Nº 53 - jul.2019

GESTÃO

Distribuir liderança pode melhorar

a gestão

PARA SABER MAIS

arantir um bom clima escolar, estimular o envolvimento das famílias, manter o foco e a orientação de todos em busca da melhoria da qualidade do ensino, apoiar os professores, sem descuidar das tarefas burocráticas e demandas que surgem das secretarias. Todas essas são funções que, em maior ou menor grau, são exigidas dos diretores. Dar conta de um conjunto de desafios tão intensos é tarefa praticamente impossível para uma pessoa só. Essa é uma das razões – não a única - pelas quais é importante considerar o envolvimento de outros atores na gestão. Nesse sentido, a distribuição de liderança é uma prática que tem sido cada vez mais estudada na literatura acadêmica internacional. E, quando bem aplicada, tem potencial de trazer diversos benefícios para a gestão, inclusive este de diminuir a sobrecarga de trabalho dos diretores.

A falta de tempo para se dedicar a tarefas de gestão pedagógica é citada como um problema que prejudica a qualidade do ensino na escola por quase metade (49%) dos diretores brasileiros ouvidos na Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, divulgada em junho de 2019 pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Este percentual é bem superior à média de 32% nos países da OCDE, que congrega, em sua maioria, nações ricas. Diretores brasileiros também reclamam da falta de tempo para lidar diretamente com estudantes em suas atividades. No país, o percentual dos que dizem que esse é um problema grave em sua escola é de 38%, ante uma média de 25% na OCDE.

  • Entrevista com a pesquisadora britância Alma Harris (em espanhol) . Centro de Desarrollo de Liderazgo Educativo – Chile (2013) - https://bit.ly/3278QkS
  • Maior participação de jovens na vida escolar pode melhorar gestão. Boletim Aprendizagem em Foco, número 13 (2016) - https://bit.ly/2Yvv1z1
  • TALIS 2018 Resultados: Professores e diretores como aprendizes ao longo da vida. OCDE (2019) - https://bit.ly/2WRcTCS
  • Troca de experiências impacta desenvolvimento profissional de gestores. Boletim Aprendizagem em Foco, número 34. (2017) - https://bit.ly/2YuROuB

O princípio da liderança distribuída pode também contribuir para a construção de uma gestão democrática, conceito tão importante nas políticas educacionais brasileiras, presente nas principais legislações e marcos do setor, como a Lei de Diretrizes e Bases e o Plano Nacional de Educação.

Porém, é preciso estar atento ao fato de que nem toda liderança distribuída traz resultados positivos, e o conceito não deve ser confundido com a simples delegação de tarefas. Um diretor pode distribuir liderança numa escola e, ainda assim, não obter nenhum resultado positivo. Ou, pior, o impacto pode ser até mesmo negativo no clima escolar. Imagine, por exemplo, um gestor que demanda de outros atores da escola funções para as quais eles não estão preparados ou motivados para exercer, apenas com o objetivo de se livrar de tarefas que são de sua responsabilidade.

Outro cuidado a se tomar no momento de colocar em prática a liderança distribuída é ter a certeza de que as tarefas são factíveis e que haverá suporte para realiza-las, do contrário, o resultado prático pode ser apenas a frustração dos que estavam envolvidos no projeto. A literatura acadêmica em liderança mostra também que é preciso que todos estejam engajados em objetivos comuns. Mesmo que um diretor distribua liderança para pessoas que sejam capazes e estejam motivadas para realizar determinadas tarefas, o resultado pode ser nulo se não houver coerência entre as ações.

A pesquisadora britânica Alma Harris, uma das maiores referências internacionais no assunto, destaca que a liderança distribuída é uma das características de organizações bem-sucedidas. Quando bem implementada, a prática é importante também por facilitar a sustentabilidade de resultados, pois as mudanças não ficam restritas a uma única pessoa. “Os melhores líderes formam outros líderes em suas organizações”, diz Harris.

“Os melhores líderes formam outros líderes em suas organizações”

Assista à apresentação da pesquisadora Alma Harris

Colaboração é fundamental

Numa de suas palestras disponíveis no YouTube, ela explica também que distribuir liderança não significa perda de autoridade do diretor. “Distribuir liderança é perguntar como eu, como líder, posso criar as condições em minha organização para que as pessoas se sintam convidadas a oferecer sua expertise. Não é simplesmente se livrar de funções, mas empoderar outros a trazerem soluções para o grupo. Se o diretor tem um estilo autoritário, controlador, hierárquico, ninguém vai oferecer apoio, pois todos entenderão que as responsabilidades são todas dele. Ninguém vai chegar espontaneamente na sala e perguntar: ei, você pode me dar mais trabalho”.

Para que realmente traga resultados, portanto, é preciso que o diretor estimule e garanta as condições na escola para que as pessoas possam e saibam colaborar entre si. “Você pode colocar um grupo de alunos sentados ao redor de uma mesa e dizer que eles estão colaborando, quando na verdade todos estão envolvidos em trabalhos individuais ao mesmo tempo. O mesmo pode acontecer com professores. Distribuir liderança e promover a colaboração não são panaceia. Mas há enormes possibilidades se fizermos bem, e com sabedoria”, diz a pesquisadora. Vale lembrar que a colaboração na escola e entre redes foi tema do Boletim Aprendizagem em Foco número 34.

Do ponto de vista do sistema, outra vantagem de distribuir liderança na escola é que os processos de melhoria podem ser mais sustentáveis quando mais pessoas tiveram oportunidade de desenvolver habilidades de gestão colaborativa, de modo que os avanços não estejam limitados à capacidade e atuação de uma única pessoa. No já citado estudo da OCDE, uma das recomendações aos países para suas políticas públicas, com o objetivo de aumentar o tempo que os diretores se dedicam a tarefas de desenvolvimento pedagógico, é que haja estímulo para que outros profissionais da escola possam exercer alguma liderança na gestão. Como vimos, esse objetivo pode ser buscado de maneira mais informal pelos diretores em sua escola, mas pode também, como recomenda a OCDE, constar da carreira docente, para estimular que outras funções entre o diretor e o professor sejam criadas no sistema.

Jovens como lideranças

A literatura acadêmica internacional trata do conceito de Liderança Distribuída considerando principalmente os profissionais da escola. Mas, no Brasil, há exemplos de escolas que souberam desenvolver em outros atores também – caso de pais e alunos – habilidades de liderança que facilitaram e potencializaram o trabalho da gestão. A participação dos estudantes, por exemplo, não precisa se restringir à atuação no grêmio, em conselhos escolares, ou em atividades de mutirão para melhorar a infraestrutura da escola.

Na escola estadual Adolfina Zamprogno, em Vila Velha (ES), a diretora Ângela Maria Soares contou, em depoimento ao Banco de Práticas do Observatório de Educação do Instituto Unibanco, que os alunos foram essenciais no esforço de reduzir a evasão. O projeto começou identificando estudantes que ficaram responsáveis por fazer contato com colegas que estavam faltando com frequências às aulas ou eram já evadidos. Esses jovens fazem a visita às casas dos colegas e retornam para a gestão da escola com um diagnostico do motivo para a evasão.

"Como aliados contra evasão, fomos buscar nossos alunos”

Assista ao depoimento da diretora Ângela Maria Soares

“Esse aluno retorna para a escola e temos um olhar diferente para ele. De mais ou menos 30 que tinham sumido, 18 já retornaram, dizendo para a gente que foi muito importante um colega ter ido atrás dele. Diziam assim: ‘sentiram falta de mim. Eu também faço parte daquela escola’”.

Já na escola estadual Poeta Otacílio Colares, em Fortaleza (CE), o diretor Pádua Soares conta que os jovens assumiram funções de liderança na escola a partir do momento em que foi identificado que o principal problema era a indisciplina. Os resultados desse protagonismo, no entanto, não ficaram restritos a essa dimensão.

Os alunos que exerciam a função de líder de turma passaram também a serem responsáveis pelo preenchimento de uma ata da sala, que detalha o conteúdo trabalhado pelo professor, quais alunos faltaram, e se houve alguma indisciplina. Esses documentos são essenciais para a gestão acompanhar e agir quando necessário. “Se um professor falta, por exemplo, está lá descrito qual colega o substituiu e qual conteúdo foi ministrado. O aluno passou a ser uma liderança no dia-a-dia da escola”, relata Soares.

“O aluno passou a ser uma liderança no dia-a-dia da escola”

Pádua Soares, diretor

>> Conceito não deve ser confundido com a simples delegação de tarefas

1

>> Empoderar outros atores contribui para reduzir sobrecarga dos diretores

2

>> Jovens também podem assumir funções de liderança na escola

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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