Início » Boletim Aprendizagem em foco » Inteligência artificial a favor da aprendizagem
Edição 94 | Fevereiro de 2024
Quando, em novembro de 2022, foi lançado o Chat GPT, o mundo se viu diante de uma ferramenta diferente do que se conhecia até então como Inteligência Artificial (IA). Construído para ter diálogos e interações similares às de humanos, o GPT se mostrou capaz de executar tarefas variadas, como preencher formulários, enviar e-mails, resumir e escrever textos. De tão veloz e decisivo, o avanço da IA generativa (que cria novos conteúdos) vem sendo comparado pelos especialistas a outras descobertas que mudaram a lógica de funcionamento da economia e da sociedade. Por isso, o que se discute hoje não é se vamos usar, mas como usar. E de que forma compreender as implicações práticas, éticas e humanas do uso em sala de aula.
Relatório de 2023 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico aborda a importância do desenvolvimento de habilidades frente à chamada transição verde e digital, destacando o papel da educação para a construção de tais habilidades. Ele mostra, por exemplo, que entre pessoas com educação universitária, 55% afirmam que a IA pode lhes ser útil; entre quem não tem, a proporção cai para 39%. “Indivíduos oriundos de meios socioeconômicos desfavorecidos têm menos probabilidades de adquirir proficiência numa série de competências durante a educação formal, de desenvolver atitudes e disposições que possam apoiar a dupla transição digital e verde e de reduzir a sua vulnerabilidade às mudanças ambientais e tecnológicas”, afirma o relatório.
O uso da tecnologia na educação foi também tema do GEM Report 2023 (Global Education Monitoring), da Unesco. Elaborado no contexto pós-pandemia, o estudo traz alguns alertas e também cita a persistente desigualdade no acesso, destacando que “o direito à educação, cada vez mais, é sinônimo de direito à conectividade adequada.” O relatório destaca ainda que o papel do professor é ainda mais necessário para ajudar as sociedades a navegar por esse momento crítico e que a resposta ideal à inteligência artificial “não será maior especialização em domínios relacionados à tecnologia; em vez disso, é um currículo equilibrado o que mantém, se é que não fortalece, e aperfeiçoa a oferta de artes e humanidades para reforçar a responsabilidade, a empatia, a moral, a criatividade e a colaboração dos estudantes.”
“O principal argumento do GEM Report 2023 é que o uso da tecnologia na educação deve ser adequado a cada contexto, inclusivo e equitativo, escalável e sustentável. Precisa ser definido nos termos da comunidade educativa ao colocar a aprendizagem e o bem-estar dos alunos no centro. A fim de cumprir esse importante papel, será preciso o desenvolvimento de novas competências e habilidades por gestores e educadores, e a criação de estruturas organizacionais que garantam a implementação ágil, eficiente e transparente dos recursos destinados à tecnologia educacional”, resumiu a consultora em educação digital Lúcia Dellagnelo, integrante do time de especialistas internacionais do relatório da Unesco, em artigo para o site Porvir.
A IA foi um dos temas do seminário Educação na era das transições, promovido pelo Instituto Unibanco em outubro de 2023. Na mesa A educação dos humanos na era da inteligência artificial, os debatedores destacaram a necessidade de compreender a IA como ferramenta de apoio ao aprendizado a fim de utilizá-la da melhor forma possível em sala de aula.
Dora Kaufman, professora da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP, destacou a importância da regulação, pelo fato de a IA ser considerada uma tecnologia que muda a lógica de funcionamento da economia e sociedade, tal como aconteceu com o carvão, a eletricidade e a computação.
Para Luis Junqueira, professor de Língua Portuguesa e criador da startup Letrus, voltada para letramento e escrita, a IA não substituirá atividades já existentes no currículo. Junqueira lembrou que 93% dos domicílios brasileiros já têm conexão à internet, ainda que por meio dos celulares. Ou seja, na prática, a tecnologia já está integrada à rotina da quase totalidade da população, e ignorar sua onipresença é praticamente impossível.
Na mesma mesa, o professor Ivan Siqueira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), alertou que o Brasil, assim como outros países, demorou para ter uma norma que trate das questões referentes à inteligência artificial e aos efeitos deletérios das redes sociais na educação. E destacou, da situação
brasileira, um aspecto negativo: a falta de um projeto de país, notadamente na educação. “A questão da IA não está dada na plenitude que deveria em função também da gente não ter exatamente um projeto de país. (…) Quando a gente vai estudar o que está sendo feito nos outros países, a gente observa que eles têm um projeto. A educação e a IA como parte da educação implicam um projeto. Inteligência artificial para que e para quem, pra fazer o que, quando e como?”, questionou.
Aos poucos, professores, gestores, especialistas e estudantes vão descobrindo caminhos para aplicar em sala de aula atividades que utilizam a inteligência artificial. A preocupação com o plágio acadêmico, que dominou os debates com a chegada do ChatGPT, não desapareceu. Apenas diminui de importância diante de outras questões, como o risco de vazamento de dados e o aumento da desigualdade. Por outro lado, há possibilidades de ganhos pedagógicos.
Pesquisa da consultoria McKinsey com 200 professores de Estados Unidos, Canadá, Cingapura e Reino Unido mostra que de 20% a 40% das horas de trabalho dos professores são dedicadas a atividades que poderiam ser automatizadas – entre elas, a preparação de material didático.
No estudo “Intelligence Unleashed – an argument for AI in education” (em tradução livre: Inteligência Liberada – um argumento para a IA na educação), pesquisadores ligados a universidades britânicas e à Unesco mapeiam usos benéficos da tecnologia em sala de aula. É possível, por exemplo, criar para o estudante um tutor individual, capaz de propor atividades de aprendizagem de acordo com as necessidades do aluno.
Outra vantagem é monitorar e moderar as atividades em grupo, muitas vezes realizadas fora do ambiente escolar. E, por fim, o uso de realidade virtual inteligente oferece a chance de experiências imersivas. Que tal, em vez de apenas ler sobre o deserto do Saara ou a Floresta Amazônica, mergulhar em ambientes virtuais que simulem as condições reais desses dois biomas?
No Espírito Santo, escolas da rede estadual vêm apostando na IA para motivar os estudantes e oferecer outras possibilidades de aprendizagem. Uma delas é o Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em Tempo Integral Pastor Oliveira de Araújo, em Vila Velha, credenciada como Escola do Futuro.
Lá, o professor João Paulo de Souza vem movimentando as aulas de inglês. Primeiro, recorreu à neurociência para compreender como cada aluno aprende melhor – se pelos estímulos visuais ou pela audição, por exemplo. A partir daí, usou a IA para propor atividades individuais de acordo com as habilidades observadas. “Os alunos gostam bastante, e funciona bem na conversação.
Na hora da gramática, volto ao método mais tradicional”, conta. João Paulo também investe em games e softwares acoplados a óculos 3D para conduzir os alunos por tours virtuais – e o sucesso da temporada foi o passeio pelo Palácio de Buckingham, onde vive a família real britânica. Para o próximo ano, estuda outra inovação: projetar em sala as imagens tridimensionais de dois colegas criados por IA, de gêneros distintos, para tirar dúvidas e multiplicar a oferta de conversação em sala de aula.
Nas aulas de artes, a professora Josy Pereira Silva implementou o projeto Arte Digital, que usa IA para estimular os alunos a produzir imagens artísticas. Em sua avaliação, os resultados têm sido positivos, porque os alunos compreendem que podem usar a IA, mas também terão que criar a partir das ferramentas oferecidas. “A IA só é inteligente se você tiver conhecimento sobre ela, se souber o que é possível fazer”, conclui.
Josy Pereira Silva,
professora do CEEFMTI,
em Vila Velha (ES)
Especial Educação na Era das Transições, Instituto Unibanco (2023)
Relatório de monitoramento global da educação, resumo, 2023: a tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?, Unesco (2023)
Tecnologia na educação: um bem ou um risco?, Porvir (2023)
Skills for a Resilient Green and Digital Transition, OCDE (2023)
Intelligence Unleashed: An argument for AI in Education, UCL Knowledge Lab (2016)
Aprendizagem em Foco é uma publicação periódica produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Para fazer algum comentário, envie um e-mail para: instituto.unibanco@institutounibanco.org.br
Produção editorial: Redação Fernanda da Escóssia; Edição Antônio Gois e Fabiana Hiromi
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki
A associação brasileira de Pesquisadores/as Negros – ABPN – é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, assistência, cultural, científica, e independente, tendo por finalidade o ensino, pesquisa e extensão acadêmico – científica sobre temas de interesse das populações negras do Brasil. No âmbito dessa associação foi idealizado o projeto Afrocientista. A proposta faz parte do conjunto de parceiros fomentados pelo Instituto Unibanco desde 2019.
Projeto Afrocientista
O objetivo do Afrocientista é despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro – NEAB e entidades correlatas.
Além de garantirmos o despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro. Agora temos o desafio de operacionalizar um projeto de tamanha relevância e complexidade num contexto de pandemia e em formato virtual.
– São 12 NEABs e seus respectivos coordenadores e coordenadoras;
– 12 bolsistas da graduação que apoiam os coordenadores dos núcleos;
– 17 escolas (08 antigas e 9 novas);
– 116 bolsistas da educação básica;