Desigualdade racial na nota média do Enem cresce entre 2013 e 2021
Produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro com o apoio do Instituto Unibanco, documento mostra ainda que 28% dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio têm notas no Enem que não permitem acesso a nenhum curso superior público
A diferença da nota média do Enem de estudantes pretos, pardos e indígenas (PPIs) concluintes do Ensino Médio, na comparação com a nota média de estudantes brancos e amarelos, cresceu entre 2013 e 2021 tanto na rede pública quanto na rede privada. O aumento da desigualdade foi de 44% na rede pública. As informações são do relatório inédito “Oportunidades educacionais de estudantes concluintes do Ensino Médio: o desempenho médio no Enem entre 2013 e 2021”, produzido pelos pesquisadores Flavio Carvalhaes, Melina Klitzke, Daniel Castro e Tiago Bartholo, vinculados ao Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (LaPOpE) e ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade (NIED), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o apoio do Instituto Unibanco.
“O aumento da desigualdade de desempenho é ainda mais grave quando lembramos que, durante o período analisado, houve uma diminuição geral na Taxa de Inscritos no Enem associada a uma mudança no perfil dos estudantes, com diminuição da participação de estudantes de nível socioeconômico mais baixo e alunos pretos e pardos. Com um Enem mais “elitizado”, a hipótese formulada pelos pesquisadores indicava uma diminuição das desigualdades na nota média, mas não é o que os dados sugerem”, explica Tiago Bartholo do LaPOpE/UFRJ.
Além disso, o estudo identificou que estudantes PPI têm maiores possibilidades de atingir uma nota nada competitiva no Enem, que os impossibilita de se credenciar a vagas em universidades por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSu). Se no conjunto dos estudantes concluintes essa probabilidade de notas “nada competitivas” é de 28% para o ano de 2021, entre jovens PPI o indicador alcança 32%. Para chegar às conclusões, os pesquisadores compararam o desempenho no Enem de quem concluiu o Ensino Médio com a média das notas dos alunos que foram classificados nos cursos participantes do SiSu.
“A partir de 2021, o Ministério da Educação disponibilizou publicamente bancos de dados com todas as notas dos candidatos no Enem que foram classificados em cursos participantes do SiSu. Nós podemos comparar as notas dos candidatos e dos aprovados e classificar as notas das menos para as mais competitivas. Os dados possibilitaram, de forma inédita e precisa, que chegássemos a respostas para perguntas importantes como: o que é uma nota boa no Enem? Quem as alcança?”, explica Flavio Carvalhaes, do NIED-UFRJ.
Para chegar a essas conclusões, os resultados foram classificados por nível de competitividade, desde o grupo de estudantes com notas “nada competitivas” – aquelas que não lhes permitiriam acessar nenhum curso – até aqueles com notas “muito competitivas”, com as 10% notas mais altas, que lhe permitem lutar por cursos muito concorridos ou então optar por alguma outra opção de sua preferência entre praticamente qualquer curso do sistema.
“Neste relatório, analisamos as desigualdades no desempenho no Enem dos estudantes entre 2013 e 2021, tendo sempre como pano de fundo a compreensão de que a mudança no perfil dos que realizam a prova é elemento de suma importância para compreender as estratificações educacionais na nota do Exame Nacional do Ensino Médio”, destaca Tiago Bartholo, do LaPOpE/UFRJ.
Além dos resultados mostrarem que estudantes PPIs são a maioria no estrato mais baixo da comparação, de desempenho “nada competitivo”, eles são minoria no grupo de nota “muito competitiva”. Para Daniel Castro, do LaPOpE/UFRJ, “as análises sugerem que essa diferença existe mesmo quando os estudantes comparados pertencem à mesma rede escolar (pública ou privada). Ou seja, considerando, por exemplo, somente quem frequenta a escola pública, estudantes PPIs têm maiores probabilidades de terem notas pouco competitivas do que estudantes brancos. A situação se repete quando estamos falando de estudantes da rede particular”.
O achado reforça a necessidade de aprimoramento dos programas já implementados de ações afirmativas na educação superior para estudantes da rede pública, oriundos de famílias com baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Desigualdade pública versus privada e para as diferentes regiões do país
Os dados também mostram uma forte desigualdade na comparação entre estudantes das redes de ensino pública e da privada. Em 2021, os estudantes da rede pública apresentavam uma nota geral média estimada de 511 pontos, enquanto os da rede privada, de 572, uma disparidade média de 61 pontos. A diferença representa uma ligeira queda com relação a 2013, quando era de 67 pontos, mas ainda assim é muito significativa.
As análises indicam ainda a existência de relevantes desigualdades sociais e regionais nos desempenhos médios do Enem. Em 2021, os estudantes de nível socioeconômico (NSE) mais alto tiveram, em média, 68 pontos a mais do que os concluintes do Ensino Médio com piores condições econômicas. “Os resultados por região mostram importantes diferenças, com os estudantes concluintes do Ensino Médio do Sudeste apresentando, em média, as maiores notas gerais no Enem e os estudantes do Norte, as menores notas. Em 2021 a diferença foi, em média, de 17 pontos a favor do Sudeste comparado com o Norte. As análises por região precisam ser aprofundadas, com foco na rede pública para melhor compreensão dos efeitos dos programas estaduais sobre a participação e competitividade no Enem”, destaca Melina Klitzke, do LaPOpE/UFRJ.
Recomendações
Com base nos dados apresentados acima, o relatório destaca recomendações para mudar o quadro de desigualdades no Enem. Em primeiro lugar, há a sugestão de se implementar programas de recomposição das aprendizagens, com foco especial nos alunos em situação de maior vulnerabilidade social, incluindo trilhas de aprofundamento, presenciais ou remotas. Tais programas podem ser fortalecidos com medidas para mitigar a evasão escolar no Ensino Médio, incluindo programas de apoio financeiro focalizado nos grupos de maior risco.
O estudo também ressalta a importância de uma ação nacional de intercâmbio de políticas, práticas e inovações de redes estaduais de ensino para a recomposição e recuperação das aprendizagens, bem como a criação de programas locais de mentoria acadêmica entre estudantes de Ensino Médio, com foco no apoio cooperativo entre eles.
O monitoramento das desigualdades sociais e raciais associadas à participação e à proficiência no Enem e a realização de estudos que analisem a trajetória educacional dos estudantes do Ensino Médio também são essenciais, permitindo o contínuo aprimoramento dos programas de cotas para estudantes da rede pública e por perfil racial. Entre as possibilidades de aperfeiçoamento, o estudo sugere que, para determinadas carreiras e instituições de maior prestígio social, as cotas sejam aplicadas com foco em egressos de escolas públicas estaduais, oriundos de famílias com baixa renda e pretos, pardos e indígenas.
“É indispensável criarmos mecanismos que combatam diretamente os vários tipos de desigualdade, a exemplo das desigualdades racial e de condição social, nas etapas de ensino fundamental e médio”, afirma Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. “É nosso dever como sociedade garantir o acesso, a permanência e a aprendizagem desses jovens, ou continuaremos reproduzindo na Educação as estruturas que criam desigualdade, e não justiça social”.
Confira o infográfico com alguns dos principais dados da pesquisa.