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  Em vez de só fiscalizar, Estados passaram a oferecer apoio a escolas

Uso de evidências para tomada de decisões e o monitoramento contínuo para correção de rotas são também ações em comum

Outro aprendizado comum é o incentivo à maior participação dos jovens na gestão

Evolução dos quatro estados em alguns indicadores de educação

Nº 49 - mar.2019

As lições dos quatro Estados líderes do Ideb

Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará tiveram políticas próprias no Ensino Médio, mas em comum entre todos está a gestão com foco nos resultados de aprendizagem combinada com apoio intensivo às escolas

Em  suas quatro últimas edições, o Boletim Aprendizagem em Foco retratou a experiência dos Estados brasileiros cujos alunos da rede pública estadual obtiveram melhores médias no Ideb do Ensino Médio: Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará. Em educação, é sabido que não existe uma única fórmula capaz de produzir igualmente, em realidades distintas, resultados rápidos e sustentáveis. No entanto, na síntese das experiências realizadas por essas quatro unidades da federação, foi possível identificar estratégias comuns adotadas pelas secretarias de Educação desses Estados. Entre elas se sobressaem o incentivo ao protagonismo jovem, o uso de avaliações como ferramentas pedagógicas, a criação de uma cultura de gestão focada em resultados de aprendizagem, e políticas de suporte (e não apenas de cobrança) às escolas.

Visão sistêmica

Um equívoco recorrente na análise de reformas educacionais bem-sucedidas é a supervalorização de uma única iniciativa ou de um programa mais vistoso, como se isso, isoladamente, explicasse avanços em escala. Em Pernambuco, por exemplo, o secretário estadual de Educação, Fred Amancio, conta que um erro comum cometido por autoridades que visitam seu Estado é o de olhar apenas para a expansão das escolas em tempo integral. Conforme ele explicou na edição especial do Aprendizagem em Foco sobre Pernambuco, “é muito comum alguém criar um projeto bonito em umas poucas escolas da rede, mas não parar para pensar se isso está articulado a uma estratégia, se pode ser massificado ou não”.

Esse olhar mais sistêmico, em que cada ação está articulada a uma estratégia maior de toda a rede, apareceu com frequência também nas falas dos gestores de Goiás, Espírito Santo e Ceará. Isso ajuda a explicar por que as políticas educacionais nesses Estados sobreviveram à troca de comando em secretarias de educação e, em alguns casos, até mesmo de governos. “Goiás tem um modelo de educação que não vem de hoje, e que foi sendo aprimorado ao longo dos anos”, lembrou a ex-secretária Raquel Teixeira.

A continuidade das políticas públicas foi destacada também por Haroldo Rocha, ex-secretário do Espírito Santo, e por todos os ex-secretários cearenses entrevistados no Boletim Aprendizagem em Foco.

Foco no pedagógico

Das ações mais enfatizadas em todas as entrevistas nos quatro Estados está a criação de uma cultura de foco nos resultados de aprendizagem dos alunos. Mais do que um chavão vazio, o importante é perceber como essas redes se organizaram para fazer com que isso acontecesse na prática.

Um dos elementos que colocou de pé essa política nos quatro Estados foi o uso de avaliações para diagnosticar problemas de aprendizagem pelas escolas. Há no meio educacional quem critique esses instrumentos, por serem vistos às vezes apenas como formas de controle ou punição às escolas que não atingem bons resultados. Este é sem dúvida um risco a ser considerado e, para evitá-lo, os Estados líderes no Ideb procuraram oferecer ações de suporte à escola.

Dos quatro casos analisados, três – Goiás, Espírito Santo e Ceará – têm parceria com o Instituto Unibanco. Gestores desses Estados citam o conceito de corresponsabilização, muito trabalhado no programa Jovem de Futuro, como estratégia fundamental para que as escolas se sentissem apoiadas – em vez de meramente cobradas - pelas secretarias para alcançar as metas pactuadas.

Apesar de estarem tratando de realidades diferentes, as falas dos gestores se assemelham bastante. “Tínhamos na rede um supervisor com papel demasiadamente fiscalizatório, e trabalhamos para que ele fosse mais um profissional de assessoramento e apoio. Queríamos que as escolas deixassem de temê-lo, para querê-lo”, afirmou a gerente de ensino médio do Espírito Santo, Andréa Pereira.

Em Goiás, o profissional que mais executa a função de aproximar a secretaria das escolas é o tutor. Mas, em essência, o objetivo é o mesmo, conforme explicou Raquel Teixeira: “A tutoria não vai à escola simplesmente para fiscalizar se o professor está indo ou se a aula está sendo dada. Não é ir lá para punir e cobrar. Ela oferece suporte, analisa os dados de aprendizagem com a equipe e discute em conjunto soluções”.

O papel de apoio às escolas não se resume aos técnicos da secretaria. Nos quatro Estados, gestores contam que é essencial também que os próprios secretários de educação tenham postura ativa de diálogo com as escolas. “Pelo menos uma vez por ano, o secretário se encontra com todos os diretores de escolas, para apresentar e discutir as metas. Nesse processo, ouvimos também as sugestões, críticas e demandas de cada unidade. E damos atenção especial às escolas que são consideradas prioritárias”, disse Severino de Andrade, secretário-executivo de planejamento e coordenação da Secretaria de Educação de Pernambuco.

A estratégia descrita por Severino em Pernambuco é a mesma citada pela coordenadora de Gestão Escolar do Ceará, Maria Elizabete Araújo, quando se referiu a uma ação feita em 2017 para mobilizar a rede para melhorar seus resultados de aprendizagem: “O secretário Idilvan Alencar [titular da pasta na época] foi para a linha de frente dizer ao corpo de gestores e professores que aquele resultado do Ideb não nos representava. Fizemos vários seminários em que pudemos conversar, olho no olho, com todos. Mas não ficamos num papel de acusar as escolas pelos resultados. Chamamos a responsabilidade para a secretaria também, identificando onde poderíamos apoiá-las, especialmente aquelas que mais precisavam”.

Instrumentos

Fica claro na experiência dos quatro Estados o quanto foi essencial a política de suporte às escolas. Mas esse apoio não ficou apenas no atendimento a demandas pontuais. Houve também esforço para fornecer às unidades de ensino e demais instâncias da secretaria ferramentas que pudessem ajudá-las a diagnosticar os problemas de aprendizagem dos alunos e planejar as ações para combate-los.

Nos três Estados parceiros do Instituto Unibanco, um dos instrumentos citados pelos gestores entrevistados neste boletim foi o Circuito de Gestão, que orienta e organiza processos, responsabilidades e atividades da gestão de escolas, regionais e secretarias, facilitando a conexão entre profissionais de todos esses níveis. O método tem como principal inspiração o PDCA (sigla em inglês para Plan, Do, Check, Act), e é utilizado também em Pernambuco. Seu principal objetivo é facilitar o processo de gestão, identificando as diferentes fases de desenvolvimento de uma ação. Ela começa com uma ação de planejamento, em que são identificadas as causas do problema a ser enfrentado. Em seguida é executado um plano de ação. Após ele ser colocado em prática, há a fase de avaliação dos resultados, para identificar pontos de atenção, melhoria, ou correção de rotas.

Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, ressalta nesse processo a importância do uso de evidências e sua análise estruturada e compartilhada pelos gestores e professores para tomada de decisões, e o seu caráter contínuo, para que a busca por melhoria e a possibilidade de correção de rotas estejam sempre no radar dos gestores.

Essa estratégia visa facilitar a gestão escolar, sem retirar dela sua autonomia. Por exemplo, para um mesmo problema de evasão dos alunos, duas escolas podem optar por estratégias diferentes. O importante é monitorá-la, verificar se está sendo bem-sucedida, e agir para corrigi-la, caso não esteja tendo o efeito desejado.

Alinhamento

Para que seja bem-sucedida, porém, é preciso que todas as instâncias da secretaria estejam alinhadas com o objetivo comum. Por isso é comum nos quatro Estados o estabelecimento de metas pactuadas com a escola, e o acompanhamento constante de sua execução. Para estimular a troca de experiências entre as escolas – e não uma única ação imposta de cima para baixo para todas -, os Estados parceiros do Instituto Unibanco também realizam Reuniões de Boas Práticas, em que ações bem-sucedidas são compartilhadas entre os gestores. O mesmo pôde ser visto em Pernambuco.

Em alguns casos, inovações que deram certo em escolas viram políticas públicas da rede. Um exemplo disso foi relatado no Boletim Aprendizagem em Foco de Pernambuco pela diretora da Escola Técnica Cícero Dias, Aldineide de Queiroz. De lá saíram dois programas que viraram ações da rede. O projeto Acolhida, por exemplo, previa que estudantes tomassem a frente das ações de receberem seus colegas novatos na escola, ajudando em sua integração. Já o Educador Orientador reserva um horário de aula para que professores voluntários trabalhem individualmente com um aluno ou com uma turma, temas sociais, familiares ou comportamentais.

O compartilhamento de experiências entre escolas – mesmo quando depois vira uma política da rede – não deve ser confundida com a pasteurização da gestão educacional. Nos quatro Estados visitados pelo Boletim Aprendizagem em Foco, houve espaço para que algumas das ações propostas pelas secretarias fossem adaptadas à realidade de cada unidade. Por exemplo, no Espírito Santo, uma das políticas da rede é o incentivo para que alunos assumam a função de monitores de colegas com dificuldade de aprendizagem. Na escola Francisco Nascimento, a diretora Virgínia dos Santos conta que os alunos monitores passaram a não apenas ajudar na aprendizagem de disciplinas tradicionais, mas a atuar como conselheiros emocionais dos colegas. E os alunos monitores passaram também a receber bônus em suas notas quando seus colegas melhoravam, um prêmio de incentivo à colaboração, em que todos ganham.

Currículo e avaliações

Um fator citado pelos gestores nos quatro Estados que facilitou o alinhamento das ações nas diversas instâncias da secretaria foi o estabelecimento de um currículo comum, antes mesmo da homologação da Base Nacional Comum Curricular. O estabelecimento de expectativas mais claras de aprendizagem permitiu que avaliações externas, materiais didáticos e políticas de suporte às escolas fossem melhor integradas.

Esse alinhamento facilita ações de apoio nos diversos níveis. Em Goiás, por exemplo, a ex-secretária Raquel Teixeira citou uma situação crítica enfrentada pela rede no início de 2017, quando os resultados do Saego (avaliação estadual de Goiás) acenderam um alerta nos gestores. “Quando vi os resultados, entrei em pânico. Junto com a equipe do Instituto Unibanco, fizemos uma análise técnica profunda dos dados. Identificamos que havia problemas regionais. Analisamos quais eram as deficiências que os alunos estavam apresentando em Língua Portuguesa e Matemática, e nos trancamos com a equipe pedagógica para pensar numa sequência de planos de estudos, focando nas regiões mais vulneráveis”.

Esse mesmo movimento facilitado pelo uso pedagógico das avaliações é verificado no nível da escola. Na Francisco Nascimento, no Espírito Santo, a equipe gestora mantém na sala dos professores um quadro com os descritores (letras e números que indicam qual habilidade ou competência foi medida na avaliação) que precisam ser trabalhados pela escola. A partir das lacunas de aprendizagem identificadas, são sugeridas ações que vão de listas de exercícios aos alunos à capacitação dos professores para trabalharem aquele conteúdo.

Nesses quatro Estados, o objetivo principal das avaliações não é o de simplesmente afixar notas do Ideb ou indicadores locais em murais. O que se busca com esses instrumentos é facilitar o diagnóstico e propor ações imediatas para corrigir problemas, evitando que eles se acumulem e levem à reprovação, abandono ou aprendizado inadequado dos jovens.

Protagonismo jovem

Outro aprendizado comum a Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará é o incentivo à maior participação dos jovens na gestão. Em cada Estado – e em cada escola – há particularidades na maneira com que a estratégia foi implementada, mas em todos eles os gestores locais apontaram ações nesse sentido como fundamentais para, entre outras coisas, tornar as escolas mais atrativas.

Em Goiás, por exemplo, uma contribuição do Instituto Unibanco foi o programa Agente Jovem. A proposta é que os estudantes tenham maior participação na gestão, sendo estimulados a proporem também ações de melhoria de seus resultados de aprendizagem.

No Ceará, essa estratégia se encaixou à política da secretaria de educação: “Política de educação para o Ensino Médio tem que ser política de juventude, olhar o jovem em todos os seus potenciais e dramas, e pensar como a escola pode ser um lugar para responder às necessidades dele”, afirmou Maurício Holanda Maia, que foi secretário estadual entre 2014 e 2016. A participação dos jovens na gestão, porém, não ocorre por acaso, ou descolada do projeto político pedagógico de cada unidade. Como explica Idilvan Alencar, que sucedeu Maurício Holanda no cargo, uma das contribuições que o Circuito de Gestão trouxe para a rede escolar cearense foi a facilitação do envolvimento de atores que, antes, eram apenas objeto do processo: “Tive várias reuniões com grêmios escolares em que a pauta era o abandono ou aprendizado de Matemática”.

 

Particularidades

Em cada um dos quatro Estados analisados, foi possível identificar também políticas que não necessariamente apareciam ou não eram enfatizadas nas falas dos gestores de outros Estados. No Ceará, por exemplo, a mobilização das escolas para atingir a meta de 100% de participação no Enem foi lembradas por todos os entrevistados como fundamental para o avanço no Ideb. Em Goiás, gestores locais citaram o Aprender Mais (material didático estruturado em Língua Portuguesa e Matemática oferecido como opcional às escolas) como mais um elemento importante da política educacional.

Em Pernambuco, como já dito, o elemento mais visível da política educacional foi a ampliação de escolas em tempo integral. Não significa que outros Estados também não tenham adotado a estratégia, mas foram os pernambucanos os que há mais tempo têm investido na ampliação desse modelo. E, no Espírito Santo, a ampliação da jornada escolar de quatro para cinco horas e o melhor uso pedagógico do terço de horas que professores têm livres para planejar atividades de sala de aula foram lembradas como ações importantes, que contribuíram para criar as condições de avanço dos resultados de aprendizagem.

Como se vê, ainda mais num país com a diversidade que tem o Brasil, não existe uma única fórmula para resolver complexos problemas educacionais. Mas é possível identificar elementos em comum entre os quatro Estados líderes do Ideb, que foram adaptados à realidade local. Talvez o mais importante deles foi a seriedade com que todos os profissionais – secretários, supervisores, diretores, professores e coordenadores pedagógicos – se engajaram na implementação de um projeto de melhoria dos indicadores de aprendizagem dos estudantes.

O fato de serem líderes do Ensino Médio, no entanto, não produziu nos gestores desses Estados a sensação de dever cumprido. Pelo contrário. Mesmo nessas unidades da federação, as autoridades educacionais reconhecem que ainda há muito a ser feito para alcançar patamares satisfatórios de aprendizagem para todos os jovens. Um caminho para acelerar esse processo é estar sempre atento para aprender com aqueles que conseguiram avançar mais do que os outros. O objetivo não pode ser apenas celebrar quem está nas primeiras posições, mas sim compartilhar aprendizados, para que o país, como um todo, avance.

PARA SABER MAIS

Como Goiás superou a meta do Ideb no Ensino Médio
www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/45/

Gestão foi chave para avanço do Espírito Santo no Ideb
www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/46/

Em dez anos, Pernambuco deu um salto no Ensino Médio
www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/47/

Modelo no Fundamental, Ceará avança também no Ensino Médio
www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/48/

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.

Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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