Estudos estimam impacto da pandemia na aprendizagem
Completamos um ano de escolas total ou parcialmente fechadas. Quais os impactos da pandemia na aprendizagem e na vida escolar? Uma série de estudos e pesquisas vem tentando responder a essa pergunta no Brasil e no mundo. Para ajudar os gestores, reunimos aqui alguns dos principais resultados. Alguns deles são estimativas feitas considerando o tempo de fechamento das escolas e evidências de estudos prévios à pandemia enquanto outros, poucos, já foram capazes de mensurar na prática algum impacto da crise gerada pela Covid-19 nos sistemas educacionais.
Na linha de estudos que estimam o impacto, o Banco Mundial prevê piora na capacidade de leitura e compreensão de textos pelos estudantes. Em um recém-lançado relatório sobre a situação na América Latina e no Caribe, a instituição estimou que o percentual de “pobreza de aprendizagem” no Brasil poderá subir de 50% (nível pré-pandemia) para até 70%, num cenário de fechamento das escolas por 13 meses. O indicador considera a proporção de crianças de 10 anos que apresentam graves dificuldades de leitura. Em outras palavras, alunos com idade para estar no 5º ano do Ensino Fundamental, mas que não conseguem entender um texto simples
A projeção consta no relatório “Agindo agora para proteger o capital humano de nossas crianças”, divulgado em 17 de março. “Apesar dos imensos esforços realizados, a aprendizagem está despencando nos países da América Latina e Caribe por causa da pandemia, particularmente entre as crianças mais pobres”, alerta o documento.
“As estimativas iniciais dos efeitos do fechamento das escolas na região são espantosas: essa interrupção pode fazer com que cerca de dois em cada três alunos não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade”, afirma o Banco Mundial.
A publicação estima que os alunos dos países latino-americanos e caribenhos, em média, ficaram pelo menos 159 dias sem aulas presenciais no ano letivo de 2020. O resultado seriam perdas de aprendizagem, ou seja, estudantes aprendendo menos do que seria esperado numa situação de normalidade. Isso é o que indica outra projeção apresentada no relatório, tendo como referência o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). Uma interrupção de dez meses de aulas presenciais na América Latina e no Caribe poderia elevar de 55% para 71% a proporção de estudantes de 15 anos com desempenho abaixo dos níveis mínimos de proficiência no Pisa − exame que avalia leitura, matemática e ciências.
O Banco Mundial estimou também que o fechamento das escolas na América Latina e no Caribe, num cenário em que as aulas presenciais ficassem interrompidas por dez meses, poderia ampliar o fosso entre os 20% de alunos mais ricos e os 20% mais pobres. No caso da prova de leitura no Pisa, por exemplo, a distância entre esses dois grupos tenderia a aumentar de 94 para 105 pontos, sendo que cada 40 pontos correspondem a um ano de escolaridade. Importante notar que ambos os grupos, de acordo com o relatório, deverão ter perdas significativas de aprendizagem. Ou seja, a diferença aumenta porque a queda entre os mais pobres é ainda maior.
Em meio a tantos desafios, a publicação do Banco Mundial destaca que a pandemia pode ser uma oportunidade para que os sistemas de ensino se tornem “mais eficazes, igualitários e resilientes”. Uma das recomendações é focar nos segmentos mais desfavorecidos da população, ampliando o alcance e a qualidade do ensino remoto.
O Banco Mundial sugere uma comunicação direta com pais e professores, bem como a priorização curricular (selecionar conteúdos para ser ensinados em todas as escolas) e a formação docente. Em relação à volta das aulas presenciais, o relatório diz que é preciso levar em conta o contexto sanitário local. E recomenda:
“Mais tempo de aula, reforço para os alunos, simplificação dos conteúdos ou aceleração da aprendizagem são opções que apresentaram bons resultados.”
Outro estudo, no âmbito ainda das estimativas e divulgado em janeiro de 2021, projeta que os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) podem ter regredido, em média, até quatro anos em leitura e língua portuguesa, tendo em vista o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A estimativa indica redução também na nota média de matemática − nesse caso, com perda equivalente a até três anos de escolaridade.
As estimativas foram feitas pelo Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (FGV EESP Clear), vinculado à Fundação Getúlio Vargas. A análise considerou três cenários, a partir do desempenho dos estudantes brasileiros entre 2015 e 2019 no Saeb: otimista, pessimista e intermediário.
No cenário otimista, a premissa foi de que, no ensino remoto, os estudantes aprenderiam o mesmo que no ensino presencial, contanto que realizassem as atividades escolares. No intermediário, o nível de aprendizagem estaria atrelado ao número de horas estudadas. Logo, haveria perda de aprendizagem, uma vez que a carga horária remota costuma ser menor que a presencial. Por fim, o pior cenário considerou que os estudantes não aprenderiam nada remotamente.
Mesmo no cenário intermediário, a projeção foi de que os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental teriam desempenho no Saeb similar ao obtido dois anos antes, com perdas de aprendizagem de 34%. A diminuição no pior cenário seria mais que o dobro, totalizando 72%. O prejuízo dos alunos no Ensino Médio, de acordo com a estimativa do FGV EESP Clear, seria quase a mesma: igual no pior cenário (72%), alcançando 33% no cenário intermediário.
Para fazer as projeções, os especialistas do FGV EESP Clear adotaram como ponto de partida o nível de aprendizagem de um ano típico (antes da pandemia) e levaram em conta o período de suspensão das aulas presenciais (estimado em 72% do ano letivo). O estudo foi encomendado pela Fundação Lemann. Na opinião do diretor de Políticas Educacionais na fundação, Daniel de Bonis, ficou evidente que os problemas educacionais do país durante a pandemia seriam ainda maiores sem o ensino não presencial.
“A simulação mostra a importância da aposta que foi feita no ensino remoto, mesmo com todas as suas limitações. A tecnologia se mostrou uma aliada do processo de ensino e aprendizagem durante a pandemia, e o ensino híbrido continuará fundamental em 2021, inclusive nos processos de superação das defasagens”, afirmou Daniel de Bonis, na ocasião da divulgação dos resultados.
O estudo também apontou desigualdades. No cenário intermediário, por exemplo, as meninas teriam melhor desempenho que os meninos, principalmente em matemática, nos anos finais do Ensino Fundamental. Nesse segmento, assim como no Ensino Médio, o pior desempenho em português (leitura) e matemática foi estimado para meninos pardos, pretos e indígenas cujas mães não tenham concluído o Ensino Fundamental. Os melhores, isto é, os estudantes com menos perda de aprendizagem seriam as meninas brancas cujas mães completaram pelo menos o Ensino Médio.
Impactos verificados
Diferentemente das projeções do Banco Mundial ou da FGV, feita a partir de bases de dados já existentes, há estudos internacionais que conseguiram medir o impacto da pandemia por meio de avaliações realizadas após a suspensão das aulas presenciais. Esses trabalhos, porém, estão restritos a alguns poucos países.
Foi o que ocorreu na região de Flandres, na Bélgica, onde houve perdas de aprendizagem em holandês (língua nativa obrigatória nas escolas de lá) e matemática entre alunos do último ano da educação primária (equivalente ao 5º ano do Ensino Fundamental no Brasil).
Os resultados constam no estudo The Effect of School Closures on Standardized Student Test Outcomes, de Joana Elisa Maldonado e Kristof De Witte, pesquisadores de Economia da Educação da Universidade Católica de Leuven, e foram tema de uma coluna do pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, João Marcelo Borges, no jornal eletrônico Nexo.
Foram comparados resultados dos alunos após nove semanas de ensino remoto − e mais algumas de ensino híbrido − com aqueles obtidos por estudantes em anos anteriores, entre 2015 e 2019.
“Os alunos que fizeram os testes em 2020 tiveram resultados piores em todas as disciplinas e as desigualdades de rendimento aumentaram dentro das e entre as escolas”, observa João Marcelo na coluna do Nexo.
“(…) a desigualdade dentro das escolas aumentou 17% em matemática e 20% em língua holandesa. Por sua vez, a desigualdade entre as escolas cresceu 7% e 18% nas mesmas disciplinas, respectivamente. Além disso, a análise sugere que o aumento da desigualdade se deve mais a mudanças na base do que no topo da distribuição − isto é, os alunos com piores condições socioeconômicas tiveram perdas ainda maiores do que seus pares mais privilegiados.”
Estudo similar foi feito na Holanda, a partir dos resultados de cerca de 350 mil alunos que fizeram provas nacionais antes e depois da suspensão das aulas presenciais por oito semanas, em 2020. A conclusão foi de que as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental tiveram perdas equivalentes a um quinto do ano letivo − praticamente o mesmo período que as escolas permaneceram fechadas.
“Esses resultados implicam que, na média, os alunos fizeram pouco ou nenhum progresso enquanto estudavam em casa, e sugerem perdas muito maiores em países menos preparados para o ensino remoto”, escreveram os pesquisadores Per Engzell, Arun Frey e Mark Verhagen.
Eles fazem um alerta de que a situação de perdas de aprendizagem tende a ser ainda maior em sistemas educacionais de menor investimento e onde as escolas ficaram mais tempo paradas (caso dos países da América Latina) O artigo está disponível na internet e pode ser acessado aqui, em inglês. O título é Learning Loss Due to School Closures During the COVID-19 Pandemic (Perda de aprendizagem devido ao fechamento de escolas durante a pandemia de covid-19, em tradução livre).
Outro levantamento internacional que conseguiu alguma medida do impacto pós-Covid foi divulgado nos Estados Unidos em novembro de 2020. O título é Learning during COVID-19: Initial findings on students’ reading and math achievement and growth (Aprendizagem durante a Covid-19: Achados iniciais sobre o resultado e crescimento dos estudantes em leitura e matemática). Nesse trabalho, os autores mostram que o impacto negativo foi maior em matemática do que em leitura, um fator que pode ser explicado pelo fato de as famílias terem melhores condições de apoiarem os filhos nessa disciplina do que em matemática.
É necessário frisar que, mesmo tendo conseguido efetivamente mensurar algum impacto da Covid na aprendizagem, todos esses estudos ainda são preliminares, pois ainda há muito a ser investigado, especialmente em países como o Brasil, que ficaram mais tempo com escolas fechadas e com maiores níveis de desigualdade e pobreza.
Acesso à internet e infraestrutura escolar
No Brasil, como ainda não temos dados relativos à aprendizagem ou ao abandono, os poucos estudos divulgados captam algumas dimensões que podem ter efeito nesses indicadores. Um levantamento realizado pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em janeiro e fevereiro de 2021, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Itaú Social, jogou luz sobre a realidade da escola pública no ano passado. Com dados de 3.672 secretarias municipais de Educação (dois terços dos municípios do país), o estudo mostra que 91,9% delas funcionaram apenas por meio de ensino remoto, enquanto 8,1% adotaram o ensino híbrido (atividades presenciais e não presenciais).
Os maiores desafios citados pelas secretarias de Educação foram o acesso dos estudantes à internet e a infraestrutura escolar. Numa escala de 1 a 5, em que 5 indicava a maior dificuldade, quase metade das redes (48,7%) assinalou os níveis mais altos (4 e 5) no tocante à internet; 40% fizeram o mesmo em relação à necessidade de adequações de infraestrutura.
No ensino remoto, as redes municipais se valeram preponderantemente de material impresso (95,3% das redes municipais) e WhatsApp (92,9%) − a terceira opção mais citada foram as videoaulas gravadas (61,3%). Em quarto lugar, aparecem as orientações on-line por meio de aplicativos (54%). Já estratégias como as plataformas educacionais (22,5%) e as videoaulas on-line ao vivo foram mencionadas por apenas 22,5% e 21,3% dos municípios respectivamente.
“As redes com maior capacidade de financiamento conseguiram oferecer mais plataformas estruturadas. Quem não tem essa possibilidade se limitou a fazer com o que podia”, afirmou o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, ao divulgar os resultados no último dia 12 de março.
Em outra frente, o Centro de Políticas Sociais da FGV analisou microdados da Pnad Covid, do IBGE, para estimar o tempo médio dedicado pelos alunos às atividades escolares na pandemia. De acordo com o estudo da FGV, o tempo médio era de 2,37 horas por dia útil entre alunos de 6 a 15 anos − menos que o mínimo previsto em lei. Adolescentes de 16 e 17 anos destinaram mais horas à educação, informa o estudo, mas também tinham índices maiores de abandono, o que fazia cair seu tempo médio enquanto grupo. Outra constatação importante do trabalho é que os jovens de família de maior renda passaram significativamente mais tempo em média (3,33 horas em aula ou atividades escolares) do que os mais pobres (2,03 horas), o que demonstra que a pandemia deve mesmo ter impactos muito preocupantes no agravamento da desigualdade.
Não à toa, uma das recomendações de todos os estudos que estão identificando este problema é para que as políticas educacionais tenham especial preocupação com a promoção da equidade:
“A continuação do aprimoramento do alcance e da aceitação do ensino a distância para os grupos mais desfavorecidos, assim como a qualidade geral da aprendizagem remota, será fundamental para mitigar as perdas de aprendizagem e reduzir as desigualdades”, diz o relatório do Banco Mundial.