o Ensino Médio. A Base define o conjunto de habilidades que se espera que os estudantes desenvolvam, de forma progressiva, ao longo da vida escolar. A implementação dos novos currículos nesse formato começou em 2019 nas escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental e chegará às escolas de Ensino Médio em 2022. Em síntese, o desafio que está posto é fazer com que o currículo e a avaliação apontem para a mesma direção e se retroalimentem.

Mirela de Carvalho: Com a Base Nacional Comum Curricular, a gente tem a oportunidade de inverter de fato esse jogo e fazer as coisas como elas devem ser: em função dessas diretrizes, conseguir redesenhar, adequar o Saeb e o Enem também ao que é o pacto brasileiro de base curricular. É aquela velha história do cachorro: é o cachorro que abana o rabo ou o rabo que abana o cachorro? A gente agora está em vias de aceitar isso.

Apresentadora: E o processo não é simples, pois envolve mudanças em várias frentes. 

Mirela de Carvalho: É duplamente complexo: é complexo fazer a prova e é complexo mudar o mindset de todos os educadores para que a gente funcione nesse modelo por competências (que é menos avaliação de conteúdo e mais de competências, de como a gente desenvolve competências e usa resultados de avaliação dessa natureza). É duplamente desafiador.

Apresentadora: Nessa busca por um novo caminho, a experiência internacional surge como uma referência possível. O PISA, da OCDE, e o PIRLS, uma avaliação de leitura no 4º ano do Fundamental e que será aplicada no Brasil pela primeira vez em 2021, são citados como referências por usarem questões abertas, que exigem mais dos estudantes do que as de múltipla escolha adotas no Saeb, por exemplo. 

Mirela de Carvalho: Agora, a grosso modo, o que a gente tem visto é: primeiro, a questão da múltipla questão reduz muito o raciocínio no processo cognitivo de resolução do problema que está sendo proposto. Às vezes a gente faz provas de múltipla escolha e elas podem estar realmente medindo um conhecimento mais raso, mais focado em conteúdo e menos expressando uma competência, como uma capacidade de análise ou uma aplicação de determinada solução em um problema. 

Apresentador: Ao lado dessas questões técnicas relacionadas às características dos testes e dos indicadores, outro aspecto importante são as articulações políticas para viabilizar as ações que permitam que as redes estaduais e municipais consigam efetivar a sinergia entre os currículos e as avaliações.

Francisco Soares: Nós precisamos, então, empurrar a avaliação na direção de ensino. Isso é uma necessidade, primeiro, da União: nós fizemos a BNCC e nós não desenvolvemos os documentos pedagógicos que deveriam vir. Quais são esses documentos?

Apresentador: São dois: o primeiro deve explicar, em linguagem pedagógica, o que a BNCC diz. O segundo documento diz respeito aos padrões de desempenho por ano e por disciplina.

Francisco Soares: O governo federal não tendo feito — e parece que as pessoas não percebem a importância disso — dificulta muito, porque esse não é um trabalho complicado, mas é um trabalho grande. Os estados, certamente os municípios, alguns poucos teriam condições de fazer isso. 

Apresentadora: Mas, diante da ausência de uma coordenação nacional, os estados têm conseguido se articular e colocar em marcha programas de formação para gestores, coordenadores e professores sobre os novos currículos e avaliações. Segundo Mirela de Carvalho, o primeiro passo, que é explicar o novo arranjo curricular, já foi dado. 

Mirela de Carvalho: Tem um segundo passo que a vai precisar dar (e eu acho que faz falta o MEC nesse segundo passo) que é realmente ter ofertas de modelos de formação, que a gente tenha abordagens e conteúdos para essa formação direcionada para professores, gestores escolares e coordenadores pedagógicos — mas uma formação que dê um passo além do informativo, um passo além de explicar o grande desafio e a grande mudança que está por vir e que nós vamos protagonizar. É a formação na qual a gente vai realmente trabalhar com as ferramentas para esse novo ensino. Portanto, é trabalhar com o currículo em si, com os descritores da avaliação, como formular esses itens para avaliação formativa ou essas rubricas… como a gente vai trabalhar sequências didáticas exemplares para os professores poderem concretamente ver do que a gente está falando, que aula nova é essa que precisa acontecer.

Apresentadora: Nesse contexto, os estados têm se saído bem, apesar da ausência da coordenação nacional. 

Mirela de Carvalho: Vejo a grande maioria dos estados brasileiros apropriada e engajada na mudança que tem que ser feita e produzindo essa escadinha de mudança. Agora a gente está no degrau um, a gente ainda não tem o degrau dois. Depois a gente vai ter que ir para o degrau três. Vamos ver se no degrau dois a gente vai continuar com os estados protagonizando e com que tipo de apoio do MEC aparecerá para o degrau dois. Mas os estados são capazes.

Apresentador: Em meio a tantos desafios, o Ceará está desenhando um modelo de política pública ancorado na ciência de dados. 

Jorge Lira: O programa chama-se Cientista Chefe e há vários cientistas chefes em educação, que é o meu caso, também em segurança pública, saúde, infraestrutura, fazenda… A ideia é: onde houvesse algum grupo de excelência em pesquisa temática das universidades aqui na região, a fundação de apoio pusesse esses pesquisadores em contato com a secretaria de estado, ou algum setor estratégico da gestão pública, para que a gente pudesse ter um desenho de colaboração diferente do que é mais tradicional. A gente continua vinculado à universidade, todo o nosso network de pesquisa, de pós-graduação, a gente mantém, intensifica, mas orienta para que nós acompanhemos políticas públicas gestadas, gerenciadas pelas secretarias em convênio, em consórcio conosco.

Apresentador: Esse é o Jorge Lira, matemático e professor da Universidade Federal do Ceará. Ele é o coordenador do programa que é mantido pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Criado em 2018, tinha como foco analisar os resultados em Matemática, a fim de identificar os fatores que prejudicam o desempenho dos alunos, sobretudo aqueles do 3º ano do Ensino Médio.

Jorge Lira: A ideia seria fazer uma análise de cunho estatístico, mas também pedagógico, sobre o que retém, o que atravanca, impede esse desempenho. 

Apresentador: Feitas as primeiras análises, os pesquisadores descobriram que a queda de desempenho estava associada a falhas na formação docente e a necessidade de revisitar os fundamentos da Matemática ao longo da escolarização. 

Jorge Lira: Elas começaram a pautar a ideia de que nós deveríamos trabalhar não só os dados, não só minerá-los e extrair boletins, digamos, para a gestão, mas havia de ter uma interferência, mesmo, no processo: começar a propor processos de formações de professores, de alinhamento do currículo à avaliação e uma retroavaliação desse binômio avaliação-currículo, porque, de outra forma, a gente poderia se ocupar o tempo todo de fazer análises, entregar à secretaria, fazer os boletins econométricos, estatísticos, mas isso nos pareceu pouco.

Apresentador: Partido das análises dos resultados, a equipe se envolveu diretamente na formatação de uma matriz que pauta a avaliação. Essa matriz define os testes e todo o processo de devolutivas, de geração de dados e de sua tradução pedagógica.

Jorge Lira: Esse documento, de um lado, e o currículo, de outro, poderiam ser só dois calhamaços ali, dois instrumentos que ninguém colocaria em prática. Então a gente intuiu que era preciso trazer fortemente o professor — não apenas os professores nessas ações piloto, mas os professores da rede como um todo para dentro do processo.

Apresentador: Paralelamente, o grupo trabalhou na formatação de um novo currículo pautado pela matriz. 

Jorge Lira: Esses desenhos foram progressivamente sendo trabalhados em formação de professores. Nós chegamos ao currículo pronto, realmente mais formalizado, agora no final deste ano. A gente teve a entrega formal desse currículo para o estado em todas as áreas, inclusive Matemática. Esse currículo que nasce desse esforço já foi integrado por definição a esse desenho avaliativo.

Apresentadora: Se você quer se aprofundar nesse tema e saber mais sobre avaliação, assista ao ciclo de webinários “O presente e o futuro das avaliações educacionais”, realizado pelo Instituto Unibanco em parceria com o Conselho Nacional de Educação. As gravações estão disponíveis no YouTube do Instituto. 

Com este episódio, chegamos ao fim desta temporada do Artigo 205. Em oito programas, tratamos de alguns dos temas centrais do debate educacional na atualidade, tendo sempre como eixo o direito à educação. Nós falamos sobre o papel do diretor escolar, os desafios para a implementação do Novo Ensino Médio e a importância da articulação da educação com outras áreas sociais. Também abordamos o risco que a evasão representa para o direito à educação, os impactos da desigualdade no acesso, na permanência e na aprendizagem, além do financiamento.

Apresentador: O podcast Artigo 205 é uma produção da Rádio 2 para o Instituto Unibanco, com a coordenação executiva e direção da Fabiana Altran. A produção e edição são da Patrícia Sperandio, com o apoio da Cláudia Oliveira. Sonoplastia de Isaac França. Trilha sonora original de João Do Val Rodrigues e Nicolas Rabinovitch. A identidade visual é assinada por Bonita Produções. A Marta Avancini e eu apuramos, entrevistamos, roteirizamos e apresentamos este episódio, que contou com áudios da TV Brasil e da TV MEC.

Apresentadora: Até a próxima temporada!

Apresentador: Até lá!