Preconceito na sala de aula
Por Ricardo Henriques
Mais jovens negros estão frequentando o ensino médio, e a distância entre eles e os estudantes brancos, ao menos no que diz respeito ao acesso, diminuiu.
Essa constatação, feita a partir dos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, mostra que estamos conseguindo reduzir desigualdades nos bancos escolares.
Em 2014, mais da metade (51%) de brasileiros de 15 a 17 anos que se autodeclararam pretos ou pardos ao IBGE estava cursando o ensino médio. No início do século 21, essa proporção era de apenas 25%, ou um em cada quatro alunos. Entre jovens brancos da mesma idade, a variação no mesmo período foi de 51% para 65%.
O aumento na proporção de negros no ensino médio pode ser atribuído a uma combinação de ações que resultaram na melhoria do fluxo desde os anos iniciais. Políticas públicas externas à escola, caso do Bolsa Família, contribuíram para a queda da evasão e para a manutenção das crianças na escola.
O avanço no acesso, contudo, não veio acompanhado da melhoria da qualidade do ensino. Esse quadro é agudo no ensino médio. No trágico contexto em que todos os grupos tiveram piora no desempenho medido pelo Saeb, exame nacional do MEC, a distância no aprendizado de português e matemática entre negros e brancos se manteve estável.
Em 1995, a proficiência média em língua portuguesa no terceiro ano do ensino médio dos estudantes brancos era de 292 pontos; dos negros, 278. Em 2013, a média dos alunos brancos caiu para 269 e a dos negros, para 254 pontos. A média considerada adequada pelo movimento Todos pela Educação é de 300 pontos.
É fundamental que voltemos os esforços para a elaboração de políticas educacionais focadas no ambiente escolar, para melhorarmos os resultados e para que a escola não reproduza as desigualdades de origem. É preciso olhar para o que acontece dentro da sala de aula, porque parte da desigualdade no aprendizado é causada por atitudes discriminatórias veladas.
A formação docente, por exemplo, não prepara o professor para a realidade das escolas públicas. O currículo das licenciaturas dedica-se muito à matriz teórica e filosófica e pouco à prática em sala. Um bom plano de aula enfrenta na origem a maioria das defasagens do alunato de diversos segmentos sociais.
Em outra frente, a flexibilidade do currículo do ensino médio deve oferecer opções de trajetórias, que podem ser acadêmicas ou técnicas, a partir de uma base comum. Isso possibilitaria, também, a incorporação dos saberes e cultura dos territórios. É importante que o currículo incorpore temas como sexualidade, discriminação, política e religião em suas múltiplas formas, estimulando a pluralidade de opiniões.
Por fim, a gestão escolar é fundamental para esse enfrentamento. Todo o esforço da gestão deve estar voltado para a melhoria da aprendizagem e para a redução das desigualdades no interior da escola –e entre escolas. É papel do diretor promover a escuta e o diálogo com os estudantes, professores e comunidade escolar, criando um ambiente de respeito às diferenças.
A persistente desigualdade de aprendizagem dos estudantes negros, frente ao atual cenário de práticas discriminatórias e intolerância, demanda políticas públicas educacionais e iniciativas que enfrentem essa realidade.
É uma agenda imprescindível para transformarmos uma sociedade marcada por desigualdades históricas em uma nação socialmente justa, igualitária e diversa.
* O artigo do superintendente executivo do Instituto Unibanco foi publicado hoje, 20 de novembro, na seção Tendências/Debates da Folha de S.Paulo.