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 “Dificilmente uma gestão terá sucesso sem comunicação adequada e eficiente.”

Virgínia Rita dos Santos, diretora da Escola Francisco Nascimento, em Serra (ES)

Melhorias foram tanto no percentual de aprovados quanto nos testes de Matemática e Português

Nº 46 - jan.2019

Gestão foi chave para avanço do Espírito Santo no Ideb

• Jovens capixabas tiveram maiores médias do país em Matemática e Português • Melhoria no Ensino Médio ocorreu mesmo em período de forte ajuste fiscal no Estado • Currículo, apoio a escolas, carga horária ampliada e Lei do Piso também explicam avanços

Entre 2013 e 2017, nenhum estado avançou tanto no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Ensino Médio público estadual quanto o Espírito Santo. Esse movimento ocorreu pelo aumento nas taxas de aprovação na rede estadual (de 79% para 86%) e, principalmente, pelo fato de os jovens capixabas terem o melhor desempenho do país nos testes de Matemática e Língua Portuguesa entre as redes estaduais. O Estado avançou, no período, 13 pontos em Português e 20 em Matemática na escala do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Para efeito de comparação, no mesmo intervalo de tempo, o Brasil melhorou em apenas quatro pontos sua média em Português e permaneceu estagnado em Matemática.

O Espírito Santo é o segundo Estado retratado na série deste Boletim Aprendizagem em Foco sobre as quatro unidades da federação com melhores resultados no Ideb do Ensino Médio. Goiás, tema da edição anterior, Pernambuco e Ceará completam a lista.

Um fato a ser destacado no avanço do Espírito Santo foi o de que ele ocorreu num período de grave crise fiscal no país. “A educação sem dúvida precisa de mais dinheiro, mas as pessoas às vezes acham que basta colocar mais que resolve. Mostramos que, administrando bem os recursos existentes, é possível conseguir melhores resultados”, diz Haroldo Rocha, titular da secretaria de educação entre 2015 e 2018.

Antes de destacar a prioridade que foi dada à melhoria da gestão, o ex-secretário também cita outras ações importantes, algumas delas tomadas em cenários mais favoráveis economicamente, que contribuíram para o salto de qualidade. Uma delas foi a elaboração de um currículo para os Ensinos Fundamental e Médio, em 2009, o que permitiu que as escolas, em vez de se pautarem principalmente pelos livros didáticos, passassem a ter uma orientação geral comum a toda a rede.

Outras ações prévias que gestores capixabas citam como importantes foram a ampliação, em 2010, da carga horária de todas as escolas de quatro para cinco horas diárias e a regulamentação da Lei do Piso Salarial no Estado, estabelecendo que o terço de horas de atividade fora de sala de aula acontecesse necessariamente dentro da escola. Essa ampliação da carga horária, a melhor orientação dos objetivos a serem atingidos pelo currículo, e a garantia de um tempo aos professores para colaborar e aprender com os colegas foram ações realizadas que demandaram investimentos, mas facilitaram o avanço recente na rede e resistiram à troca de governos.

Melhoria da gestão

O cenário enfrentado a partir de 2015, no entanto, não permitia aumento significativo de recursos. Desde então, o Espírito Santo priorizou a melhoria da gestão. Para Andréa Guzzo Pereira, ex-gerente de Ensino Médio do Espírito Santo, nesse processo foi fundamental a parceria com o Instituto Unibanco. Ela diz que os instrumentos e métodos de monitoramento que o Instituto trabalhou junto com a rede facilitaram o movimento de focar a gestão para resultados pedagógicos, envolvendo todos os atores relevantes para essa mudança. “Do nível do gestor da escola até o da secretaria, todos na rede têm acesso à mesma informação e podem acompanhar o desenvolvimento do plano de ação pedagógica da escola”.

Haroldo Rocha concorda: “Reorganizamos toda a rede para focar na aprendizagem dos alunos. Com uma melhor gestão, você consegue avançar mais na aprendizagem. E não estamos falando apenas da gestão da escola, mas de todo o sistema. Não adianta melhorar só numa ponta se a outra também não avançar. Com uma boa gestão de todo o sistema, é possível economizar em gastos que não geram resultado de aprendizagem para investir em ações que geram”, afirma Rocha.

Para que todas as instâncias da rede trabalhem em harmonia e com o mesmo foco na aprendizagem, um personagem fundamental, citado pelos gestores capixabas, é o supervisor da escola. “É um agente externo que fortalece a equipe da escola e trabalha em conjunto para focar nos resultados de aprendizagem. A escola, falo como pedagoga, às vezes parece um tsunami diário. A rotina é capaz de engolir qualquer planejamento. Para quem está dentro da escola, é muito difícil manter esse foco na aprendizagem se não houver apoio”, diz Andréa, gerente do Ensino Médio.

Ela destaca que, para executar essa função, é importante também formar esse profissional para fazer a leitura dos dados de aprendizagem. E é fundamental, também, que o supervisor tenha sensibilidade em sua atuação e seja capaz de construir relações de confiança com a escola.

Equilíbrio

Muitas vezes, esse supervisor escolar tem diante de si o desafio de realizar intervenções quase cirúrgicas, pois precisa tomar cuidado para não extrapolar a autonomia escolar e nem se omitir diante de problemas. Roberta Taddei Moreira, supervisora que atua em quatro escolas da região metropolitana de Vitória, destaca justamente esse risco de ultrapassar a linha tênue entre apoiar e fiscalizar.

Caso vá além, o profissional pode ser encarado na escola como um intruso, alguém que está ali só para controlar o trabalho dos outros. Por outro lado, ao pecar pelo excesso de cuidado, seu apoio pode não ter o efeito necessário. A gestora ressalta que isso vale para todos os profissionais: “Já fui coordenadora pedagógica e me arrependi muitas vezes de não apontar o erro de um colega, justamente por não saber exatamente como fazê-lo”.

Alex Zorzal, também supervisor no Espírito Santo, entende que o trabalho deve levar em conta as particularidades de cada escola, de modo a ter sensibilidade para perceber em qual terreno está pisando, buscando o diálogo no lugar do enfrentamento.

Mas esse diálogo nem sempre é fácil de se estabelecer. Virgínia Rita dos Santos, diretora da Escola Francisco Nascimento, em Serra, afirma que dificilmente uma gestão terá sucesso sem comunicação adequada e eficiente. De acordo com ela, no dia a dia do chão da escola é ainda mais necessário ter empatia e se colocar no lugar do outro.

É o que também parece guiar a supervisora Roberta Moreira quando afirma que em seu trabalho procura resgatar aquilo que a motivou a entrar para a educação. “Tento fazer o outro entender que também já fui professora, já estive no mesmo lugar que ele e passei pelas mesmos desafios e dificuldades. Hoje, sou técnica, mas o especialista da área é ele”. Ela acredita que por mais capacitado que seja o supervisor, seu trabalho não terá o resultado esperado se não for abraçado pela comunidade escolar.

 

Relações de confiança

A figura do supervisor ou superintendente da escola não é exclusiva do Espírito Santo. Quase todas as redes estaduais ou municipais de grande porte têm em sua estrutura um profissional que atua na intermediação entre a escola e a secretaria. O que os gestores capixabas destacam como fundamental no caso deles para que essa relação seja bem-sucedida é a confiança entre os atores.

“Nós tínhamos na rede um supervisor com um papel demasiadamente fiscalizatório, e trabalhamos para que ele fosse mais um profissional de assessoramento e apoio. Queríamos que as escolas deixassem de temê-lo para querê-lo. Os protocolos utilizados por eles antes eram para verificar se a escola tinha um plano de ensino, se os professores registravam as aulas, se tinha um projeto político pedagógico. Mas não se verificava se essas ações estavam resultando em melhoria da aprendizagem. Hoje, eles são mais direcionados para a ação pedagógica”, explica Andréa Pereira, ex-gerente de ensino médio.

Ela cita a definição de aulas dadas, oficializada em janeiro de 2018 através de uma portaria, como um exemplo prático dessa alteração de foco, de um sistema mais burocrático para outro realmente focado na aprendizagem. Essa mudança foi facilitada quando, no âmbito do programa Jovem de Futuro (do Instituto Unibanco), a rede passou a monitorar melhor o número de aulas dadas nas escolas.

“Antes acontecia muito de uma falta não programada de um professor ser substituída por uma atividade que nada tinha a ver com a disciplina ou com o planejamento dele. Os alunos iam para a biblioteca, e era como se não tivessem perdido aquela aula. Hoje, o professor faz um planejamento de aulas que ainda serão dadas para que, se precisar faltar sem aviso prévio, a escola tenha como colocar outro profissional que possa repor aquela aula planejada. Isso surgiu da parceria com o Instituto Unibanco, e acabou virando uma diretriz da secretaria, estabelecida em portaria”.

‘Diretor não é síndico’

Para que o foco na gestão pedagógica não fique apenas no discurso, outra lição do Espírito Santo é a importância de selecionar bem os diretores, que lá são escolhidos por concursos que envolvem não apenas uma prova, mas também entrevistas e a elaboração de um projeto pedagógico a ser apresentado para a comunidade escolar. Outra ação importante alinhada à estratégia de focar na aprendizagem foi tirar dos ombros dos diretores responsabilidades que desviavam sua atenção desse objetivo principal.

Nesse sentido, o secretário Haroldo Rocha cita ações desenvolvidas desde 2008, como a terceirização da alimentação. “O diretor gastava o tempo dele para comprar óleo, arroz, beterraba... Era preciso tirar isso das costas dele. Sua função não é a de síndico, mas de um líder do processo pedagógico na escola. Trabalhamos à exaustão essa ideia de que o principal resultado da escola é a aprendizagem. E, se é assim, o diretor precisa ser o principal responsável por ela”.

Na Escola Francisco Nascimento, a estratégia da diretora Virgínia dos Santos para liderar esse processo pedagógico é saber distribuir a liderança e construir relações de confiança. Lá, é possível verificar uma cultura de gestão calcada na divisão de tarefas e na comunicação eficiente com todos os atores do sistema, ou seja, da regional de ensino até professores, pais e alunos. A escola teve, em 2017, um Ideb de 5,5 no ensino médio, bastante superior à média nacional de 3,5.

Enquanto dava entrevista para este boletim, por várias vezes funcionários, alunos e professores se aproximaram de sua sala. Em alguns casos, foi possível notar que bastava um gesto para que todos se entendessem. A confiança que tem na equipe permite que ela distribua melhor as tarefas e tenha mais tempo, como principal gestora da unidade, para acompanhar mais de perto as ações pedagógicas.

O fato de não estar sobrecarregada com funções administrativas permite a Virgínia, por exemplo, dar mais atenção a professores e funcionários novos. O primeiro passo, porém, é conquistar a confiança. A diretora da Francisco Nascimento costuma assistir às aulas dos professores, para identificar boas práticas ou pontos de atenção para melhorar. Ela explica, porém, que só faz isso quando o profissional se sentir totalmente à vontade: “Eu preciso baixar a guarda para que o professor entenda que estou para ajudar”.

Empatia

Virgínia procura manter com os estudantes, também, a mesma relação de confiança e empatia que busca com os professores e funcionários. Por exemplo, nos últimos anos, o ato recorrente de expulsar o aluno de sala, ou até suspendê-lo, foi revisto, novamente em prol de uma atitude empática. “O aluno pode até sair de sala, mas para conversar comigo, ou com o coordenador. O objetivo é ganhar a sua confiança, nunca perdê-la”, pondera a diretora. Para ela, o fracasso escolar está nos detalhes, “é muito fácil perder um aluno, uma turma”, de modo que se deve medir cada ação e avaliar seus respectivos impactos.

Na distribuição de tarefas e responsabilidade, os estudantes têm também bastante protagonismo, até mesmo em ações pedagógicas. No Espírito Santo, há um projeto em toda a rede estadual de escolher alunos para serem monitores de outros com dificuldade de aprendizagem. Na Francisco Nascimento, esse projeto foi aperfeiçoado.

A diretora considerou que era necessário ir além. Assim, o monitor ganhou uma relação mais estreita com o aluno monitorado. Em vez de somente estar disponível para dúvidas, passou a supervisioná-lo e acompanhar de perto também o seu desenvolvimento emocional. Como incentivo a este maior protagonismo pedagógico pelos estudantes, caso o desempenho do monitorado de fato melhore, o monitor soma metade desse crescimento para a sua nota. De acordo com os próprios alunos, a linguagem que utilizam às vezes traduz melhor alguns conteúdos da disciplina, o que pode facilitar o aprendizado. “Nem sempre o outro consegue entender uma explicação do professor. Então a gente, pelo fato de conseguir se comunicar melhor com o colega, pode às vezes explicar com mais facilidade”, explica Beatriz Constantino, 14 anos, aluna do 8º ano. “É bom para a gente, porque quando corremos atrás para ajudar o colega, a gente também acaba estudando e aprendendo mais”, diz Rafael Rodriguez, 13 anos, também do 8º ano.

O incentivo ao protagonismo jovem não se resume ao projeto de monitoria, nem à escola Francisco Nascimento. No âmbito da parceria com o programa Jovem de Futuro, foram realizadas três edições do encontro “Diálogos sobre a Gestão”, em que estudantes e gestores tiveram a oportunidade de estreitar laços e debater juntos formas de melhorar a aprendizagem. Todas as escolas estaduais capixabas possuem ainda um Conselho de Líderes, instituído por uma portaria da Secretaria de Educação, também com o objetivo de estimular a participação dos estudantes na gestão.

Avaliações

Como em outros Estados visitados pelo Boletim Aprendizagem em Foco, as avaliações têm, também, um papel importante no Espírito Santo. Além da estadual anual, é feita também uma trimestral, em harmonia com o currículo estadual, e que é devolvida rapidamente para a escola. A partir dela, cada professor pode trabalhar nas dificuldades identificadas nas turmas e até mesmo aluno por aluno.

 

 

Na Escola Francisco Nascimento, por exemplo, os resultados dessa avaliação ficam expostos num grande mural dividido em três cores: vermelho, amarelo e verde. Na coluna vermelha, são afixados os códigos de descritores (letras e números que indicam qual habilidade ou competência foi medida na avaliação) que precisam ser priorizados. Na amarela, são colocadas as fichas com os descritores que precisam ser reforçados, e, na verde, ficam aquelas em que os alunos já apresentam desempenho suficiente, mas que mesmo assim podem ser aprofundados. Ao lado dessas três colunas estão descritas algumas ações sugeridas, como apoio pedagógico extraclasse, grupos de estudos dos alunos, e lista de exercícios. Além do diagnóstico geral da escola e por turma, o sistema do Espírito Santo permite também que o professor tenha informações do desempenho por aluno, permitindo uma atenção especial aos estudantes que estão com mais dificuldade.

Esses resultados não são analisados apenas pelo professor ou pela equipe da escola. As unidades regionais da secretaria, percebendo que há dificuldades em comum em várias escolas, podem a partir deste diagnóstico propor uma formação ou metodologias para os professores trabalharem nesses pontos.

Referência

Além da melhoria da gestão e de todas as ações citadas neste boletim, o ex-secretário Haroldo Rocha cita também outros programas que podem continuar contribuindo para a melhoria dos indicadores de aprendizagem. Um deles é o Escola Viva, inspirado numa experiência de escola integral em Pernambuco. Outro é o Paes (Pacto Pela Aprendizagem no Espírito Santo), uma parceria com os municípios capixabas, inspirado num programa do Ceará. Como se vê, o Espírito Santo, em busca de soluções para seus alunos, não se furtou a olhar experiências bem-sucedidas em outras Estados. E hoje virou, ele próprio, referência em gestão.

PARA SABER MAIS

No topo do ranking, ES alavanca ensino médio sem inventar a roda. Folha de S. Paulo
https://bit.ly/2N7NYpS

“Ensino Médio no Espírito Santo: Juventudes e Garantia do Direito à Aprendizagem”, capítulo de Ricardo Manuel dos Santos Henriques e Haroldo Corrêa Rocha no livro “Espírito Santo: Como o governo capixaba enfrentou a crise, reconquistou o equilíbrio fiscal e inovou em políticas sociais”
https://amzn.to/2MBH3BK

Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo
https://sedu.es.gov.br/paes

Escola Viva
https://sedu.es.gov.br/escola-viva

Relatório de Atividades - Jovem de Futuro Espírito Santo
https://bit.ly/2TQN53N

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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 “A educação sem dúvida precisa de mais dinheiro [...].

Mostramos que, administrando bem os recursos existentes,

é possível conseguir melhores resultados”

Haroldo Rocha, secretário de educação entre 2015 e 2018