“Nossa preocupação é ajudar a escola a fazer um movimento pedagógico, trabalhando a partir desses dados com apoio de materiais da própria secretaria”.
Marcelo Jeronimo Araújo, ex-superintendente de gestão pedagógica
“A tutoria não vai à escola simplesmente para fiscalizar. Ela oferece suporte, analisa os dados de aprendizado e discute em conjunto soluções”
Raquel Teixeira, ex-secretária de educação
“Gestão democrática e protagonismo jovem são destaque nas escolas Verany Machado de Oliveira e José Ribeiro Magalhães”
Goiás foi a única rede estadual no país que conseguiu superar a meta traçada pelo MEC para o Ensino Médio.
Nº 45 - jan.2019
De dois em dois anos, sempre que são divulgados os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), um diagnóstico se repete: o país comemora avanços nos primeiros anos do Fundamental, percebe melhorias em ritmo mais lento no segundo ciclo, mas lamenta a estagnação verificada no Ensino Médio. A média brasileira, porém, esconde trajetórias distintas entre os Estados. Enquanto alguns pioram ou ficam parados, outros apresentam avanços sustentáveis, até mesmo no Ensino Médio. Nas próximas quatro edições deste Boletim Aprendizagem em Foco, serão analisadas experiências dos Estados líderes no Ideb: Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará.
O primeiro caso a ser retratado é o de Goiás, única rede estadual no país que conseguiu superar a meta traçada pelo MEC para esta etapa. De 2007 a 2017, enquanto o Ideb nacional variou apenas 0,3 ponto (de 3,2 para 3,5), Goiás deu um salto de 1,5 ponto (de 2,8 para 4,3), superando em 0,1 ponto a meta de 4,2 estimada para 2017. Foi a maior média do Brasil entre redes públicas estaduais no índice, que congrega taxas de aprovação com o desempenho dos alunos em testes de português e matemática.
Avanços pontuais no Ideb por vezes podem acontecer puxados apenas pelo aumento nas taxas de aprovação ou exclusivamente pelo desempenho dos alunos nas provas de português e matemática. Em Goiás, a melhoria ocorreu em ambas as dimensões.
Como poderá ser visto nas quatro reportagens que compõem essa série especial, os avanços nunca são fruto de uma única política implementada isoladamente, mas de um conjunto de ações sistêmicas, com foco nos resultados de aprendizagem dos alunos, e que, em geral, atravessam mais de uma gestão. “Goiás tem um modelo de educação que não vem de hoje, e que foi sendo aprimorado ao longo dos anos”, afirma Raquel Teixeira, que foi secretária de educação de 1999 a 2001, e de 2015 a 2018.
• Série especial abordará os quatro Estados que mais avançaram • Rede estadual goiana foi a única do país a superar projeção do MEC para o ano de 2017 • Integração entre currículo, avaliações, materiais didáticos e gestão para aprendizagem foi fundamental
Um ponto importante para a melhoria, citado pelos gestores goianos, foi o estabelecimento de um currículo estadual em 2011. A elaboração de um documento com expectativas de aprendizagem mais claras possibilitou o alinhamento das avaliações locais, dos materiais didáticos, e das políticas de suporte às escolas para corrigir de forma mais ágil problemas de aprendizagem dos alunos.
A partir deste currículo, foi possível estruturar as avaliações externas e criar uma cultura de uso pedagógico desses resultados. Além de serem avaliadas pelas provas nacionais, as escolas de Goiás têm também um sistema estadual que fornece diagnósticos anuais e bimestrais. A avaliação externa anual é realizada pelo Saego (Sistema de Avaliação do Estado de Goiás), que envolve estudantes dos 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e do 3º ano do Ensino Médio. Já a bimestral acontece por meio da ADA (Avaliação Dirigida Amostral), produzida pela secretaria e aplicada a todos os alunos a partir do 4º ano do Ensino Fundamental.
As avaliações, porém, não são um fim em si mesmo, como explica Marcelo Jeronimo Araújo, ex-superintendente de gestão pedagógica de Goiás: “Não é só a avaliação. Nossa preocupação é ajudar a escola a fazer um movimento pedagógico, trabalhando a partir desses dados com apoio de materiais da própria secretaria”.
A aceitação pela rede do uso de avaliações externas não aconteceu de forma imediata. “Foi resultado de uma construção iniciada na gestão do secretário Tiago Peixoto e aprofundada no período da Raquel Teixeira. A escola foi entendendo melhor sua função social e a importância de ter foco no aprendizado. Essa maturidade permitiu que a secretaria pudesse interagir com a unidade escolar com menos resistência, de forma mais produtiva, dialogando para entender suas necessidades”, afirma o ex-superintendente-executivo da secretaria, Marcelo Ferreira.
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Esse quadro descrito por Ferreira pode ser visto nos colégios estaduais Verany Machado de Oliveira, na periferia de Goiânia, e José Ribeiro Magalhães, na pequena cidade de Uruíta. Ambas registraram melhoria em seus indicadores e contribuíram para o avanço do Estado. As diretoras das duas escolas concordam que as avaliações externas são importantes para que se tenha dados confiáveis sobre a real situação do desempenho educacional e poder estabelecer metas e ações que serão desenvolvidas no ano letivo.
Mas nem sempre avaliações externas suscitam entusiasmo. Alunos podem não se engajar com algo que muitas vezes não terá impacto direto em sua nota, enquanto professores podem entender esses instrumentos como uma forma de simples monitoramento, e não de apoio. Na Verany Machado e na José Ribeiro, as gestões tomaram o cuidado para que as avaliações deixassem de ser eventos extraordinários, externos à escola, de modo a fazerem parte do cotidiano dos professores.
As diretoras dizem que foi importante para naturalizar esse processo o bom uso da Avaliação Dirigida Amostral (ADA), de periodicidade bimestral. Diante do diagnóstico que esse instrumento fornece rapidamente, a equipe da escola era mobilizada para atuar especificamente nos pontos em que os alunos mais demonstravam dificuldades, produzindo assim o “movimento pedagógico” descrito por Marcelo Jeronimo.
Esse diagnóstico é possível porque os currículos e as avaliações externas dialogam entre si, e cada questão da prova mede habilidades e competências previstas num descritor, uma espécie de verbete que descreve competências e habilidades específicas. Por exemplo, se o objetivo é verificar o aprendizado de frações numa prova de matemática, isso é detalhado por um descritor, de forma que, se os alunos forem mal em questões relacionadas a esse descritor, isso sinaliza que essa habilidade precisa ser mais trabalhada em sala de aula.
Para Éverton Cardoso, que na função de tutor acompanha o trabalho da escola Verany Machado e faz a ponte com a secretaria, esse trabalho de reforço em torno dos descritores é uma das principais razões para o crescimento no desempenho dos alunos.
A tutoria, como a exercida por Cardoso, é outro aspecto destacado pelos gestores goianos. Esse profissional é encarregado de fazer visitas semanais ou quinzenais à escola. “A tutoria não vai à escola simplesmente para fiscalizar se o professor está indo ou se a aula está sendo dada. Não é ir lá para punir e cobrar. Ela oferece suporte, analisa os dados de aprendizado com a equipe e discute em conjunto soluções. A escola entendeu que o objetivo é sentar junto e identificar onde é possível melhorar”, explica Raquel Teixeira.
Segundo ela, a função do tutor foi sendo aperfeiçoada na rede graças à parceria com o Instituto Unibanco. Uma das contribuições citadas foi o entendimento do conceito de corresponsabilização, ou seja, a ideia de que para atingir os objetivos é preciso trabalhar em parceria, mobilizando todos os atores – alunos, professores, gestores, secretaria – para viabilizar os resultados. “O tutor tem um papel essencial nessa ideia de corresponsablização que o Instituto Unibanco trouxe para a rede. Ele não apenas orienta e identifica em conjunto pontos que precisam ser melhor trabalhados com os estudantes, mas também leva para a secretaria as demandas da escola. É um caminho de mão-dupla”.
Outra contribuição do Instituto Unibanco identificada por Raquel foi a profissionalização do atendimento à escola, facilitada pela metodologia do Circuito de Gestão, que orienta e organiza processos, responsabilidades e atividades da gestão escolar de escolas, regionais e secretarias, facilitando a conexão entre essas instâncias. “Uma coisa é falar na escola, outra é ter instrumentos de acompanhamento, protocolos de gestão, além dos cursos de formação que preparam gestores para trabalhar com essa cultura de planejamento, de olhar para os dados, estabelecer metas, e executar e acompanhar um plano de ação, permitindo a correção de rotas ao longo do processo”.
A cultura de acompanhamento dos resultados de aprendizagem para agir rapidamente em função das necessidades dos alunos acontece não apenas no nível da escola. No caso de Goiás, ela também é vital para a gestão da rede. Raquel Teixeira relembra um episódio crítico identificado no início de 2017, quando ela percebeu que as notas do Saego (a avaliação estadual anual) do ano anterior estavam bem abaixo das expectativas. “Quando vi os resultados, entrei em pânico. Junto com a equipe do Instituto Unibanco, fizemos uma análise técnica profunda dos dados. Identificamos que havia problemas regionais. Analisamos quais eram as deficiências que os alunos estavam apresentando em Língua Portuguesa e Matemática, e nos trancamos com a equipe pedagógica para pensar numa sequência de planos de estudos para trabalhar esses pontos frágeis, focando nas regiões mais vulneráveis. Esse esforço foi essencial para continuarmos avançando no Ideb”.
Além dos instrumentos de diagnósticos que dialogam de forma harmônica com os objetivos de aprendizagem previstos no currículo, a rede estadual de Goiás apostou também em outra ação vinculada a esse ciclo: a elaboração de materiais didáticos estruturados, denominados Aprender Mais, que passaram a ser utilizados pelos professores de matemática e língua portuguesa.
O uso de materiais estruturados nem sempre é bem recebido pelos professores. Há quem veja neles uma forma de limitar a autonomia dos docentes, já que o planejamento das habilidades e competências a serem trabalhadas por todos os profissionais em cada aula é feita de maneira mais detalhada do que num livro didático comum. Por outro lado, há quem veja vantagem nesses materiais justamente por facilitar o planejamento das aulas e permitir que professores em diferentes salas de aula ou escolas possam desenvolver o trabalho com seus alunos a partir de uma base comum.
A estratégia da secretaria foi oferecer o Aprender Mais de forma opcional. Segundo os gestores goianos, a adesão chegou a quase 100% da rede. Para Marcelo Jerônimo, ex-superintendente de gestão pedagógica, outras vantagens de trabalhar com o material estruturado são que ele facilita o planejamento das aulas e suas atividades e exercícios podem ser customizados para se adequarem a alunos em diferentes níveis de aprendizagem.
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Colégio Estadual Verany Machado Oliveira, Goiânia (GO)
Gestores das escolas Verany Machado de Oliveira e José Ribeiro Magalhães também mencionam como fundamentais para explicar a melhoria dos resultados em suas unidades o princípio da gestão democrática e do protagonismo juvenil.
Antes de 2013, de acordo com relatos de alunos e funcionários, o colégio Verany Machado chegou a ser considerado um dos piores de Goiânia. Todos parecem concordar quando questionados sobre quais eram os principais problemas: indisciplina, má conservação do espaço e infrequência tanto de alunos quanto de professores, em meio a uma grave crise financeira, o que impactava no desempenho escolar. Foi sob essas condições que a gestora Nilta Mendes chegou em 2012, após ser nomeada interventora pela Secretaria de Educação de Goiás, com a missão de conduzir a escola para um novo rumo.
Nilta conta que toda mudança ou projeto que propôs foi levado primeiro para discussão em uma assembleia que envolvia professores, funcionários, alunos e seus responsáveis, de modo a se ter uma gestão efetivamente democrática e transparente. O que pode parecer para alguns como um processo difícil e moroso, neste caso serviu para que a gestora recém empossada conquistasse a confiança da escola. “Na assembleia, eu elencava os prós e contras de cada ideia e colocava para votação. Depois que era aprovado, com o aval da maioria, o projeto era colocado em prática com mais facilidade, sem entraves ou resistências”.
Mirne Lagares, gestora da José Ribeiro Magalhães, mostra que nem toda melhoria exige ruptura. Os alunos elogiam o protagonismo que exercem. Mas, quando questionados se sempre foi assim, as respostas variam: alguns concordam, outros não. Larissa Dias, professora e ex-aluna da José Ribeiro, chama a atenção para um ponto: “O protagonismo sempre existiu, o problema é que não era tão divulgado”. Para ela, o que ocorria é que muitas vezes os alunos não sabiam como exercer seu senso crítico. Alguns projetos recentes foram importantes para a mudança de percepção, como a realização de rodas de conversa e a criação de uma rádio interna, a partir da qual os alunos puderam divulgar informações, ideias e até músicas de suas preferências. Mirne credita a essas táticas de aproximação com o aluno a queda do índice de evasão escolar.
A coordenadora pedagógica da Verany Machado, Luciene Marques, ressalta que as reuniões e assembleias não são apenas formalidade, pois muitas vezes esse processo ajuda a melhorar os projetos ou a desenvolver outros em maior acordo com as necessidades da escola. “Um exemplo foi o Projeto Superação, proposto pela Secretaria, cujo objetivo era trazer a comunidade para perto da escola. Tínhamos uma ideia em mente, mas quando fomos conversar com os alunos nos surpreendemos, pois eles queriam algo bem diferente. Seguimos a proposta deles e hoje temos uma das ações de maior sucesso aqui e na comunidade”.
O evento é realizado desde 2015 e envolve gincanas, competições de conhecimento, intervenções no espaço da escola, com premiações e arrecadação de roupas e alimentos para moradores do bairro e famílias de alunos mais carentes. As ações ajudam na socialização dos jovens, na interação com os professores e com a comunidade, despertando a sensibilidade deles para questões sociais importantes.
Estudantes também destacam o quanto a relação deles com a escola mudou a partir do novo modelo de gestão, intensificado pelo Programa Jovem de Futuro, do Instituto Unibanco, que trouxe a oportunidade para alguns de cumprirem o papel de Agente Jovem. Kathleen, Karolayne e Bruna, alunas respectivamente do 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio, são exemplos de estudantes que representam os demais e realizam uma ponte com professores e a gestão. Elas citam o mutirão realizado em 2016 para reformar o ambiente escolar como uma das ações de maior impacto.
Em vez de chegarem um dia e se depararem com a reforma feita por funcionários externos à escola, alunos e profissionais trabalharam juntos na revitalização de um ambiente que até então incluía paredes pichadas, carteiras sujas com chicletes colados e espaços precários e mal utilizados. Na avaliação das alunas, foi a partir dessa ação coletiva que a sensação de pertencimento e o cuidado pelo espaço público da escola aumentou. Esse maior incentivo à participação dos alunos na gestão da escola é outra característica que os gestores goianos identificam como influência da parceria com o Instituto Unibanco.
Colégio José Ribeiro Magalhães, Uruana (GO)
Apesar da melhoria expressiva dos resultados em Goiás, todos os gestores reconhecem que ainda há muito a avançar. As ações já em curso no nível da secretaria necessitam de um constante monitoramento e aperfeiçoamento, para identificar problemas rapidamente e buscar a melhor rota para corrigi-los. Para avançar ainda mais, há, porém, ações que não dependem apenas das escolas e secretarias de Estado. Para Raquel Teixeira, a mais essencial delas é a formação de professores. “O maior desafio para Goiás e para o Brasil é mudar o perfil dos cursos de formação de professores. As mudanças no Ensino Médio, com a flexibilização das disciplinas, e a nova Base Nacional Comum Curricular, trazem um desafio enorme nesse caminho”.
Revista do Saego Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás. UFJF (2017)
https://bit.ly/2KRnN2m
Como funciona o Circuito de Gestão. Instituto Unibanco
http://www.institutounibanco.org.br/metodo/
Goiás inova na sala de aula e vira referência em educação no país. Folha de S. Paulo (2018)
https://bit.ly/2U84XYS
Ensino Médio: Experiências de PE, ES e GO se destacam. Nova Escola. (2018)
https://bit.ly/2PhC9ts
Relatório de Atividades - Jovem de Futuro Goiás
https://bit.ly/2VXimnp
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“A escola foi entendendo melhor sua função social e a importância do foco no aprendizado. Essa maturidade permitiu que a secretaria pudesse interagir com menos resistência, de forma mais produtiva, dialogando para entender suas necessidades”
Marcelo Ferreira, ex-superintendente-executivo da secretaria