Início » Boletim Aprendizagem em foco » Melhoria da convivência ajuda a prevenir violências
Edição 88 | Maio de 2023
A importância da realização de ações voltadas ao clima e à melhoria da convivência escolar sempre foi uma preocupação das escolas, especialmente pelo seu impacto no desenvolvimento pleno e na aprendizagem dos estudantes – relação já comprovada cientificamente em uma série de estudos e pesquisas sobre o tema (confira o box “Relação entre clima escolar e aprendizagem já foi tema do Aprendizagem em Foco”).
Contudo, essas dimensões têm ganhado ainda mais relevância frente à repercussão gerada pelos casos recentes de episódios de violência nas escolas. Embora as causas desses eventos extrapolem o espaço escolar e sejam também reflexos de outros fenômenos sociais, o olhar atento sobre como estão as relações entre alunos, entre estudantes e professores e demais profissionais da educação tem sido ressaltado como um dos pontos centrais na atuação da escola para enfrentar o problema. Isso significa construir um clima escolar positivo, onde todos se sintam acolhidos, pertencentes ao grupo, atentos ao bem-estar e capazes de identificar e resolver conflitos de maneira preventiva.
O Ministério da Educação divulgou em abril um material intitulado “Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar”, voltado para as diferentes instâncias das redes de ensino. No caso das escolas, são 16 orientações, tanto para prevenção como após a ocorrência de algum incidente, que vão desde medidas para criação de uma rede com outros serviços do território nas áreas da segurança, assistência social e saúde mental até a questão curricular, como a ênfase em abordagens voltadas para a promoção da equidade, das diversidades e da inclusão. Dentre as indicações, boa parte delas dizem respeito ao clima e à convivência escolar, como, por exemplo, “criar espaços e processos inclusivos de acolhimento nas instituições de ensino” (Veja o box “Recomendações para proteção no ambiente escolar relacionadas à convivência”).
“A gente vem vivendo cada vez mais um mundo individualista, de solidão, muito pouco preocupado com o que de verdade faz sentido para os outros (…) E nesses momentos de crise a nossa estratégia básica é levantar muros, é fechar tudo, se fechar. E a gente sabe também, por dados, por evidências, que o efeito disso é contrário”, enfatizou a secretária de Educação Básica do MEC, Kátia Schweickardt, durante live promovida no último dia 25 de abril para apresentar algumas iniciativas do Grupo de Trabalho Executivo da pasta, constituído para a formulação de medidas de proteção escolar.
“Na verdade, o sucesso de superar esse tipo de situação vem da possibilidade de vencer essa solidão coletiva, procurar promover mais interações positivas, que reconheçam a diversidade, o respeito, processos mais coletivos de se pensar e de pensar o seu território e a sociedade em que a gente está vivendo. E não tem lugar mais privilegiado para que isso possa ser promovido que a escola. A escola é o lugar de promover a interação, conexões positivas, de fortalecer laços, identidades”, salientou.
A coordenadora de formações do Instituto Ame Sua Mente, organização que atua com foco na promoção da saúde mental nas escolas, Ana Carolina D’Agostini, afirma que o aumento das situações de bullying e de conflito entre estudantes e entre estudantes e professores relatado pelas escolas tem relação com os impactos da pandemia sobre o desenvolvimento e a sociabilidade de crianças e adolescentes.
“Quando a gente está convivendo com outros dentro da escola a gente tem o retorno imediato das nossas atitudes em termos de olhar e de reações emocionais que o outro vai ter em relação ao nosso comportamento. Mas quando a gente está intermediado por telas tanto tempo, perdemos essa troca imediata e o nosso comportamento é sim afetado por essa falta de percepção de como a gente está com o outro”, explica.
Nesse sentido, ela defende que o olhar sobre como estão as relações na escola seja uma prioridade da gestão. “[É fundamental] Ter estratégias na escola que favoreçam o relacionamento. De repente, incentivar que eles formem grupos diferentes a que estão acostumados para incluir alguém que está se sentindo muito sozinho e não está conseguindo se conectar; perguntar como as pessoas estão; abrir espaço para que elas tragam ideias; fazer projetos em grupo que possam olhar para essa temática. Tornar o relacionamento uma prioridade é algo que é possível fazer em diferentes níveis. A gente sabe que não faltam atribuições para a gestão, mas olhar como está a qualidade dos relacionamentos na escola e o clima escolar tem que ser uma prioridade também”, pensa.
A pesquisadora Telma Vinha, da Unicamp, autora de diversos estudos sobre clima escolar, reforça a importância de serem implantadas políticas estruturadas na área da convivência que apoiem os educadores na construção da escola como esse espaço de escuta e acolhimento. “É preciso criar três grandes vias: a institucional, a curricular e uma relacional. O investimento é na melhoria da qualidade das relações. Nas instituições é preciso ter espaços de escuta (assembleia constantemente entre os jovens para que eles possam falar das suas dificuldades), pessoas preparadas para mediação de conflito na escola, sistema de apoio entre pares (jovens que cuidam uns dos outros e intervêm em situação de bullying). Além disso, é importante o desenvolvimento de processos de como identificar violência para que os professores estejam aptos para lidar com distintos problemas de convivência. E a via curricular é quando essas questões são inseridas no currículo”, afirmou, durante sua participação em painel do Encontro Anual Educação Já 2023, promovido pelo Todos Pela Educação no dia 18 de abril.
Nas escolas, diversas iniciativas voltadas à escuta e ao acolhimento têm alcançado resultados bastante positivos tanto na convivência como no desempenho escolar e também no bem-estar dos estudantes. Na E.E.João XXIII, localizada em Ipatinga (MG), o número expressivo de alunos com ansiedade, ataques de pânico ou que se automutilavam e faltavam recorrentemente às aulas preocupava a gestão. Após o relato do problema em uma reunião com as famílias, um dos pais, psicólogo, ofereceu o seu suporte e o da equipe de sua clínica para auxiliar a escola a lidar com a questão.
Com essa orientação especializada, foi desenvolvido um projeto, que incluiu a realização de palestras sobre saúde emocional e a disponibilização de caixas posicionadas em locais estratégicos da escola onde os alunos poderiam depositar anotações sobre os seus sentimentos. Depois, um psicólogo lia os bilhetes deixados pelos estudantes, analisava e realizava um trabalho em grupo, geralmente rodas de conversa e dinâmicas, para que eles pudessem se expressar. Nos casos em que era necessário ou por demanda do próprio jovem, o psicólogo acionava a direção para que ela contatasse a família e fosse feito encaminhamento para atendimento individual.
“Tivemos uma boa queda de alunos se cortando, um melhor desempenho na escola e eles sentiram que a escola era um espaço em que eles poderiam realmente se expressar”, relatou a diretora Maristela Martins, em depoimento ao Banco do Soluções do Instituto Unibanco.
No município de São João da Fronteira (PI), a diretora do CETI São João Batista, Antonia da Silva Lima, percebeu que a mudança da escola de turno regular para tempo integral demandava ações para que os estudantes se sentissem pertencentes ao lugar e acolhidos no espaço onde passariam a conviver de forma ainda mais intensa. Uma primeira ação foi fazer uma recepção diferenciada dos alunos todas as segundas-feiras com mensagens, músicas etc. Cada turma contava com um padrinho, um professor responsável por preparar esse momento no pátio. “Foi a forma que a gente encontrou de eles [os alunos] se sentirem acolhidos e ao mesmo tempo uma oportunidade de eles se sentirem mais leves. Muitas vezes chegamos de casa carregados de problemas.”, afirma a diretora.
“A gente tem um momento de conversar com eles durante a semana, ver o tema que eles gostariam de trabalhar durante essas acolhidas para aproximar professor e aluno. E para a gente descobrir como está esse aluno, do que ele está precisando conversar, desabafar e o que ele quer trazer para os outros. Porque às vezes a mensagem que ele quer mandar talvez seja a que ele quer receber”, observa a professora Daisy Samara.
Os resultados da iniciativa surtiram efeito direto no índice de evasão da escola, que caiu de 14,8% em 2010 para 4,24% em 2017. Professores também relatam uma maior proximidade com os estudantes, que se sentem acolhidos, ouvidos e respeitados pelos docentes e pela gestão. O depoimento completo da diretora Antonia e da professora Daisy também pode ser conferido no Banco de Soluções.
Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar, Ministério da Educação (abril/2023): bit.ly/Recomendacoes_MEC
Guia sobre Prevenção e Resposta à Violência às Escolas, Campanha Nacional pelo Direito à Educação (abril/2023): bit.ly/Guia_Prevencao_Campanha
#MECAoVivo | Diálogos Formativos | Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar (live) (25/04/2023): www.youtube.com/watch?v=9Infy3Y8Oo8
Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco.
Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
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Produção editorial: Redação Fabiana Hiromi; Edição Antônio Gois
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A associação brasileira de Pesquisadores/as Negros – ABPN – é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, assistência, cultural, científica, e independente, tendo por finalidade o ensino, pesquisa e extensão acadêmico – científica sobre temas de interesse das populações negras do Brasil. No âmbito dessa associação foi idealizado o projeto Afrocientista. A proposta faz parte do conjunto de parceiros fomentados pelo Instituto Unibanco desde 2019.
Projeto Afrocientista
O objetivo do Afrocientista é despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro – NEAB e entidades correlatas.
Além de garantirmos o despertar a vocação científica e incentivar talentos entre estudantes negros e negras matriculados em escolas de ensino médio, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica desenvolvidas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiro. Agora temos o desafio de operacionalizar um projeto de tamanha relevância e complexidade num contexto de pandemia e em formato virtual.
– São 12 NEABs e seus respectivos coordenadores e coordenadoras;
– 12 bolsistas da graduação que apoiam os coordenadores dos núcleos;
– 17 escolas (08 antigas e 9 novas);
– 116 bolsistas da educação básica;