Início » Boletim Aprendizagem em foco » Gestão Escolar » Apoio entre pares melhora a gestão
Edição 97 | Junho de 2024
A maioria (54%) dos diretores de redes estaduais no Brasil assumiu o cargo sem experiência prévia na função e apenas 19% têm formação específica em gestão escolar, de acordo, respectivamente, com o Saeb e o Censo Escolar. Diante disso, é preciso pensar em estruturas de apoio a esses profissionais. A forma mais tradicional é realizada por supervisores (a nomenclatura varia entre estados) lotados em regionais ou secretarias, conforme abordado no Boletim Aprendizagem em Foco nº 55. Esse tipo de suporte é fundamental, mas, em geral, envolve alguma relação hierárquica, pois com frequência o supervisor tem também funções de fiscalização. Há, porém, outros arranjos possíveis e complementares, horizontais, que incentivam a troca entre pares e o apoio a colegas novatos.
Um deles é a formação de redes entre gestores, intencionalmente desenhadas para funcionarem como comunidades de aprendizagem na prática. O apoio mútuo entre colegas de profissão pode acontecer de maneira espontânea, mas a experiência internacional mostra que é importante garantir algumas condições para que esse processo seja mais abrangente e construtivo. De acordo com o educador suíço Etienne Wenger, referência acadêmica no tema, para que uma comunidade de prática se distinga de um grupo aleatório é fundamental que seus integrantes compartilhem características e objetivos em comum, que estejam engajados em proporcionar trocas para gerar novos conhecimentos, e que estejam focados na prática, por meio do compartilhamento de conhecimentos e soluções construídas coletivamente (veja no infográfico a seguir outras características essenciais).
Com base nesses princípios, os institutos Unibanco e Singularidades desenvolveram em 2023 o projeto Rede de Gestores, com o objetivo de experimentar novos formatos de formação, baseados em trocas qualificadas entre pares e mediadas por profissionais experientes, pautados por metodologias adequadas. Essa experiência foi detalhada na nota técnica “Estudo de caso sobre a construção de comunidades de práticas profissionais para gestores escolares: a experiência da Rede de Gestores”. Numa primeira etapa, 49 gestores de seis estados participaram das atividades.
Joseane Martins da Silva, diretora da Escola Estadual Princesa Isabel, em Maceió (AL), foi uma das participantes. Ela conta que um dos principais aspectos positivos da experiência foi ter conseguido compartilhar não apenas boas práticas, mas, sobretudo, angústias e problemas: “Quando a gente escreve numa rede social, por exemplo, a gente mostra o que deu certo, até pensando em inspirar os outros. Mas os problemas e angústias que sentimos no dia-a-dia não são compartilhados ou, no máximo, são de conhecimento apenas da equipe interna. Ter confiança e liberdade para compartilhar tudo com outros gestores, que muitas vezes já passaram pelos mesmos problemas, traz alívio e nos faz pensar em outras abordagens para aquele desafio”. A participação de Joseane na Rede de Gestores a inspirou a propor à Secretaria Estadual de Educação em Alagoas uma experiência piloto com diretores locais, que está sendo implementada.
A qualidade da moderação numa comunidade de práticas é também apontada como fundamental. Na experiência da Rede de Gestores, Tássio José da Silva, que já foi gestor escolar e hoje é supervisor na rede municipal de São Paulo, foi um dos profissionais que desempenhou essa função.
“Historicamente, no Brasil, processos formativos com gestores são raros ou, quando existem, acontecem de forma muito hierarquizada. Por maior que seja o esforço de um supervisor e de um diretor, essa estrutura vertical dificulta a construção de relações de confiança, pois cabe ao supervisor também um papel fiscalizatório. Isso é muito mais fácil num processo de diálogo numa perspectiva horizontal”, diz.
Mesmo com esse ambiente mais favorável, Tássio diz que foi necessário um tempo para estabelecer a confiança no grupo. “Nos primeiros encontros, os relatos mais comuns eram de casos de sucesso. Aos poucos, fomos puxando o grupo para uma visão mais crítica e analítica também daquilo que não deu certo. Nesse aspecto, foi importante para o grupo estar com outros gestores que passam pelas mesmas situações”.
A experiência da Rede de Gestores em 2023 permitiu listar algumas aprendizagens, citadas na nota técnica. Uma delas é que o desenho do percurso e das interações precisa ser cuidadoso. O tamanho reduzido das comunidades e a qualidade das mediações são também fundamentais. Além disso, é importante ter atenção à escolha dos moderadores, dar tempo suficiente para o amadurecimento das comunidades e ter estratégias para qualificar as trocas e levar a reflexões mais profundas sobre a autoeficácia dos gestores.
Outro modelo de troca entre pares é o de mentoria. Diferentemente da comunidade de práticas, nesse formato a interação ocorre em duplas, tendo um profissional mais experiente atuando como mentor de um novato. Mas, aqui também, para que o processo seja mais efetivo, é preciso garantir que os mentores sejam qualificados para a função, tenham tempo para interagir com os mentorados e sejam apoiados por metodologias adequadas. Esses são alguns dos princípios que nortearam o Programa de Formação em Gestão Escolar por Mentoria, criado em 2023 pela rede estadual do Espírito Santo e que já beneficiou 64 gestores novatos.
Julia da Matta Machado de Paula, gerente de gestão escolar da Secretaria da Educação do Espírito Santo, conta que um dos motivos que levaram à criação do programa foi a queixa comum de diretores novatos de que, em suas palavras, iam dormir professores e acordavam gestores no dia seguinte. Em alguns casos, o apoio de outros colegas mais experientes acontecia de forma espontânea, mas, no momento de criação do programa, a secretaria fez questão de estabelecer critérios de seleção, formação e acompanhamento dos encontros.
Os futuros mentores são escolhidos em processo seletivo com base em critérios como o desempenho em sua escola e o feedback das regiões de ensino. Depois disso, participam de uma formação sobre mentoria e mediação da aprendizagem entre adultos. A escola dos diretores que serão mentorados leva em conta o perfil dos mentores, para que a realidade das escolas seja a mais próxima possível. Os encontros acontecem presencialmente, em visitas iniciais às escolas de ambos, e online, por meio de um ambiente virtual em que a secretaria, mesmo sem participar dos encontros, pode acompanhar se as atividades estão sendo realizadas. As reuniões são realizadas fora do horário de trabalho do gestor na escola e há o pagamento de uma bolsa aos mentores.
Mesmo tendo sempre um diretor mais experiente apoiando um novato, Julia conta que o objetivo é que ambos aprendam com essas trocas. “Mentores nos relatam que as perguntas feitas pelos mentorados também os ajudam a refletir sobre suas práticas”, afirma.
O Ministério da Educação também possui um programa de Mentoria de Diretores Escolares, com foco em situações práticas e visando a reflexão colaborativa a partir da troca e compartilhamento de experiências e saberes. Na página da iniciativa, é possível fazer o download de guias e materiais de referência sobre o assunto e consultar um passo a passo das etapas a serem seguidas pelas secretarias de educação interessadas em desenvolver essas atividades. No ambiente virtual de aprendizagem do ministério (AVAMEC) é possível também realizar um curso de aperfeiçoamento em Mentoria de Diretores Escolares.
Programa Mentoria de Diretores Escolares, MEC
Estudo de caso sobre a construção de comunidades de práticas profissionais para gestores escolares: a experiência da Rede de Gestores, Instituto Unibanco e Instituto Singularidades (2024)
Supervisores são fundamentais no apoio à escola - Boletim Aprendizagem em Foco n. 55, Instituto Unibanco (2019)
Programa de Formação em Gestão Escolar por Mentoria, Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo (2023)
Aprendizagem em Foco é uma publicação periódica produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Para fazer algum comentário, envie um e-mail para: instituto.unibanco@institutounibanco.org.br
Produção editorial: Redação Antônio Gois; Edição Fabiana Hiromi
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki
Colaborou nesta edição Jane Reolo
A associação brasileira de Pesquisadores/as Negros – ABPN – é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, assistência, cultural, científica, e independente, tendo por finalidade o ensino, pesquisa e extensão acadêmico – científica sobre temas de interesse das populações negras do Brasil. No âmbito dessa associação foi idealizado o projeto Afrocientista. A proposta faz parte do conjunto de parceiros fomentados pelo Instituto Unibanco desde 2019.
Projeto Afrocientista
O objetivo do Afrocientista é despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro – NEAB e entidades correlatas.
Além de garantirmos o despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro. Agora temos o desafio de operacionalizar um projeto de tamanha relevância e complexidade num contexto de pandemia e em formato virtual.
– São 12 NEABs e seus respectivos coordenadores e coordenadoras;
– 12 bolsistas da graduação que apoiam os coordenadores dos núcleos;
– 17 escolas (08 antigas e 9 novas);
– 116 bolsistas da educação básica;