Evento realizado em São Paulo finalizou o Ciclo de Debates Educação e Democracia, realizado em comemoração ao aniversário do Instituto

Ricardo Janine fala aos convidados durante o último painel do Ciclo de Debates sobre Educação. (Foto Paulo Cesar Rocha – Divulgação)

“Educação” foi o tema da mesa que encerrou na última quinta (1º de dezembro) o “Ciclo de Debates Educação e Democracia”, realizado pelo Instituto Unibanco como parte das comemorações pelos seus 40 anos de atuação. Fundado em 1982, o Instituto dedicou-se inicialmente ao campo da Sustentabilidade e Meio Ambiente e, após revisões de sua atuação, passou a atuar com foco no avanço contínuo da educação pública no Ensino Médio por meio da gestão, no âmbito do programa Jovem de Futuro.

Realizada em São Paulo, na sede do Instituto, a mesa contou com a participação de Maria Helena Guimarães, presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave); Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. A moderação ficou a cargo do jornalista especializado em educação Antônio Gois.

Estimulados pelo mediador, os debatedores começaram o painel analisando o que mudou no Brasil nos últimos 40 anos em termos de educação. Maria Helena Guimarães, que abriu as falas, afirmou que os avanços na educação no período foram “impressionantes, porque o que tínhamos na década de 80 era uma enorme exclusão das crianças mais vulneráveis, mais pobres, da escola. Nós passamos por um processo de inclusão muito grande. Quando olho que 94% das crianças de 4 e 5 anos já estão matriculadas e frequentando a pré-escola, quando vejo que já temos próximo de 72% da população de 15 a 17 anos frequentando o ensino médio, é um progresso muito grande, pois, na década de 90, só 30% frequentavam”.

Próximo debatedor a falar, Ricardo Henriques fez coro com Maria Helena sobre os avanços, porém destacou a imensa desigualdade que persiste na educação: “de acordo com a Pnad, pré-pandemia, a cada 100 crianças que entram no Ensino Médio, só 66 concluem. Então estamos num arranjo em que houve evolução, mas que diz ser razoável que 34 em cada 100 podem sequer completar o Ensino Médio, o que torna inviável a sua mobilidade social com alguma autonomia. E quando a gente pondera gênero e raça, de cada 100 meninos negros que entram, só 53 concluem o Ensino Médio. Ou seja, metade está fora do jogo”.

Janine Ribeiro corroborou as falas sobre os avanços do período e destacou o desafio atual da qualidade: “Temos um sério problema de qualidade, que vemos o tempo todo. O caso mais evidente é quando se fala da pouca matemática que se tem com relação ao esperado, que é no fim do Fundamental e do Ensino Médio, o que por sinal levou a outro problema sério, no caso da oferta de vagas em engenharia, que é muito importante para o PIB, mas que vários alunos entram e não conseguem acompanhar o curso”.

Educação para o século XXI

Refletindo sobre os pontos levantados, o moderador Antônio Gois lembrou que as agendas destacadas eram importantes, mas ainda do século anterior.

“A gente não resolveu aquelas agendas que deveriam ter sido resolvidas no século XX, só que estamos em 2022, os países mais avançados na estão com outras demandas. Além das agendas do século XX, como fazemos para avançar, para a locomotiva não ficar presa no trilho do século XX?”

Ricardo Henriques respondeu lembrando que acabamos de passar por um momento de quebra em avanços que já tinham sido conquistados. “O desafio é que só retomar esse trilho não é suficiente para colocar o Brasil numa posição enquadrada nos desafios da sociedade do conhecimento. Hoje, por exemplo, na educação básica, é impossível associar o letramento estritamente à língua materna, à estrangeira e à fluência em cálculo. Se a gente não agregar o letramento digital, a gente não está sequer conectado aos desafios que estão colocados na fronteira do conhecimento na educação básica”.

Renato Janine, por sua vez, lembrou que existem questões que já eram fundamentais no século XX, e se tornaram proemimentes agora, como a do meio ambiente e a inclusão das minorias.

“Em resumo, eu penso que o século XXI está muito mais atento à psique das pessoas, à relação delas com o meio ambiente e a igualdade. A igualdade de direitos é um tema que vem pelo menos desde o século XVIII, mas ele se torna extremamente agudo nesse tempo em que nós dos dedicamos a verificar os grupos que são oprimidos”.

Maria Helena preferiu retomar uma agenda fundamental: a formação dos professores. “Eu não acredito que seja possível o Brasil avançar na qualidade e na equidade da educação sem um investimento pesado em formação inicial e continuada de professores, inclusive para o desenvolvimento das competências digitais, que não são dominadas pelos nossos professores”. Ela destacou outros exemplos:

“qual é a faculdade de educação que trata da saúde mental? Nenhuma. Em competências digitais, qual é a faculdade de educação que trata do assunto? Nenhuma. O mesmo se dá com a avaliação”.

As falas de encerramento abordaram as expectativas para o próximo governo. “Eu estou bem animada, otimista. Acho que é um momento fundamental para que a gente recupere a convicção de que é possível fazer, com muita esperança de que a educação vai retomar os trilhos e nós vamos conseguir avançar as agendas que, de alguma maneira, estavam avançando e que foram bastante prejudicadas nesses últimos quatro anos”, afirmou Maria Helena.

Janine preferiu destacar os desafios, como o receio de que a sociedade “passe pano” sobre os crimes cometidos durante o governo que se encerra, e a questão orçamentária, afirmando que “não há dinheiro para o ano que vem”, para o futuro governo desenvolver seus projetos.

Por fim, Ricardo Henriques voltou ao olhar positivo, mas com desafios: “É preciso uma política de estado e com uma intencionalidade muito acima do que a gente construiu do processo constituinte até hoje. A gente precisará fazer um duplo movimento, pois a possibilidade de crescimento da extrema direita na disputa que se dará daqui a 4 anos passa muito pela guerra cultural no campo da educação. Temos de dar conta disso e temos de lidar com essa perda gigantesca que aconteceu nesse período, mas ao mesmo tempo temos de estar com um farol lá na frente, projetando uma condição em que o Brasil seja efetivamente capaz de disputar a primeira liga da sociedade do conhecimento”.

Eventos anteriores

As comemorações dos 40 anos do Instituto Unibanco contaram ainda com o lançamento da websérie “Coleção Antirracista”, no dia 29 de novembro, no Espaço Itaú de Cinema-Augusta, em São Paulo. Produzida pela documentarista Val Gomes, com apoio do Instituto Unibanco e supervisão artística do cineasta Toni Venturi, a série teve uma equipe de criação e produção extensivamente negra. Os episódios contam com depoimentos de intelectuais negros sobre a questão racial brasileira na perspectiva do pensamento antirracista e decolonial e buscam ressignificar fatos e dados históricos da cultura africana e negra no Brasil.

Além do painel sobre Educação, o Ciclo de Debates contou ainda com mesas sobre os temas Juventudes, Democracia e Equidade, realizadas nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro.