O Bicentenário e a educação brasileira
No último dia 7 foi comemorado o bicentenário da Independência do Brasil, proclamada por Dom Pedro I em setembro de 1822 com o seu “Grito do Ipiranga”, que declarou a ruptura na dependência do país como colônia de Portugal. A data com certeza é importante e deve ser comemorada, mas também serve de reflexão para o que nos tornamos nesses dois séculos e o que ainda precisa ser melhorado.
A educação é uma das principais áreas que sofre com a desigualdade no nosso desenvolvimento, o que ao longo dos séculos foi ficando cada vez mais evidente. Isto é, problemas estruturais no sistema educacional brasileiro afetaram diretamente grupos mais vulneráveis, como pobres, negros, mulheres e indígenas, se levados em conta os contextos histórico e socioeconômico.
A ideia defendida por Pedro I em seu discurso, de que todos os cidadãos teriam direito à educação pública, não aconteceu. Um exemplo é o dos negros, mantidos escravos até 188xxx e que, mesmo após a abolição, continuaram impedidos por lei de frequentar qualquer escola.
Antônio Gois, jornalista especializado em educação, argumenta em seu livro O ponto a que chegamos que o quadro insatisfatório da educação brasileira é resultado de um longo histórico de decisões equivocadas, que cobram um preço alto ao país até hoje.
A realidade da educação brasileira e a necessidade de melhorias
Segundo dados divulgados por uma reportagem do Estadão, no fim do século XIX, apenas 10% das crianças de 5 a 14 anos estavam na escola no Brasil, enquanto outros países, como Estados Unidos e Argentina, já acumulavam 94% e 32%, respectivamente. Mesmo após um aumento para 22% neste percentual, a melhora ainda era pequena diante do sistema chamado de “exame de admissão”, que definia o futuro da criança aos 10 anos. Isso fazia com que muitos abandonassem os estudos, optando por aprender alguma profissão. Como resultado, esse processo contribuiu para que o analfabetismo predominasse na população brasileira.
Duzentos anos depois, embora com alguns avanços na educação e o aumento da população, a situação não é muito diferente. Em entrevista à TV CPP, Antônio Gois defende a ideia de que o sistema educacional brasileiro não foi constituído para produzir qualidade, ou seja, era uma máquina de exclusão em massa que forçava a repetência dos estudantes sem qualquer resultado na melhoria da aprendizagem. Ele ainda explica que o seu método de pesquisa para escrever O ponto a que chegamos foi analisar os estudos da época e os anuários estatísticos do IBGE para entender melhor como funcionava todo esse processo.
Um dos dados do autor é que a cada 100 alunos que ingressavam no ensino primário na década de 1960, apenas 6 conseguiam concluir o Ensino Médio. O sistema de repetências acarretava um momento de grande evasão, fazendo com que o ensino fosse cada vez mais elitista. Antônio conclui que, hoje, mesmo com todos os problemas, a qualidade aumentou, mas ainda não é eficiente por não suprir todas as necessidades. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em 2020 mostram que 11 milhões de brasileiros não sabiam ler nem escrever, reforçando essa análise.
Diante disso, é extremamente importante refletir sobre o currículo, as desigualdades e diversidades no Ensino Médio, levando em consideração que o Brasil é um país em que 53% da população é considerada negra, levando em consideração que as questões raciais não foram muito refletidas na escola. Os índices de reprovação, evasão e dificuldades de aprendizagem são sempre mais críticos entre alunas e alunos negros, o que reflete diretamente na desconexão do currículo com o ambiente escolar da realidade das questões raciais. A pesquisadora Cida Bento ainda aponta que é preciso reconhecer que o conceito de evasão não cabe às crianças negras e indígenas, mas o de expulsão, pois foram dois grupos excluídos por um sistema escolar que não dialoga com a sua cultura.
Ainda sobre o tema, a websérie “Olhares para a Educação Pública” discute no episódio 2 – Diversidade e Inclusão | Olhares para a Educação Pública os desafios de políticas de inclusão e diversidade no sistema educacional, com enfoque nas temáticas da identidade dos povos indígenas, os privilégios da branquitude, a diversidade sexual na escola e a falta de compreensão das diferenças culturais e étnico-raciais pela na educação formal.
Ao longo desses anos, foi possível melhorar o sistema educacional brasileiro, assim como implementar projetos para diminuir as desigualdades nas diferentes fases da formação, principalmente no ensino superior. A criação da Lei de Cotas, por exemplo, permitiu maior inclusão de jovens negros, indígenas e de baixa renda nas universidades públicas do país. Mesmo assim, tais ações não foram suficientes para suprir a demanda da educação, que vem sofrendo com os cortes orçamentários e com políticas públicas ineficientes para o acesso a uma educação digna e de qualidade.