Nota Técnica Ideb 2021 – Instituto Unibanco
Divulgação do Ideb 2021
Serão divulgados em setembro de 2022 os dados do Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – referentes ao ano de 2021. O Ideb é um indicador desenvolvido pelo Governo Federal, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para avaliar a qualidade da oferta educacional nos Ensinos Fundamental I, Fundamental II e Médio, abrangendo informações de escolas públicas das redes municipal, estadual e federal, além de escolas privadas. Seu acompanhamento é feito desde 2007 e seus resultados divulgados bianualmente.
O cálculo do Ideb se pauta na composição de dois fatores: as taxas de rendimento escolar (taxas de aprovação nas séries da etapa analisada) e as médias de desempenho em Língua Portuguesa e Matemática na avaliação externa realizada pelo Inep, a Prova Brasil, pertencente ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Historicamente, os dados do Ideb são divulgados em dois momentos. Desde a edição de 2011, em setembro são liberadas as informações desagregadas por escolas, diferenciando os resultados pelo tipo de rede, dependência administrativa (pública municipal, pública estadual, pública federal ou privada) e localização da escola (rural/urbana). Portanto, neste primeiro momento de análise dos resultados é possível caracterizar a evolução histórica das redes e dos entes federativos (estados e municípios), a diferença entre o resultado apurado e a meta estabelecida pelo Inep para cada ente, além de observar o grau de heterogeneidade dos resultados entre os territórios.
Não é possível, por exemplo, comparar o desempenho de estudantes por perfil. Ainda assim, a evolução histórica de cada rede e vis-à-vis outras redes têm relevância, pois estabelece o quadro geral do desenvolvimento global da educação básica no país.
Apenas em um segundo momento, por volta do mês de outubro, são divulgados os microdados do Ideb, que trazem as informações desagregadas por aluno, além de dados complementares sobre o contexto das escolas e perfil dos estudantes, permitindo a verificação da heterogeneidade de resultados intrarredes e entre alunos. Também é possível analisar a proporção de estudantes por níveis de aprendizagem (insuficiente, básico, proficiente e avançado).
Preocupa-nos o fato de o atual questionário contextual do Saeb não contar com informações sobre gênero e raça, o que dificulta a produção de análises futuras que levem em conta esses marcadores.
O Saeb 2021 além de Língua Portuguesa e Matemática
A despeito das questões conjunturais ocasionadas pela crise sanitária que afetaram sobremaneira as redes de ensino, professores e estudantes, e que provavelmente estarão refletidas nos resultados do Ideb 2021, como discorreremos a seguir, é importante registrar que o Saeb 2021 deu prosseguimento a três inovações que haviam sido inicialmente incorporadas à edição de 2019. São elas:
- Educação infantil: foram aplicados pela primeira vez questionários aos titulares dos órgãos gestores da educação, aos diretores das escolas e aos professores de turmas em uma amostra de instituições privadas, públicas e conveniadas com o poder público, localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam turmas de creche ou pré-escola da etapa da Educação Infantil. Não há qualquer tipo de Matriz de Referência ou teste aplicado às crianças. Em 2019 foi realizada apenas uma aplicação-piloto para teste dos questionários.
- Ensino Fundamental:
- 2º ano: foram aplicados testes de Língua Portuguesa e Matemática para uma amostra de estudantes de 2º ano do Ensino Fundamental, tomando por referência matrizes e referência elaboradas em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017, em uma amostra de escolas públicas e privadas localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam 10 ou mais estudantes matriculados em turmas de 2º ano do Ensino Fundamental, distribuídas nas 27 Unidades da Federação (UF).
- 9º ano: foram aplicados testes de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas para uma amostra de estudantes de 9º ano do Ensino Fundamental, tomando por referência matrizes de referência elaboradas em conformidade com a BNCC de 2017, em uma amostra de escolas públicas e privadas localizadas em zonas urbanas e rurais com 10 ou mais estudantes matriculados em turmas de 9º ano do Ensino Fundamental, distribuídas nas 27 UF.
Logo, para além dos testes em Língua Portuguesa e Matemática a que estamos acostumados a acompanhar, sobretudo porque é a partir deles que se produz o Ideb, é importante registrar que o Saeb vem se expandindo para incorporar as determinações normativas da política educacional brasileira, sobretudo a BNCC.
Com efeito, trata-se da segunda edição do SAEB que incorpora testes produzidos tendo como referência a BNCC, mas ainda com aplicação em caráter amostral. Para os testes aplicados ao 9ºano do Ensino Fundamental, a amostra permite analisar os resultados pelos seguintes estratos (INEP; 2021):
- por rede: estadual, municipal e privada;
- por unidade da Federação;
- por localização: urbana e rural;
- por área: capital e interior.[1]
Conquanto a ação do Instituto Unibanco se concentre no Ensino Médio, recordamos essas graduais inovações no Saeb por três razões. Primeiro, trata-se de uma continuidade da política pública já determinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e consubstanciada na BNCC de 2017. Segundo, dado que o Saeb 2021 é a segunda edição em que são realizados os testes de Ciências da Natureza e de Ciências Humanas no 9º ano do Ensino Fundamental, é possível que as redes estaduais que ainda possuem muitas escolas no Ensino Fundamental II queiram, ou sejam obrigadas a, analisar os dados de 2021 comparados aos de 2019. Neste caso, todas as considerações feitas a seguir também são aplicáveis. Por fim, entendemos que essas inovações abrem caminho para a reformulação do próprio Saeb e do Ideb, que deve ocorrer não só em função da BNCC, mas também em decorrência do fim de sua projeção de metas.
Como interpretar os resultados do Ideb
O Ideb é um índice composto por dois fatores (rendimento e desempenho). Logo, seu resultado precisa ser analisado considerando o papel de cada um destes fatores na formação da nota final. Essa cautela é essencial para que o olhar sobre os resultados globais do Ideb não leve a entendimentos errôneos.
Por exemplo, suponhamos uma política educacional que tem como efeito o aumento do aprendizado de um grupo seleto de estudantes, refletido nas notas do Saeb, mas que é acompanhada por um aumento do abandono escolar decorrente das dificuldades enfrentadas por estudantes impactados por inúmeros fatores que atravessam sua trajetória educacional. Esta situação, somada à ausência de uma política efetiva de busca ativa dos estudantes, acarreta aumento da evasão escolar, em que os estudantes deixam de se matricular na escola para a continuidade dos estudos. Aqui o que observamos é que um possível avanço em termos de Ideb decorreria na verdade de uma política institucional excludente, pois o aumento do resultado do indicador decorre do aumento da aprendizagem de um grupo específico em detrimento da exclusão sistemática de outros grupos de estudantes, em sua maioria, negros, de famílias em situação de extrema pobreza, ingressos precoces no mercado de trabalho, entre outros fatores que impactam o processo de aprendizagem, levando-os a saírem da escola (lembremos que evasão escolar não é captada pelo Ideb).
Por outro lado, um segundo cenário, também problemático, poderia ser aquele em que não há incremento em termos de aprendizagem refletido no Saeb, mas em que uma estratégia de aprovação automática adotada pela rede tenha afetado as taxas de rendimento. Neste caso, uma dita “melhora” do Ideb não reflete um aumento da aprendizagem, mas alterações dos dados de aprovação que decorrem de uma decisão tomada pelas redes de ensino em relação aos critérios de progressão. Teremos nesse caso mais alunos avançando pelas séries, sem que aprendam o que deveriam.
Dito isto, é importante considerar que, mesmo quando olhamos para os dados mais gerais do Ideb, é preciso que haja atenção em relação aos fatores que compõem o indicador. Problematizar os mecanismos que levaram à nota final apurada e compreender o que isto pode sinalizar em termos da política pública adotada é um aspecto fundamental em qualquer análise.
O efeito da pandemia de Covid-19 sobre os componentes de rendimento no Ideb
Não obstante as questões intrínsecas à própria métrica do Ideb e às limitações das informações divulgadas nesta primeira etapa, a análise dos dados referentes a 2021 exigirá outros cuidados para que possamos realmente compreender quais são os desafios postos em termos de política educacional para os próximos anos.
É importante recordar que durante o período da pandemia de Covid-19 as escolas foram afetadas por mudanças no formato da oferta de aulas e no acompanhamento dos alunos. Depois de um período de incerteza em que as escolas suspenderam as aulas presenciais ou anteciparam férias no início de 2020, ao longo de 2020 e 2021 as redes foram impelidas a desenhar ações para o ensino remoto, materializadas em uma pluralidade de ofertas tanto dentro de cada rede/ente da federação como entre elas (aulas on-line, transmissão de aulas via TV e rádio, preenchimento de atividades on-line ou entrega de caderno de atividades em meio físico etc.). Com a diversificação da oferta, houve também mudanças nos parâmetros de acompanhamento, seja para o registro de aulas dadas, seja para frequência dos alunos, ou ainda nos meios de avaliação dos estudantes.
Comecemos explorando os efeitos relativos ao registro da frequência dos alunos. Se antes a frequência significava o fato de um estudante estar fisicamente na escola, acompanhando as aulas dadas naquele dia e horário, no período pandêmico, o registro de frequência se deu de formas variadas, tais como o acompanhamento de atividades remotas síncronas por parte dos estudantes, a entrega de cadernos de atividades ou simplesmente a troca de mensagens com o professor via WhatsApp. Esses exemplos anedóticos visam apenas retratar a pluralidade dos arranjos adotados por cada escola com vistas a responder aos desafios que enfrentaram em função das diferentes realidades das redes de ensino e das famílias brasileiras – seja por problemas de acesso à tecnologia e à internet ou outros aspectos contextuais que dificultaram a relação entre as escolas e os estudantes. Em decorrência desse fenômeno, a compreensão sobre o que é o abandono escolar tornou-se um desafio, posto que o distanciamento social implicou na fragilização dos vínculos entre estudantes e escola. Se antes abandono significava que o estudante deixou de frequentar as aulas, com os novos parâmetros de frequência escolar a captação de situações de abandono tornou-se mais difícil.
Outro elemento associado ao indicador de rendimento do Ideb diz respeito à aprovação automática. As mesmas dificuldades enfrentadas para acompanhar a frequência dos estudantes afetou também a capacidade de avaliar a evolução do aprendizado. Os mecanismos de aprovação automática buscaram garantir um olhar mais cuidadoso sobre os estudantes, compreendendo as inúmeras dificuldades do período e buscando evitar que o estudante, desanimado pelos desafios colocados, acabasse abandonando a escola. Todavia, ainda que esta escolha tenha um caráter político importante pensando nos desafios de manutenção dos estudantes na escola, ela tem impacto direto sobre as taxas de aprovação e, consequentemente, no resultado do Ideb. Verificar o quanto decisões operacionais das redes podem ter inflado os dados de aprovação é crucial para uma melhor compreensão dos resultados de 2021, especialmente porque a Resolução do CNE nº 2 de 5 de agosto de 2021 estabeleceu diretrizes para o reordenamento curricular, possibilitando a reprogramação dos calendários escolares de 2021 e 2022 a fim de garantir o cumprimento dos objetivos de aprendizagem conforme os parâmetros que orientam as diferentes fases, etapas, anos, níveis e modalidades de ensino.
Por fim, temos também a adoção por algumas redes de mecanismos de matrícula automática em função das medidas de distanciamento social. Esta decisão significou que o processo de matrícula não necessariamente precisou contar com a presença de um familiar na escola assumindo o compromisso da continuidade do vínculo do estudante. A mudança neste processo, contudo, gera também uma percepção equivocada sobre a evasão escolar, dado que a sinalização da ruptura do estudante com a escola pode ter sido camuflada pela existência de um processo de registros automáticos que simulam sua permanência na rede.
Deste modo, a compreensão e a interpretação dos dados de rendimento (aprovação, reprovação, abandono e evasão) dependerão em grande medida de um melhor entendimento sobre quais os critérios adotados pelas redes de ensino e quais os direcionamentos das políticas de cada estado e município. Ademais, é preciso reconhecer que a mudança nos critérios faz com que os dados apresentados agora pelo Ideb de 2021 comprometam a comparabilidade com a série histórica, pois ainda que os registros tenham mantido seu nome de face, o fenômeno captado foi absolutamente diferente entre as redes e do que víamos nos anos anteriores à Pandemia.
Os efeitos da pandemia sobre o aprendizado no Ideb
Ainda que este resultado do Saeb seja a primeira avaliação com abrangência nacional realizada no Brasil depois do ápice da pandemia, é sabido que os últimos anos trouxeram grandes implicações para a aprendizagem dos estudantes. A suspensão das aulas presenciais e o variado alcance e eficácia da oferta de ensino remoto nas redes de ensino, para além das questões relacionadas ao registro (como anteriormente apontado), reverberaram na aprendizagem dos estudantes. O agravamento dos indicadores socioeconômicos, com destaque para a ampliação do desemprego e da pobreza, o aprofundamento das desigualdades raciais e o crescimento de agravos de saúde mental também tiveram um efeito significativo sobre a aprendizagem dos estudantes.
Estudo realizado pelo Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) em parceria com outras instituições[2] analisou informações sobre 68 mil jovens com idades entre 15 e 29 anos de todo o Brasil, tendo concluído que seis em cada dez estudantes relataram ansiedade e uso exagerado de redes sociais ao longo de 2021. O estudo também mostrou que cinco a cada dez estudantes sentiam exaustão ou cansaço constante. De modo geral, os dados reiteram o diagnóstico de que a suspensão das aulas presenciais em um quadro de pandemia teve impacto sobre a saúde física e emocional dos jovens, tanto pelo afastamento em relação aos amigos quanto pela exposição a problemas no ambiente doméstico.
Outro aspecto que os estudos feitos sobre o período indicam em relação à perda ou defasagem de aprendizagem diz respeito à dificuldade de engajamento dos alunos com as atividades remotas, seja pela falta de acesso à tecnologia ou à internet, pela precariedade de condições para o estudo ou até mesmo pela desmotivação decorrente de frustrações com a dificuldade em aprender. Este fator, somado à demora das redes em adotar medidas para a viabilização do ensino híbrido e para a recuperação da aprendizagem logo após o arrefecimento do ápice da pandemia, pode ter tornado ainda mais significativa a perda ou defasagem de aprendizagem no período (Barros et al., 2021)[3].
Os estudos também indicam que os alunos de anos iniciais da educação básica seriam os mais prejudicados, o que poderia gerar uma prolongação dos efeitos da pandemia sobre os próximos anos, afetando a vida escolar futura dos estudantes que vivenciaram a pandemia em seu ciclo inicial de aprendizagem (Portela de Souza e Lima, 2021; CAED, 2021)[4] [5].
Além disso, pesquisa desenvolvida pelo Instituto Geledés[6] revelou maior impacto negativo do ensino remoto sobre meninas negras que estudam em escolas públicas, considerando como universo de referência a cidade de São Paulo. Este é um dado que evidencia como opressões de gênero e raça limitam a trajetória escolar de meninas negras, afetando negativamente suas perspectivas de futuro.
Ainda que não haja um consenso entre as avaliações sobre o tamanho do problema, todas são unânimes em ressaltar que retrocessos ocorreram. Estados como São Paulo, que buscaram desenvolver avaliações para medir as perdas no período, encontraram perdas ou defasagens entre a coorte de 2021 e o Saeb de 2019 de 18,2 pontos em Matemática e 10,9 pontos em Língua Portuguesa durante a pandemia para os alunos do 3º ano do Ensino Médio; 13,8 pontos em Matemática e 11,2 pontos em Língua Portuguesa para os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e 46,3 pontos em Matemática e 29,6 pontos em Língua Portuguesa para os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental (CAED, 2021).
Quando analisados à primeira vista, esses dados sugerem que a atual coorte no Ensino Médio em São Paulo teria desempenho em Língua Portuguesa igual à da coorte que fez o Saeb em 2015 e, no caso de Matemática, o mais baixo desempenho de toda a série histórica. Contudo, as provas foram realizadas em amostras de alunos da rede (supostamente representativas), aplicadas no início e não no final do ano letivo de 2021 (quando muitos alunos ainda não haviam regressado às aulas presenciais). Portanto, essas comparações aligeiradas, que foram exploradas à larga pela imprensa e pelo próprio governo de São Paulo, devem ser interpretadas com muita cautela.
Esse problema não se restringe ao Brasil. O Relatório do Banco Mundial de 2021 estimou que haveria em toda a América Latina aumento no percentual de crianças de 10 anos de idade com graves dificuldades de leitura. Avaliações feitas em outros países, como a recém-lançada pesquisa National Assessment of Educational Progress sobre os Estados Unidos[7], indicam perda significativa de aprendizado, especialmente em Matemática. Os dados da pesquisa nacional americana também indicam um agravamento das desigualdades quando considerados os desempenhos dos estudantes por raça e etnia. De modo geral, a população negra e hispânica, que já possuía desempenho abaixo da média, teve quedas no desempenho em Matemática e leitura acima do verificado para a população branca. A variação das notas entre os negros foi de 13 pontos em Matemática (de 225 para 212) e de seis pontos em leitura (de 205 para 199); entre os hispânicos, a variação foi de 9 pontos em Matemática (de 232 para 223) e seis pontos em leitura (de 210 para 204), ao passo que a variação das notas entre a população branca foi de seis pontos em Matemática (de 250 para 244) e cinco em leitura (de 228 para 223).
Sendo assim, uma primeira análise sobre os resultados do Ideb considerando os efeitos da pandemia sobre o desempenho – a aprendizagem – precisa levar em consideração que houve em todo o mundo um movimento de retração e um agravamento das desigualdades entre os estudantes. Precisamos ser compreensivos na leitura dessas informações, olhando com uma perspectiva de futuro, não nos restringindo a lamentar ou exasperar pelo ocorrido, a despeito de quão grave ele eventualmente se caracterize. Mais importante, e produtivo, será propor mecanismos que viabilizem a recomposição das aprendizagens, especialmente entre os grupos populacionais mais vulneráveis, constantemente destacados pelos diversos estudos como os mais impactados.
Os desafios para a realização do Saeb em 2021
A pandemia trouxe inúmeras dificuldades para o cotidiano escolar e, portanto, imaginamos que também tenha acarretado problemas para a viabilização e a aplicação do Saeb.
Para que possamos compreender o quanto os dados divulgados são de fato representativos da população dos diferentes municípios e estados, é preciso que se faça uma análise prévia sobre como se deu a aplicação da prova e se houve ampla adesão entre os estudantes.
Caso tenha havido diferentes graus de adesão, é preciso compreender se há diferenças entre o perfil geral do aluno que compõe as redes educacionais e aquele que participou da avaliação externa. Isto pode indicar possíveis vieses, dado que é sabido que alunos de regiões mais remotas dos estados tiveram, em geral, maior dificuldade de acesso à tecnologia e de manutenção dos vínculos com a escola, além do fato de que as populações historicamente vulneráveis foram as mais afetadas pelo período pandêmico.
Devido às questões relacionadas ao ensino remoto e ao agravamento da vulnerabilidade de algumas famílias e alguns territórios, é muito provável que tenha ocorrido um aprofundamento das desigualdades em seus múltiplos aspectos. Assim, um resultado aparentemente melhor de um estado em termos de Ideb, mas que se paute em uma avaliação pouco representativa e excludente, precisa ser olhado com atenção.
Apesar desta reflexão ser um alerta importante quanto à representatividade do dado divulgado agora em setembro, análises sobre estes aspectos só serão possíveis com a liberação dos microdados, que permitirão uma análise desagregada, conectando individualmente o desempenho acadêmico com as informações dos questionários contextuais.
Reiteramos, portanto, a importância da divulgação das informações, garantindo a transparência dos dados. Preocupa-nos o fato de o atual questionário contextual do Saeb não contar com informações sobre o gênero e cor/raça dos estudantes, o que impede a análise detalhada sobre os impactos da pandemia sobre populações historicamente vulnerabilizadas. Se não tivermos clareza sobre quem são os indivíduos mais impactados, como poderemos desenvolver políticas públicas efetivas focadas na redução de desigualdades?
O histórico do atual governo de não transparência na divulgação de dados nos traz um alerta quanto à extensão e à granularidade dos dados a que a sociedade civil terá acesso.
A descoordenação federativa
Por fim, precisamos reconhecer que a falta de articulação federativa no cenário pandêmico tornou ainda mais variadas as medidas adotadas pelos diferentes estados e municípios no que tange ao enfrentamento da pandemia (suspensão das aulas, critérios para o acompanhamento da oferta de atividades educacionais e retomada do ensino presencial).
Sendo assim, a simples melhora ou piora das notas nos dirá pouco sobre a realidade se analisadas de forma não contextualizada. Devido às desigualdades históricas e diferentes capacidades estatais, a desarticulação entre os entes federativos pode ter levado a um agravamento da desigualdade entre as unidades federativas, especialmente quando consideramos que os estados e municípios foram lentos ao adotar programas de ensino à distância no início da pandemia. Estudos demonstram que, em geral, os estados conseguiram estabelecer planos de ação mais estruturados e desenvolver respostas mais ágeis frente à pandemia em comparação ao observado nas capitais estaduais (Barberia, Cantarelli e Schmalz, 2020)[8].
Isso significa que locais com menor disponibilidade de recursos (financeiros, técnicos e operacionais) tiveram ainda mais dificuldade em desenvolver políticas públicas para este cenário de exceção. Se considerarmos que a responsabilidade sobre a oferta do Ensino Fundamental em seus Anos Finais, por exemplo, é partilhada entre estados e municípios, aqueles estudantes que faziam parte de escolas estaduais podem ter sido beneficiados frente seus pares que estavam em escolas municipais pelo simples fato de pertencerem a uma rede que tinha à disposição uma infraestrutura mais robusta. Sendo assim, a cooperação federativa é um recurso importante para estimular a cooperação e evitar a duplicação de esforços, especialmente em cenários de escassez de recursos, buscando mitigar o agravamento das desigualdades. Uma vez que não houve tal coordenação, a comparação das informações entre redes e entes federativos precisará de mais atenção, considerando os movimentos sociais e políticos ocorridos em cada estado, município e região, e que nos permitem contar como os resultados da avaliação foram alcançados.
Para tanto, além das comparações históricas, devemos nos atentar para a efetiva política educacional desenvolvida em cada território, como os parâmetros do Ideb podem ter sido afetados por essas escolhas políticas e possíveis vieses de seleção do grupo de respondentes da avaliação. Sem isso, corremos o risco de comemorar aparentes melhorias de resultado que na verdade representam um aprofundamento das desigualdades entre os estudantes, a exclusão de grupos populacionais historicamente fragilizados e um agravamento das desigualdades territoriais. Por outro lado, tampouco se deve criticar de forma contundente as redes que testemunharem retrocessos mais marcados nessa primeira leva de divulgação dos dados, pois é possível que, comparadas a outras redes, tenha sido demandado delas um esforço maior frente à indisponibilidade de recursos e suporte.
[1] INEP (2021). Relatório de resultados do Saeb 2019: volume 3: 9º ano do ensino fundamental: Ciências Humanas e Ciências da Natureza. Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2021. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_basica/saeb/2019/resultados/relatorio_de_resultados_do_saeb_2019_volume_3.pdf
[2]Em Movimento, Fundação Roberto Marinho, Mapa Educação, Porvir, Rede Conhecimento Social, Unesco e Visão Mundial. CONJUVE (2021) A pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus. 2ª edição. Ver: https://atlasdasjuventudes.com.br/wpcontent/uploads/2021/08/JuventudesEPandemia2_Relatorio_Nacional_20210702.pdf
[3] Barros, Ricardo Paes de; et al. (2021) Perda de Aprendizagem na pandemia. Insper, Instituto Unibanco. Disponível em: https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/cedoc/detalhe/89499b7c-6c99-4333-937d-1d94870d3181?utm_source=site&utm_campaign=perda_aprendizagem_pandemia
[4] Portela de Souza, André; Lima, Lycia. (2021) Perda de aprendizado no Brasil durante a pandemia de covid-19 e o avanço da desigualdade educacional. CLEAR, FGV-EESP . Disponível em: Perda de aprendizado no Brasil durante a pandemia de covid-19 e o avanço da desigualdade educacional (fundacaolemann.org.br)
[5] O impacto da pandemia na educação – Avaliação amostral da aprendizagem dos estudantes, CAEd/UFJF/SEE-SP (2021)
[6] Geledés. (2021) A educação de meninas negras em tempos de pandemia: O aprofundamento das desigualdades” no município de São Paulo, com recorte de raça/cor e gênero. Coordenação Suelaine Carneiro. 1. Ed, São Paulo, Geledés. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2021/04/A-educacao-de-meninas-negras-em-tempo-de-pandemia.pdf
[7] NAEP (2021). Long-Term Trend Assessment Results: Reading and Mathematics. Disponível em: https://www.nationsreportcard.gov/highlights/ltt/2022/
[8] Barberia, L. G., Cantarelli, L. G., & Schmalz, P. (2021). Uma avaliação dos programas de educação pública remota dos estados e capitais brasileiros durante a pandemia do COVID-19. FGV/EESP Clear. Disponível em: remote-learning-in-the-covid-19-pandemic-v-1-0-portuguese-diagramado-1.pdf (fgvclear.org)
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