Mirela de Carvalho, Cida Bento, Rodrigo Mendes e Rafaelly Wiest, na ordem, da esquerda para a direita (Foto Paulo Cesar Rocha – Divulgação)

“A realização da equidade depende de valorização, reconhecimento, direitos iguais e compartilhamento de poder”. Com essas palavras, Mirela de Carvalho, gerente de Desenvolvimento da Gestão em Educação do Instituto Unibanco, iniciou a mediação do debate realizado na manhã desta quinta-feira (1), na sede do Instituto Unibanco, na capital paulista. O terceiro dos quatro painéis do ciclo de debates Educação e Democracia contou com as participações de Rafaelly Wiest, diretora-administrativa da Aliança Nacional LGBTI+; Cida Bento, consultora em Diversidade Étnico-Racial no Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT); e Rodrigo Mendes, fundador e diretor-executivo do Instituto Rodrigo Mendes (IRM).

O comprometimento com a luta da equidade, analisada pelos convidados sobre diferentes perspectivas, e a concretização da prática dessa ideia em uma nova sociedade, norteou parte da conversa. Rafaelly destacou o trabalho do Instituto Unibanco no campo educacional.

“Quando falamos sobre qualquer questão relacionada a direitos humanos, partindo do princípio de conceito de equidade, é impossível não falarmos sobre educação, que forma a pessoa. Qualquer ser humano tem que ter, no mínimo, dois pilares: saúde e educação. O resto é consequência”, disse.

A representante da Aliança Nacional LGBTI+ explicou que a equidade é um desafio para a sociedade. “Infelizmente, o Brasil, isso respaldado por várias agências da ONU (Organização das Nações Unidas), é o país que mais mata LGBTs e pessoas trans no mundo. Os Estados Unidos estão no segundo lugar, com menos da metade de mortes, e ainda proporcionalmente tem quase o dobro da nossa população do Brasil”, lembrou.

Rafaelly falou um pouco de sua história de vida para enfatizar a necessidade de pensarmos na “transversalidade das pessoas”. Ou seja, compreender a pluralidade e diversidade dos marcadores sociais. “Eu não sou somente uma mulher trans. Nasci na periferia, de mãe solteira, com nove filhos, que estudou em escola pública, de família pobre. Tenho todos esses marcadores sociais, que são impossíveis de desassociar da minha vida, mas quando eu vou pautar ou falar sobre questões de direitos, é como se eu fosse só uma pessoa trans, mas eu poderia ter uma deficiência, ser uma mulher negra. E por ser uma mulher já começa novamente um outro marcador social: de que mulher não teria o mesmo direito do homem, em tese. E outro desafio de que mulher trans é mais agredida, já que estava no ‘sexo forte’ e abdicou disso para virar uma ‘mulherzinha’”, argumentou.

Na sequência, Rodrigo Mendes relacionou o tema com a rotina da pessoa com deficiência em relação à autonomia, impedimentos e relação com o meio, principalmente com a criação de uma agenda global pela ONU, a partir de 1981, e da Declaração de Salamanca, pela Unesco, em 1994, que pela primeira vez abordou o paradigma da inclusão escolar, onde se enxergou a necessidade de promover convívio e interação para qualquer ser humano ter a chance de alcançar o seu melhor como potencial. Em 2006, a ONU publicou a primeira convenção voltada aos direitos das pessoas com deficiência, que apresentou uma nova definição, que ainda não faz parte do senso comum.

“Segundo este documento, a condição de deficiência se dá pela interação entre duas variáveis: aspectos clínicos de longo prazo, como impedimentos físicos, sensoriais e intelectual no campo da saúde, e as barreiras que estão ao redor da pessoa, obstáculos que estão no meio e não mais no individuo, que era objeto da promoção da equidade”, reiterou.

Com isso, segundo o fundador do IRM, passamos a enxergar a condição de deficiência não mais como algo estático e binário, mas como uma condição relacional. “A pessoa passa a depender daquilo que está no entorno desse sujeito. Se imaginarmos um cadeirante vivendo em Ouro Preto (MG), por exemplo, cidade com topografia acidentada e com preservação de patrimônio histórico, com ruas de pedras, ela tem desafios de autonomia. A quantidade de barreiras é tão alta que inviabiliza a construção da autonomia dessa pessoa, por mais que receba assistências técnicas e tecnológicas”, explicou.

Em sua fala, Cida Bento, que compõe a equipe de transição do governo Lula na área de Educação, parabenizou o portal do Instituto Unibanco como fonte para seus textos, sobretudo na temática equidade racial. “O site tem sido um espaço não só de compartilhamento de informações neste campo de equidade e educação, mas também de incidência com relação a parceiros e áreas desse campo. Vai ampliando o conceito de que grandes institutos têm que parar e olhar a equidade para produzir conhecimento, compartilhar e atuar em rede.”

Depois, a consultora em Diversidade Étnico-Racial afirmou que vivemos de forma mais aguda os desafios de democratizar nosso país e resgatar instituições e os campos de diretos.

“Temos que nos educar e educar a sociedade para retomar o conceito de equidade em diferentes dimensões. E só assim poder pensar que a democracia está caminhando para uma sociedade para todos, que contemple todas as vozes.”

Diante disso, Cida relembrou que um marco muito “caro” para o movimento negro ocorreu em 2002, quando Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, afirmou que era preciso transversalizar ações afirmativas por toda a educação básica. “Repensar o que incide sobre as competências afetivas-emocionais das crianças, quando o ambiente escolar é inóspito para ela, os livros didáticos, as relações, a maneira dos professores lidarem com ela. Enfim, obriga todos nós, que trabalhamos em educação, a saber da importância de trazer a nossa história e cultura. E isso vem sendo reforçado. Os últimos estudos falam que quando um adolescente é perguntado sobre o motivo de ele abandonar a escola, dentre os primeiros motivos está uma escola que não dialoga com a cultura dele. O sentimento de fazer parte não está colocado no processo educativo”, contextualizou.

Cida também disse que vivemos um “momento precioso e desafiador”. “Temos que reconstruir o que fizemos nos últimos anos em termos de trazer o tema equidade para dentro das Secretarias de Educação, do MEC (Ministério da Educação). Isso incomodou tanto que foi uma das primeiras coisas a serem derrubadas, mexer com a reputação desses órgãos. O tratamento do tema pela sociedade me faz pensar quão importante e fundamental é saber que algumas coisas mudaram, felizmente, mas forças que derrubaram esses direitos, que dialogam com a violência e a brutalidade estão aí e vão fazer parte da negociação que virá. Vai esticar as relações, conceitos, na medida que muitos interesses ilegítimos no campo da ética ganharam corpo e estão nas instituições. E uma parte expressiva da nossa população dialoga com isso”, encerrou.

Para assistir à gravação do Painel Equidade – Educação & Democracia – ciclo de debates | Instituto Unibanco 40 anos, acesse: