Como está sendo feita a busca ativa de alunos pelas redes de ensino
A suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia de Covid-19 fez crescer a preocupação com a evasão. Apesar do esforço dos gestores, há crianças e adolescentes que ficaram sem participar das atividades remotas, aumentando o risco de abandono. Daí a importância ainda maior das ações de busca ativa, que mobilizam não apenas educadores, mas também profissionais das áreas da assistência social e da saúde.
Para saber como as redes estaduais estão lidando com o desafio, ouvimos gestores de cinco secretarias de Educação. As estratégias incluem desde a parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), responsável por uma plataforma de busca ativa, até o uso de algoritmos para a identificação de alunos em situação de risco e a contratação de empresas de transporte para buscar e entregar material didático impresso na casa dos estudantes.
No Espírito Santo, o programa Todos na Escola atua em duas frentes: de um lado, busca resgatar crianças e adolescentes que não estão sequer matriculados; de outro, monitora a frequência escolar e atua preventivamente para evitar que os alunos parem de estudar.
Em 2019, a rede capixaba aderiu à plataforma de busca ativa desenvolvida pelo Unicef, com apoio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
A iniciativa leva o nome de Busca Ativa Escolar e parte da premissa de que a evasão é um desafio intersetorial, isto é, que extrapola os limites da sala de aula. “Criança fora da escola não é um problema que vai ser resolvido somente pelos esforços da educação”, diz Débora Resende Maranhão, gerente de Informação e Avaliação da Secretaria de Educação do Espírito Santo.
Ela cita o caso de um aluno que tinha bom rendimento escolar e, de uma hora para outra, passou a faltar às aulas, a ponto de caracterizar uma situação de abandono.
“Em contato com a família, a escola descobriu que o adolescente sofria de psoríase [doença inflamatória na pele] e estava envergonhado”, conta Débora, que é coordenadora operacional da busca ativa capixaba.
Em contato com a Secretaria da Saúde e com o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do município onde o aluno estudava, foi providenciado tratamento, e ele retornou para a escola.
A rede estadual segue também um protocolo de controle da frequência escolar. Se um aluno falta dois dias seguidos na semana ou quatro dias alternados em um único mês, segundo Débora, a escola deve entrar em contato com a família do estudante para saber o motivo. Se a família não for localizada, a escola deverá acionar o conselho tutelar e, em último caso, o Ministério Público.
Em paralelo a esse acompanhamento, a Secretaria da Educação monitora as listas de presença de toda a rede. Ao detectar alunos com mais de 25% de faltas (indice que, mantido ao longo do ano, causa reprovação), a secretaria pede explicações às escolas. Antes da pandemia, isso era feito a cada bimestre ou trimestre. Na pandemia, desde julho, passou a ser mensal.
O controle é feito com base nos acessos à plataforma on-line e na entrega de atividades (o que inclui alunos sem internet que utilizam material impresso). Em agosto, pelo menos 410 alunos voltaram a estudar graças à busca ativa, segundo informações prestadas pelas escolas.
Ao verificar os resultados das avaliações dos mais de 200 mil alunos da rede estadual naquele mês, a equipe de estatística constatou que cerca de 10 mil não tinham registro de notas no sistema, o que fez disparar o alerta de possível abandono. Após contato com as escolas, esse número caiu para 6 mil, já que havia casos em que os estudantes haviam feito as atividades, mas as notas não tinham sido lançadas.
Há inúmeras causas para a evasão. De acordo com Débora, os motivos podem ser déficit de aprendizagem, desinteresse, doença, gravidez, necessidade de trabalhar ou de cuidar de alguém na família, entre outros. Segundo ela, o abandono é mais recorrente entre quem já foi reprovado mais de duas vezes (distorção idade-série), entre meninos e negros.
Débora destaca a criação de um comitê com representantes de diferentes áreas da Secretaria da Educação. A ideia é que as informações do monitoramento levem à criação ou ao redesenho de políticas educacionais.
No caso de o monitoramento identificar que há alunos ausentes no período de colheita do café, por exemplo, as escolas poderiam flexibilizar o horário de funcionamento, exemplifica Débora. Ela diz que é importante também criar protocolos para agir diante de cada situação.
Piauí
A gerente de Ensino Médio da Secretaria de Educação do Piauí, Regina Monteiro, informa que a rede estadual criou um comitê de crise, responsável por elaborar diretrizes e um plano de ação para localizar os estudantes que não aderiram ao ensino remoto. Segundo ela, um levantamento indicou que 14% dos alunos do Ensino Médio estavam nessa situação.
O contato com as famílias é feito pelas escolas. Um dos canais para isso é o envio de mensagens por celular.
As aulas presenciais para alunos do 3º ano do Ensino Médio deverão ser retomadas no próximo dia 19 de outubro. A rede estadual intensificará os esforços de busca ativa: haverá o Dia D da Busca Ativa, em data a ser marcada, com uma campanha de comunicação no rádio e por meio de carros de som. A estratégia prevê também a gravação de vídeos, para compartilhamento em redes sociais, em que estudantes chamarão os colegas para voltar às aulas.
“O desafio maior é a gente chegar até esses alunos, conseguir dialogar com eles”, diz a gerente. “Já estamos dialogando com as famílias e fazendo esse chamamento.”
Regina está à frente da formação de gestores e educadores das 21 gerências regionais da rede estadual, na caravana pedagógica deste início de outubro. Um dos focos é justamente a busca ativa, com o uso das informações de frequência e avaliação escolar para identificar quem está em situação de abandono.
São Paulo
Em São Paulo, a rede estadual desenvolveu um algoritmo para, com base em dados de cada estudante (frequência escolar no ano anterior, se é beneficiário de programas assistenciais), gerar uma lista de alunos com maior risco de interromper os estudos. Os nomes são repassados às respectivas escolas para que redobrem a atenção, a fim de evitar o abandono.
O subsecretário de Articulação Regional, Henrique Pimentel, diz que o esforço de busca ativa tem sido constante desde o início da pandemia. “A gente viu de tudo: diretor que alugou carro de som para falar sobre as atividades remotas, que foi à casa de pai de aluno para saber o que estava acontecendo [no caso de estudantes que não assistiam às aulas] ou para entregar atividades impressas”, diz Pimentel.
Ele conta que um dos desafios é localizar as famílias. Entre as dificuldades, há desde pais que trocam seguidamente de celular até casos em que o pai foi preso − assim como alunos que passam a cumprir medidas socioeducativas.
No início da pandemia, lembra Pimentel, a rede estadual passou a transferir dinheiro da merenda às famílias em situação de vulnerabilidade: R$ 55 mensais por filho matriculado. Na época, houve um esforço para avisá-las sobre o benefício, o que contou com o apoio de associações de moradores e pequenos mercados nas periferias. “Foi ali que a gente aprendeu boa parte das estratégias que usamos agora”, diz o subsecretário.
Por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola Paulista, a rede estadual vai repassar pelo menos R$ 25 milhões às unidades de ensino, dinheiro que poderá ser usado para estratégias de busca ativa. Em outra frente, a Secretaria de Educação firmou parceria com uma empresa de engajamento para envio de mensagens por celular às famílias. O pacote prevê 3,5 milhões de mensagens.
“O esforço de busca ativa vai ser ainda mais forte no ano que vem, quando teremos os dados concretos da evasão”, afirma Pimentel
Maranhão
A rede estadual do Maranhão adaptou os protocolos de busca ativa à nova realidade do ensino remoto. Professores e diretores de escola passaram a desempenhar um papel ainda mais central no monitoramento dos estudantes e no contato com as famílias.
“Agora as crianças estão em casa, e a estratégia é observar se o aluno acessa o Google Meet, a plataforma Zoom, se está na sala virtual”, diz a supervisora do Regime de Colaboração da Secretaria de Estado da Educação, Fernanda Ferraz.
No caso dos alunos sem acesso à internet, o controle é feito na distribuição do material didático: estudantes cujos pais não buscam as apostilas entram na lista de verificação. O passo seguinte é tentar contato com as famílias. Uma das estratégias para isso é recorrer a outras bases de dados, como a do cadastro do Bolsa Família, ou aos Centros de Referência da Assistência Social.
Assim como o Espírito Santo, a rede maranhense é parceira do Unicef. Desde o ano passado, 202 municípios aderiram à plataforma de busca ativa. A meta, em 2020, era resgatar 20% dos alunos evadidos, a partir das informações do Censo Escolar. Segundo Fernanda, o esforço deu resultado: 6,3 mil alunos que haviam parado de estudar foram rematriculados antes da pandemia. O desafio agora é evitar que esse esforço se perca com as dificuldades impostas pelo fechamento das escolas.
Distrito Federal
O governo do Distrito Federal acionou os conselhos tutelares para ajudar na busca ativa durante a pandemia. “Fizemos uma parceria para os conselhos visitarem a casa dos estudantes que não acessaram a plataforma ou que não buscaram material impresso”, diz o secretário-executivo da Secretaria de Educação, Fábio Pereira de Sousa
Em agosto, as escolas da rede pública do DF enviaram mensagens aos pais de alunos, por e-mail ou WhatsApp, alertando sobre a obrigatoriedade do ensino remoto. No caso de estudantes que continuaram sem participar das atividades, uma lista com o nome dos pais foi repassada aos conselhos. “Muitos pais não tinham conhecimento de que já estava tendo aula ou achavam que ainda era opcional”, conta o secretário-executivo.
Na rede pública, a previsão é que as aulas presenciais sejam retomadas somente em 2021. O atual ano letivo vai até 28 de janeiro, em formato remoto.
A Secretaria de Educação contratou uma empresa de transporte para entregar e buscar atividades impressas na residência de estudantes que não têm acesso à plataforma on-line, principalmente em áreas rurais. Para os estudantes com conexão à internet, uma parceria com operadoras de telefonia permite o acesso gratuito ao aplicativo de ensino on-line. O dinheiro repassado às famílias para a compra de material escolar também pode ser usado para a aquisição do chip para celular.
“Estamos fazendo tudo para não deixar nenhum aluno para trás”, diz Fábio.
Para Saber Mais:
No Observatório de Educação do Instituto Unibanco, há uma seção com dados e análises sobre as causas do abandono e evasão escolar. Veja aqui os conteúdos produzidos.
https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/educacao-em-numeros/analises-integradas/abandono-e-evasao-escolar