Nº 35 - out.2017

Gestão

Gestão deve buscar ambiente escolar que acolhe diversidade sexual

o dia 12 de setembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou por unanimidade parecer que autoriza a utilização do nome social por estudantes travestis e transexuais em escolas da Educação Básica; o documento segue para homologação do Ministério da Educação. O “nome social” é a designação pelo qual se identificam e são socialmente reconhecidos. De acordo com levantamento realizado pelo próprio CNE, 24 secretarias estaduais já regulamentaram a adoção de nome social por alunos maiores de idade. Com o parecer, estende-se essa possiblidade àqueles com menos de 18 anos, mediante autorização dos pais ou responsáveis.

Nos casos de não consentimento, o texto determina que “o menor deve ser orientado sobre a possibilidade de recorrer à Defensoria Pública a fim de obtenção de autorização judicial, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Contexto de violências

A possibilidade de adoção do nome social por estudantes travestis e transexuais nas escolas é simbólica no atual contexto sociopolítico do País, marcado pela intolerância. A decisão representa um passo importante para construção de um espaço escolar que efetivamente assegure o direito à educação. O parecer destaca que “avolumam-se as estatísticas de violência e abandono da escola em função de bullying, assédio, constrangimento, preconceito, suicídio e outras formas de violência”.

Dados de uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) em 2016 dialogam com essa afirmação. Responderam ao questionário on-line do levantamento 1.016 estudantes de 13 a 21 anos que se identificavam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais (LGBT) de todos os estados do País e Distrito Federal, com exceção do Tocantins. 73% afirmaram ter sido agredidos verbalmente e 36%, agredidos fisicamente.

O silêncio da escola sobre as questões LGBT não contribui para o enfrentamento do problema. Segundo a mesma pesquisa, mais da metade dos respondentes (56,9%) declarou que o tema não é abordado em sala de aula e 16,7% relatou que o tema foi tratado de forma negativa.

Outro estudo, intitulado “Juventudes na escola, sentidos e buscas”, realizado pela Flacso Brasil, Organização dos Estados Ibero-americanos e Ministério da Educação, em 2015, perguntou a 8.283 alunos entre 15 e 29 anos do Ensino Médio qual pessoa não gostariam de ter como colega. Para 19% dos jovens participantes, o tipo de estudante que eles mais rejeitam como colegas são os travestis, homossexuais, transexuais e transgêneros.

Vale destacar aqui que a hostilidade existente nas escolas contra estudantes travestis e transexuais é um reflexo do que ocorre na sociedade brasileira. Segundo relatório da ONG Transgender Europe (TGEu) divulgado em novembro de 2016, o Brasil lidera o ranking de países com mais registros de homicídios de travestis e transexuais: foram ao menos 868 assassinatos nos últimos oito anos.

Direito negado

Esse cenário escolar pouco acolhedor para adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) tem impactos negativos sobre a autoestima e o sentimento de pertencimento à escola, levando ao baixo desempenho e à evasão.

Uma gestão pautada pelo princípio da equidade deve estar atenta a episódios de LGBTfobia no espaço escolar, buscando assegurar o direito à educação de todos e todas estudantes. É importante que o gestor esteja atento ao clima escolar, envolvendo professores, estudantes e funcionários na construção de um ambiente que favoreça a aprendizagem, a convivência respeitosa e a valorização da diversidade. (Para saber mais sobre clima escolar, acesse as edições 4, 13, 23 e 29)

Um dos recursos-chave destacado pela pesquisa da ABGLT para promoção de uma escola mais saudável para esses estudantes é a inclusão no regimento escolar de dispositivos que informem quais os procedimentos adotados em resposta a incidentes envolvendo agressões e violência. É importante que seja mencionada a questão da orientação sexual ou identidade/expressão de gênero, sinalizando que a violência contra os estudantes LGBT não é tolerada pela instituição. O documento também serve para orientar professores e demais funcionários da escola sobre como intervir em casos de bullying e violência.

O estudo destaca ainda que o combate à discriminação passa também pela sala de aula. A promoção do respeito à diversidade sexual deve estar contemplada nos conteúdos curriculares e é fundamental que a gestão assegure que o tema seja discutido nos momentos de planejamento pedagógico.

Uma terceira recomendação da pesquisa é que a existência de profissionais acolhedores nas escolas (gestão, equipe pedagógica ou outros funcionários) também contribui para que os adolescentes e jovens LGBT se sintam bem. E esse foi um dado positivo constatado na pesquisa da AGBLT. Cerca de quatro em cada 10 estudantes participantes do levantamento afirmaram ter pelo menos seis professores/funcionários na escola com quem podiam contar.

Experiências positivas

Apesar do elevado percentual de agressões físicas e verbais nas escolas relatados pelos estudantes LGBT, existem nas escolas diversas iniciativas, liderados pela gestão, pelos professores ou pelos próprios alunos que podem inspirar outras ações de combate à discriminação.

Na Escola de Educação Básica Coronel Antonio Lehmkuhl, em Águas Mornas (SC), o diretor João Francisco Marques Neto encampou em 2013 um projeto proposto por uma professora de Língua Portuguesa sobre diversidade sexual e igualdade de gênero. Aos poucos outros docentes foram envolvidos na ação e em 2016 a iniciativa foi expandida para toda a escola. Foram realizadas oficinas com estudantes desde o 6º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio com foco no combate à violência motivada pela orientação sexual. Para o diretor, os resultados do projeto são visíveis nas relações entre os alunos. “A quantidade de alunos que comparecem à secretaria porque ‘fulano chamou disso’ ou ‘fez piadinha’ diminuiu muito. A escola está mais aberta a entender o diferente”, conta. “O trabalho todo, por mais que tenha sido bastante voltado para a questão de gênero, refletiu em todos os tipos de preconceito e bullying que podem haver na escola”.

PARA SABER MAIS

>> CNE aprova uso de nome social por travestis e transexuais nas escolas de Educação Básica

1

>> Decisão contribui para construção de valores como respeito à diversidade e tolerância

2

>> Ambiente escolar hostil compromete desempenho e leva a evasão

3

 

 

a Constituição Federal (artigos. 1º, 3º, 5º e 206): sublinha a essencialidade da “dignidade da pessoa humana”; que é objetivo fundamental do país “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

O QUE DIZEM AS LEIS

Embasam legalmente a decisão do CNE:

o ECA (art.3º): determina que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral (...) assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

 

a Lei de Diretrizes e Bases (art. 3º): assinala que dentre os “princípios e fins da educação” fulguram: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância.

Depoimento do gestor João Francisco Marques Neto

Na Escola Estadual de Ensino Profissionalizante Manuel Abdias Evangelista, situada em Nova Russas (CE), comentários preconceituosos por parte de alguns professores incomodaram os estudantes e levaram o grêmio a se mobilizar em torno da questão. Foi realizado um debate sobre gênero na escola, durante o horário de almoço, abordando temas como machismo, participação das mulheres nos espaços. “Na escola existem diferenças e elas precisam ser respeitadas”, afirma Ray Kenner Alcantara da Silva, estudante e presidente do grêmio da escola. Ele relata que, após a ação, a diretora alterou o nome de um aluno transexual no diário. “Os professores tiveram que acatar e respeitar porque era a maneira como ele se via”, conta. “Depois disso, os estudantes se empoderaram, souberam como se defender e o seu papel na escola”, pensa.

Conforme bem observa o CNE no parecer,

“Se o nome social não aplaca todos os problemas de violência e discriminação na educação brasileira, acena para um mínimo de respeito à diversidade sexual e à promessa de uma educação com menos evasão”.

As experiências apresentadas acima sinalizam que a decisão do CNE foi acertada.

 

 

GLOSSÁRIO

 

• Transexual: Pessoa que possui uma identidade de gênero (isto é, como ela se reconhece: homem, mulher ou nenhum dos dois) diferente do sexo designado no nascimento.

 

• Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto

pela sociedade.

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Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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