Convivência democrática, educação cidadã e o papel da escola
Seminário internacional mobiliza educadores em seis estados brasileiros, no Dia do Diretor Escolar, e reflete sobre o papel da escola na construção de um ambiente democrático, saudável e diverso para todos os estudantes
O quanto a educação pode contribuir para a promoção da cidadania? Como engajar a população mais vulnerável nesse processo? Como superar a violação de direitos, as ameaças autoritárias, a crise climática e encontrar uma cidadania ativa, com soluções colaborativas vivenciadas na prática, no dia a dia das escolas, que possam criar expectativas de transformação? Essas e outras questões, foram levantadas pelo superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, na abertura do seminário internacional Educação Cidadã e Convivência Democrática.
O evento, promovido pelo Instituto, ocorreu em local dedicado à memória política das resistências e da luta pela democracia no Brasil, o Memorial da Resistência, em data especial, o Dia do Diretor Escolar, 12 de novembro. Simultaneamente ao evento em São Paulo, o seminário, transmitido online, compunha um mosaico de promoção da educação e cidadania, com encontros também em Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS) e Teresina (PI), capitais de estados parceiros do programa Jovem de Futuro. Conjuntamente com as secretarias de educação de cada um dos cinco estados citados, o programa promove uma metodologia de gestão para o avanço da educação com vistas ao aumento da aprendizagem dos estudantes, por meio do aprimoramento da gestão.
O exercício da cidadania
Na abertura do seminário, Ricardo Henriques, defendeu que a pertinência do tema do evento se deu por três questões principais. A primeira, o artigo 205 da Constituição Federal – que estabelece três finalidades para a educação: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O segundo ponto faz referência às evidências de que o clima escolar saudável é um fim em si mesmo. “A apreensão do conhecimento é estruturada a partir do emocional. Não há aprendizagem sem afeto.” Por fim, a relação positiva entre escolarização e desempenho acadêmico nos países democráticos e a necessidade constante desse exercício, fazendo referência a uma frase do sociólogo chileno Cristián Cox, “Nós não nascemos democratas. Aprendemos a ser.”
Na escuridão há esperança
Em seguida, o autor da frase assumiu a fala, propagando confiança, por estar em um lugar que no passado foi prisão e no presente é um espaço cultural. “Dentro da escuridão está a esperança”, sentenciou.
Cox, que é professor da Faculdade de Educação e diretor do Centro de Políticas Educacionais Comparadas da Universidad Diego Portales (UDP), comentou os achados de suas pesquisas “A democracia está sempre em processo. Não é linear nem irreversível. Pelo contrário: é uma busca que sempre permanece incompleta e perpetuamente em risco”, comentou, parafraseando o sociólogo norte-americano Charles Tilly.
Como resultados de seus estudos, o especialista apontou que o apoio a democracia entrou em declínio há uma década e não tem se recuperado. O cenário desalentador também está refletido nos dados do Observatório da Juventude da Iberoamérica, que apontam que a juventude atual não tem interesse em questões sociais, preferindo as experiências pessoais de sucesso e a individualidade. Dados adicionais revelam padrões de descontentamento eleitoral e descrédito geral das instituições e de seus agentes.
Para as ações práticas em relação à promoção de uma educação para cidadania no ambiente escolar, Cox apontou para três áreas: a primeira é a avaliação da aprendizagem dos alunos do ensino fundamental e médio, para coleta de evidências que sirvam de base a um desenho de melhorias. A partir daí, o especialista sugere a revisão do currículo e da abordagem pedagógica, procurando o equilíbrio e a completude de pedagogias eficazes para o conhecimento e uma melhoria do aspecto afetivo-comportamental. “Por meio do conhecimento, relacionamentos, afetos e práticas, a crença democrática deve ser cultivada.”
Convivência democrática e direitos humanos
Ao fim da palestra magna, cada estado começou sua programação própria. Em São Paulo, foram realizados três painéis. No primeiro, mediado por Caio Callegari, coordenador de Inovaçãoem Políticas do Instituto Unibanco, Clara Ramirez e Cristián Cox discutiram a convivência democrática e a educação cidadã em tempos de polarização e desafios sociais.
Clara Ramirez, entre outras questões, questionou qual o limite entre barbárie e civilização e como defender a democracia em um cenário extremo. “Como ser tolerante com o intolerante?”. Como conclusão, Cox observou que não adianta querer que os jovens sejam atores políticos se estão em relação assimétrica com os demais, a exemplo da escola, onde as regras são ditadas e eles têm o dever de seguir. “Há uma diferença de poder em que não se pode conceber igualdade.”
O segundo painel, focado na diversidade cultural e religiosa no cotidiano das escolas, contou com Maria Beatriz Bonna Nogueira, da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR Brasil), e Ana Carolina Evangelista, do Instituto de Estudos da Religião (ISER), com moderação de Raquel Santos, coordenadora de Pesquisa e Avaliação do IU. Na ocasião, Ana Carolina destacou que a crescente população evangélica precisa ser escutada em suas demandas, assim como toda e qualquer religiãoTodos devem ter a educação para cidadania garantida. “São mais do que evangélicos…Há outras camadas e existências.”
Sobre o tema dos refugiados no Brasil, estima-se que existem 14,8 milhões de crianças e jovens em idade escolar. Diante disso, Maria Beatriz reforçou a importância de seguir as diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP) 2020 e oferecer o ensino de português a esses estudantes. Nogueira também comentou sobre experiências positivas, a exemplo de projeto da ACNUR com o Sesc São Paulo para formação de professores e o público trouxe exemplos em Roraima e no Piauí, de escolas públicas.
O encerramento do evento ficou com o painel sobre educação e direitos humanos em meio aos ataques à democracia, com Augustin Holl, professor e diretor do Centro de Pesquisa sobre a África da Universidade de Xiamen (China), e Lidiane Grutzmann, da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (SC), com moderação de João Marcelo Borges, gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco. Em sua fala, Holl ressaltou a importância de colocar o presente em perspectiva e usar a educação para a transformação: “mudar é constante e a estabilidade, uma exceção.” Lidiane Grutzmann, por sua vez, concluiu sua exposição pedindo um cotidiano para os educadores de menos planilhas e burocracia e mais tempo para gestar políticas de valorização e formações.
Para se aprofundar no tema
Ao longo das discussões realizadas no evento, painelistas e mediadores mencionaram materiais relacionados ao tema da convivência democrática. Houve também o lançamento de estudos e guias de orientação e apoio a profissionais e familiares de estudantes. Confira:
Diversidade cultural e gestão escolar: referências nacionais e internacionais
Relatório lançado durante o seminário reúne os resultados de uma pesquisa sobre diversidade cultural e gestão escolar, realizada em 2024, por meio da parceria entre o Instituto Unibanco e o Programa de Liderança Educacional da Universidad Diego Portales, do Chile.
Guia sobre Inclusão Escolar: Orientações para famílias de crianças e adolescentes com deficiência
Material desenvolvido pelo Instituto Rodrigo Mendes, com o apoio do Instituto Unibanco e outras instituições, direcionado a mães, pais e responsáveis, com o objetivo de oferecer orientações sobre como garantir que crianças e adolescentes com deficiência tenham a oportunidade de estudar, se desenvolver, explorar o seu potencial e conquistar autonomia.
Liderança educacional para uma cidadania democrática – Coleção Políticas Públicas em Educação – Nº 6
Sexto relatório da Coleção Políticas Públicas em Educação, fruto de uma colaboração entre a Universidad Diego Portales, do Chile e Instituto Unibanco, que explora o papel exercido pela liderança no processo de ensino e aprendizagem da cidadania e da democracia no âmbito escolar.
Cidadania e democracia desde a escola: como a gestão escolar pode atuar?
Registro do processo formativo do curso Cidadania e democracia, desenvolvido pelo Instituto Auschwitz, com apoio do Instituto Unibanco. Realizado em parceria com as redes dos estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte durante o primeiro semestre de 2024.