Nº 43 - out.2018

GESTÃO

Empatia é mais eficaz do que punições

PARA SABER MAIS

cena não é estranha para quem costuma estar dentro de uma sala de aula. Um(a) professor(a) tenta ensinar o conteúdo aos estudantes, mas é constantemente interrompido pela indisciplina de uma minoria. Após tentar, sem sucesso, pedir silêncio e retomar o controle da aula, pede para os responsáveis pela desordem se retirarem da sala. Em situações mais extremas, como brigas, bullying e vandalismos, a punição costuma ser mais forte: os pais são comunicados, o(a) estudante vai direto para casa e só retorna dias depois.

É totalmente plausível esperar que todo ato de indisciplina seja acompanhado de algum tipo de sanção ou punição. Afinal, em uma pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013, foi constatado que os professores brasileiros perdem cerca de 20% de suas aulas por conta de problemas desse tipo. Dados da OCDE, do mesmo ano, também colocaram o Brasil como número um no ranking de violência contra professores: na enquete, 12,5% dos profissionais disseram sofrer violência verbal ou intimidação por estudantes pelo menos uma vez por semana.

Acreditar que a impunidade seja uma das causas desse problema e que punições à altura de cada infração podem contribuir para um ambiente mais tranquilo e disciplinado costumam fazer parte do senso comum da gestão escolar. Mas nos últimos tempos, diversos estudos, principalmente nos Estados Unidos, vêm apontando para um caminho oposto. Na Universidade de Stanford, pesquisadores demonstraram que uma atitude mais empática diante da indisciplina, no lugar de uma punitivista, é capaz de reduzir consideravelmente os índices de suspensão (confira aqui o artigo na íntegra).

Foram realizados diversos experimentos com professores de matemática e estudantes do ensino primário e secundário de escolas públicas americanas. Em um deles, por exemplo, alunos instigados por situações fictícias afirmaram respeitar mais o(a) professor(a) quando este(a) buscava resolver o problema com diálogo, ou a partir de breves intervenções, em vez de punições mais duras. Em outro experimento, já envolvendo a realidade da sala de aula, professores que adotaram reações mais empáticas diante de atos de indisciplina conseguiram reduzir os índices de suspensão pela metade.

Em outro estudo internacional, “O efeito de suspensões escolares e prisões no comportamento antissocial adolescente na Austrália e nos Estados Unidos”, realizado em 2006 em torno de escolas desses dois países, pesquisadores demonstraram que as suspensões podem contribuir para que esses estudantes adotem ou intensifiquem comportamentos antissociais. Algumas das possíveis razões apontadas pelos autores é que a punição impõe um estigma negativo ao aluno perante à comunidade escolar, desconecta-o de um ambiente socialmente positivo e aumenta a possibilidade de exposição a outros fatores de risco, além de reforçar o contato com demais jovens na mesma condição. Importante ressaltar que na pesquisa da OCDE que citamos há pouco, a Austrália encontrava-se em 3º lugar no ranking de violência contra o professor, logo não estamos falando de realidades muito distantes da nossa.

E no Brasil, como é a punição em sala de aula?

A ausência de registros e informações sistematizadas sobre a questão dificultam a realização de pesquisas que lancem luz sobre o problema. Contudo, mais do que uma incógnita, a falta de dados também pode ser sintoma de um método utilizado, na maior parte das vezes, de forma arbitrária, sem seguir padrões muito claros. Sem um protocolo sobre quando e como aplicar alguma punição, estudantes podem ter a sensação de que são punidos(as) por mero capricho do(a) professor(a). Em pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 2016, com dados contextuais do sistema de avaliação educacional do Acre de 2012, mais de 46% dos(as) estudantes concordaram muito ou um pouco com a afirmação de que são punidos por atos que não realizaram, e quase 36% de que são colocados(as) para fora de sala “por qualquer motivo”.

É claro que opiniões desse tipo, por parte de estudantes, podem ser questionáveis, já que a falta de clareza de critérios pode gerar um sentimento de injustiça. Mas o dado não deve ser ignorado, pois pode revelar uma certa dificuldade de se estabelecer normas mais claras para o comportamento em sala de aula e que guardem um mínimo de consenso entre estudante e professor(a). Essa questão foi enfatizada nos Boletins de Aprendizagem 4 e 23 – “Como reduzir a indisciplina e melhorar o clima escolar?” (2016) e “Clima positivo contribui para redução das desigualdades escolares” (2017) –, além de ser também reforçada pela pesquisa da UFJF, a qual apontou que quanto maior a percepção sobre o contexto normativo, maior o desempenho escolar.

O que pode ser feito no lugar da suspensão?

Para Virginia Vilagran Pinheiro, diretora da EEFM Matias Beck, em Fortaleza, no Ceará, expulsar o(a) estudante somente transfere o problema da escola para a comunidade – esta que, com menos capacidade de controle, ação e diálogo, terá muito mais dificuldade para resolvê-lo. A gestora defende a prática da mediação de conflitos, que pressupõe uma responsabilização de ambas as partes, tanto do(a) professor(a) quanto do(a) aluno(a). Por exemplo, quando picharam o banheiro da escola que havia sido recentemente reformado, mesmo com os próprios alunos(as) esperando que a pessoa responsável fosse suspensa, entendeu-se que, em vez de um ato a ser simplesmente reprimido, deveria ser dada uma maior atenção ao contexto por trás do problema.

Assista ao depoimento  da diretora Virginia Pinheiro, diretora da EEFM Matias Beck, em Fortaleza, no Ceará

“Faz parte da natureza do adolescente essa questão de colocar o nome, de se auto afirmar com essa pichação, seja na parede, seja na carteira”, pondera Virginia. E a partir dessa reflexão, a gestão resolveu disponibilizar um outro espaço para que estudantes pudessem se expressar, de modo a terem a liberdade de escrever desde o próprio nome a recados e pensamentos que compartilhavam e sentiam necessidade de expor ao resto da escola. Além de evitar a medida extrema da suspensão, que só isolaria ainda mais o jovem, a diretora preferiu agir em torno daquilo que poderia ser uma das causas do ato de indisciplina.

A base da atitude de Virginia é aquilo que falamos no início deste boletim, o sentimento de empatia. Atitudes empáticas no ambiente escolar não significam apenas “ser legal” ou “bonzinho” com os(as) estudantes, mas entender que transgressões e atitudes consideradas erradas têm uma causa, são fruto de um contexto específico. E, muitas vezes, ao desviar o olhar desse contexto, professore(a)s e diretore(a)s podem estar ajudando a perpetuá-lo.

>> Sanção impõe estigma negativo a estudantes e aumenta a possibilidade  de exposição a outros fatores de risco

1

>> Sem um protocolo, estudantes podem se sentir injustiçados(as) e adotar ou intensificar atitudes antissociais

2

>> Ter normas transparentes e comunicadas com clareza melhora o desempenho

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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