A pluralidade de ideias, vozes e posições foi o grande destaque do Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio, realizado pelo Instituto Unibanco e Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) em São Paulo (SP) nos dias 9 e 10 de novembro. O evento reuniu gestores, professores, técnicos das secretarias de Educação, pesquisadores e estudantes, que puderam debater e expor suas opiniões sobre o modelo e o currículo de Ensino Médio que o país busca.

“Em um país em que está tão difícil conversar e discutir, ainda mais sobre um assunto tão polêmico, estar aqui durante dois dias, com toda liberdade, para manifestação de ideias, ampla, geral e irrestrita, é algo para se comemorar”, afirmou o prof. Antonio Carlos Ronca, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), elogiando a iniciativa de organização do evento sobre o tema.

Alexsandro Santos, gerente de Conteúdos e Soluções do Instituto Unibanco, enfatizou: “O caminho é pelo diálogo. Que a gente possa dialogar mais e encontrar nas experiências sinais para avançar”.

A voz dos jovens

Ana Júlia Ribeiro, estudante do 2º ano do Ensino Médio

Um dos grande destaques do Seminário ficou por conta do painel “Do Ensino Médio que temos ao Ensino Médio que queremos”, integrada por quatro estudantes, dentre eles Ana Júlia Ribeiro, realizado no segundo dia. A jovem paranaense que cursa o 2º ano do Ensino Médio ganhou notoriedade recentemente com a ampla repercussão nas redes sociais de seu discurso sobre as ocupações na Assembleia Legislativa do estado.

No Seminário, Ana Júlia elencou alguns pontos que os jovens identificam como centrais para melhoria da qualidade do Ensino Médio. Entre eles, a necessidade de investimentos na infraestrutura das escolas e voltados à formação e valorização docente. Classificou como superficial a avaliação da aprendizagem realizada apenas por provas e criticou fortemente a desconexão entre os conteúdos curriculares e a realidade dos alunos. “É preciso que haja uma ponte entre o que se aprende em sala de aula e o que existe fora dela”, salientou.

A ex-aluna da rede estadual do Rio de Janeiro Lidiane de Paula Ferreira, que atualmente cursa o 1º ano de Gestão Pública, afirmou que “a principal chave para mudar o Ensino Médio é ouvir quem está na escola: os alunos e professores”. Sobre qual deve ser o foco dessa última da educação básica, enfatizou: “a gente tem que ser formado não só para o Enem, para o vestibular ou para o mercado de trabalho, mas para ser cidadão”.

Juventude(s) na perspectiva dos especialistas
A primeira mesa do evento compôs um panorama sobre desafios que envolvem a juventude brasileira. André Loureiro, do Banco Mundial, expôs alguns dos dados do estudo divulgado neste ano pela instituição sobre os jovens nem-nem na América Latina. “De cada cinco jovens da região, um não trabalha nem estuda”, afirmou. “No Brasil, o percentual de jovens nem-nem está estável desde os anos 90”, complementou, ressaltando o potencial desperdiçado pelo país.

Gabriel Medina fala sobre os desafios das políticas para as juventudes

Gabriel Medina, ex-Secretário Nacional de Juventude, também apresentou alguns dados referentes à população juvenil relacionados à educação, inserção no mercado de trabalho, violência, mobilidade urbana, dentre outros. Para ele, “a escola não vai conseguir dar conta dos desafios da juventude se não se articular com outras políticas”.

A pesquisadora Miriam Abramovay, da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais Brasil (Flacso), complementou as falas anteriores, discorrendo sobre concepções e estereótipos existentes sobre o jovem. “Ainda se tem uma visão dúbia sobre o jovem, ora como alguém que tem que ser responsável, ora como um irresponsável; ora visto como esperança e ao mesmo tempo do qual se tem medo”, analisou.

Miriam destacou ainda alguns achados de pesquisas que coordenou. “Os jovens têm a escola como um locus importante. Querem passar mais tempo nela e valorizam profundamente o professor que demonstra domínio dos conteúdos e sabe ensinar”.

Experiências internacionais

Tina Tähkä, conselheira de Educação da Finlândia

O encontro também jogou luz sobre experiências internacionais consideradas exitosas – Ontario (Canadá), Alemanha e Finlândia – com o intuito de buscar elementos que sirvam de subsídio para a construção de um novo modelo de Ensino Médio para o Brasil.

No caso da província canadense, são oferecidos diversos programas; um deles tem como objetivo orientar o aluno para que ele, a partir dos 12 anos, mapeie interesses e seja capaz de construir projetos de futuro; outro visa conectar a teoria à carreira que o estudante pretende seguir.

Segundo Richard Franz, do Ministério da Educação de Ontario, algumas políticas foram decisivas para conclusão da educação secundária por 85% dos estudantes. Uma delas foi a de desenvolvimento da formação docente. “Os professores e gestores são a força que promove melhorias na escola”, destacou.

Tina Tähka, do Distrito Nacional de Educação Finlandês, destacou como princípio estruturante da educação secundária no país a busca pela equidade. “Todos devem ter as mesmas oportunidades de educação e trabalho”. O sistema oferece a possibilidade de o estudante optar entre um ensino geral ou vocacional. “Temos dois caminhos, mas não há beco sem saída”, ressaltou.

Críticas à flexibilização
As críticas à flexibilização das trajetórias, proposta na medida provisória 746 que pretende reestruturar o Ensino Médio, dominaram parte das falas dos pesquisadores, gestores e jovens que integraram a programação.

Carlos Artexes, diretor geral do Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio (Sesc) frisou que a ideia de diversificação do currículo já é possível dentro da legislação atual. “Não é a norma que vai libertar o Ensino Médio”, pontuou. “O engessamento vem da cultura escolar.”

Ele considerou inevitável a geração de desigualdades como consequência caso a medida venha a ser implementada no atual contexto de crise financeira dos estados. “Os alunos terão pouca opção”. E complementou: “O Brasil tem muita fragilidade em orientar escolhas”, citando o índice de 30% de abandono no Ensino Superior.

Prof. Chico Soares (UFMG)

Francisco Soares, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-presidente do Inep, reforçou a importância de mudanças no Ensino Médio. “Universalizamos um modelo pensado para poucos”, observou. Por outro lado, destacou que “a mudança tem que ser um projeto para maioria” e chamou a atenção para os riscos da flexibilização do currículo: “As desigualdades que as políticas geram precisam ser pensadas no momento em que elas são implementadas”, alertou.

Para Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec, a diversificação da oferta pode gerar desigualdades. A afirmação baseia-se nas conclusões de estudo realizado sobre as políticas de Ensino Médio de tempo integral dos estados do Ceará, Goiás, Pernambuco e São Paulo. A pesquisa constatou uma tendência de opção por essa modalidade pelos alunos com nível socioeconômico mais elevado e do ingresso no ensino em tempo parcial pelos que possuem menor capital cultural. “A educação integral se caracteriza pela alta qualidade, mas é preciso pensar em outras estratégias de implementação dessas políticas”, observou.

Karina de Souza, diretora de Educação Básica do Instituto Federal São Paulo, também criticou a proposição de colocar o ensino técnico como um dos itinerários formativos possíveis do Ensino Médio, o que se contrapõe à concepção de ensino integrado adotada pela instituição, que articula conhecimento, trabalho e cultura. Para ela, a reforma promove um “descolamento entre formação geral e profissional”.

Desafios da reforma

Idilvan Alencar, secretário estadual de Educação do Ceará

Os desafios para implementação das mudanças propostas na reforma também foram lembradas. O secretário estadual de Educação do Ceará, Idilvan Alencar, dedicou boa parte de sua fala a uma análise da proposta de diversificação de trajetórias no Ensino Médio do ponto de vista das dificuldades de sua implantação. “A ideia é boa, mas deve vir acompanhada de um grande debate, que contemple a questão do financiamento”, salientou. Ele apontou ainda a necessidade de não dissociar o debate do contexto atual, marcado pela crise financeira e pela proposta do governo federal de congelar gastos em educação e saúde. O secretário fez ainda uma dura crítica à forma como a reforma do Ensino Médio foi colocada pelo MEC – via medida provisória. “Defendo que estados e redes tenham autonomia para melhorar o Ensino Médio. A questão é bem mais complexa que somente mudar o currículo”, concluiu.

“Uma reforma que mexe com a vida das pessoas que estão na escola, que traz novos componentes esbarra em professores concretos, na formação concreta oferecidas pelas universidades”, afirmou a professora Sofia Lerche, da Universidade Estadual do Ceará.

O diretor do Consed, Fred Amancio, defendeu a reforma do Ensino Médio, reforçando a necessidade de mudança como uma demanda posta pelos jovens e pela insuficiência dos índices relativos a essa etapa. “Precisamos dialogar, enfrentar e avançar”, salientou, pontuando que a reforma deve contemplar um processo gradual de discussão que deve ocorrer nos estados.

Ele frisou ainda a capacidade dos jovens em optar pelas disciplinas que pretende cursar aos 15, 16 anos, assim como “tem condições de votar”. E complementou: “O que importa são as aprendizagens dos alunos e não o número de disciplinas”.

Foco no enfrentamento das desigualdades

Da esq. p/ dir.: Bel Mayer (Ibeac), Rodrigo Hübner Mendes (Instituto Rodrigo Mendes), Cida Bento (CEERT) e Denise Carreira (Ação Educativa)

Para jogar luz sobre o papel do currículo no enfrentamento das desigualdades, a programação incluiu uma mesa para tratar especificamente do tema, composta por Cida Bento, diretora-executiva do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Rodrigo Hübner Mendes, diretor do Instituto Rodrigo Mendes, e Denise Carreira, coordenadora de Educação da Ação Educativa. A mediação ficou por conta de Bel Santos Mayer, do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac).

Ao destacar a importância da lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, Cida Bento questionou: “O quanto até então esse currículo, essa escola excluía a história de metade da população brasileira?”. Ela lembrou ainda que o currículo é “um território de disputa ideológica” e o papel fundamental desempenhado pela escola na construção do imaginário nacional sobre brancos e negros.

Para Denise Carreira, a pergunta central para o debate é: “Que currículo de Ensino Médio é necessário para construir um projeto de justiça social no País?”. Dando ênfase em sua apresentação à questão de gênero, ela conclamou a todos os presentes a enfrentar a onda conservadora que vem inibindo os debates sobre diversidade no ambiente escolar. “É fundamental que o poder público, os gestores banquem essa agenda nas escolas”.

Diálogo que produz empatia

À esq., Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, e Antonio Paiva Neto, diretor institucional do Consed

O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, encerrou o evento, fazendo uma breve reflexão sobre as discussões realizadas. “Nesses dois dias conseguimos dar conta de criar um aprofundamento do diálogo. É muito bom ver a quantidade de secretários de Educação, gestores, coordenadores de Ensino Médio professores e estudantes que aqui estiveram”, celebrou.

“Volto à ideia que apresentei na abertura, que é a do diálogo. O diálogo não é só instrumento. É essência de um campo de transformação que se quer propositivo, que reconhece e exercita o contraditório a busca de novos caminhos. É isso que o Instituto Unibanco tem tentado fazer”, concluiu.